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Face I - Year2018 - Volume33 - (Suppl.1)

http://www.dx.doi.org/10.5935/2177-1235.2018RBCP0064

RESUMO

O câncer de pele é a neoplasia maligna mais comum, e a subclassificação não melanoma representa uma grande porcentagem dessa ocorrência. Frequentemente, as lesões acometem áreas do corpo diariamente expostas à radiação solar, sendo esse um dos principais fatores de risco para desenvolvimento tumoral. As áreas atingidas geralmente são profundas e extensas, o que exige do cirurgião plástico uma excelente técnica para reparos com esse grau de dificuldade. A face conta com uma complexa e densa rede vascular e nervosa, registrando inúmeras variações anatômicas, sendo que a secção de um feixe calibroso, por exemplo, do nervo facial, compromete a movimentação de toda uma hemiface e, consequentemente, compromete o resultado funcional e estético da cirurgia. Neste caso, apresentamos uma paciente com múltiplas tumorações em região da face, com biópsias prévias, resultando em CBC infiltrativo, com necessidade de ressecção e retalho para reconstrução do terço médio da face direita, associado a dorso e asa nasal esquerda. A escolha pelo retalho miocutâneo de avanço de face ou facelift baseou-se em uma maior segurança para redução de casos de isquemia e também por apresentar melhores resultados estéticos em comparação ao retalho cutâneo. A presença do SMAS intensifica o aporte sanguíneo ao retalho, decrescendo as taxas de complicação por eventos isquêmicos no retalho. Assim, com boa indicação, o retalho miocutâneo para reconstrução facial potencializa os resultados estéticos e funcionais finais da face do paciente, embora exija melhor técnica e maior conhecimento anatômico da região a ser tratada.

Palavras-chave: Retalhos cirúrgicos; Face; Reabilitação.


INTRODUÇÃO

O câncer de pele é a neoplasia maligna mais comum na maioria dos países, e sua incidência aumentou mundialmente nas últimas décadas. Sua classificação está baseada em dois grupos, o câncer de pele não melanoma (CPNM) e melanoma cutâneo1,2.

Partindo desse ponto, o aumento do número de casos existentes de neoplasias não melanoma resultam na maioria das vezes em ressecção da área afetada pelo processo tumoral e, assim, o aperfeiçoamento das técnicas de reconstrução da área excisada precisa ser compatível com os padrões estéticos e funcionais esperados pelo paciente, exigindo constante evolução nas técnicas aplicadas3,4.

A reconstrução após a exérese do tumor pode ocorrer por diferentes métodos, com diferentes aplicações e técnicas, sendo que o retalho cervical composto ou miocutâneo se serve na reparação de áreas profundas e extensas com resultados, pós-tratamento cirúrgico, bastante aceitáveis. Porém, como qualquer técnica de reconstrução facial, o correto reconhecimento da área a ser tratada é fundamental para o sucesso do procedimento, evitando confecções de retalhos isquêmicos e também lesões ao nervo facial5,6.


OBJETIVO

Descrever o caso de uma paciente portadora de lesão tumoral CBC infiltrativo em região malar direita comprometendo sulco naso geniano e asa nasal direita, submetida à ressecção da lesão e posterior reconstrução utilizando a técnica retalho cervicofacial composto, um retalho de avanço para grandes deformidades.


MÉTODOS

Técnica Cirúrgica


Para a confecção do retalho miocutâneo, realizamos uma incisão a partir da borda lateral do defeito direito e continuando para a região pré-auricular, seguindo o vinco pré-auricular até a base da orelha e progredindo até a volta da orelha para a área retroauricular. Pode ser expandido para a região occipital, se necessário, o que diminui a tensão da pele e aumenta a mobilização do tecido. Na região pré-auricular, fazemos a incisão profunda até atingir a fáscia da parótida e dissecamos superficialmente a parte anterior da glândula parótida lateral. O retalho inclui a pele e o sistema musculoaponeurótico (SMAS). A fáscia massetérica é localizada anteriormente à glândula parótida lateral (Figura 1).


Figura 1. A: Visão lateral apresenta o retalho miocutâneo composto confeccionado para reparo de defeitos em virtude da ressecção tumoral; B: Posicionamento final do retalho fasciomiocutâneo e reparação total do defeito cirúrgico.



O descolamento do retalho pode ser continuado cranialmente, medialmente, caudalmente ou lateralmente, conforme necessário. A fáscia da glândula parótida e do músculo masseter servem como marcos cirúrgicos para encontrar a camada correta e evitar danos ao nervo facial. A pele pode ser mobilizada a partir da região cervical para liberar o excesso de tecido da região submentual. O SMAS é parcialmente separado da pele e cada camada pode ser movida em uma direção diferente de acordo com o tamanho, profundidade e local do defeito.

O compartimento de gordura das bochechas ou SMAS podem ser usados para preencher a região do defeito e, com isso, evitar a formação de depressões na superfície da pele, geradas pela ampla ressecção tumoral prévia. O excesso de pele é excisado e a ferida fechada sem tensão. O paciente retornou em seis meses pós-operatório para que pudéssemos avaliar qualidade da cicatriz, resultado estético e presença de ectrópio.

Paciente

Neste artigo descreveremos uma paciente de 75 anos, feminina, agricultora, com histórico de lesão surgida há aproximadamente 1 ano, com diagnóstico de CBC infiltrativo obtido após biópsias realizadas anteriormente ao ato cirúrgico com punch. As lesões estavam localizadas em região malar direita, com comprometimento do sulco nasogeniano e asa nasal (Figura 2). As áreas de ressecção foram delimitadas com a marcação prévia das margens de segurança (Figura 3A). Após, realizamos a ressecção da região acometida pelo tumor, resultando nos defeitos registrados na Figura 3B.


Figura 2. A: Visão frontal da paciente com lesões presentes em região malar e sulco nasogeniano do lado direito, com comprometimento da assa nasal; B: Visão perpendicular da mesma paciente, ilustrando o acometimento maior do lado direito da face.


Figura 3. A: Paciente em pré-operatório com as marcações de delimitação e margem de segurança da lesão (CBC infiltrativo); B: Defeito cirúrgico resultante da ressecção da área tumoral.



RESULTADOS

Paciente com boa evolução cirúrgica observada na Figura 4A, sendo que o registro ocorreu com 6 horas de evolução pós-operatória, com ausência de hematomas e boa evolução pós-operatória. Na Figura 4B, paciente com evolução de 6 meses, apresentando boa qualidade dos movimentos de mímica facial, com ausência de cicatrizes hipertróficas e retrações cicatriciais. Apresenta boa funcionalidade da região tarsal inferior, com ausência de lagoftalmo, com bom resultado estético final.


Figura 4. A: Paciente com evolução de 6 horas pós-operatória; B: Paciente com 6 meses de evolução, com excelente resultado estético facial.



DISCUSSÃO

Os cânceres da pele são os tumores malignos mais comuns entre as pessoas de pele branca e sua incidência vem aumentando nos últimos anos1. O carcinoma basocelular (CBC) é o tipo de câncer de pele mais comum, representa 75% dos tumores epiteliais malignos e quando falamos em face, cerca de 90% dos casos que afetam as pálpebras são CBC7. A proporção de ocorrência na população é de quatro a cinco CBCs para cada CEC, e oito a dez para cada melanoma diagnosticado8.

Alguns subtipos tumorais de CBC comportam-se de maneira mais agressiva devido à maior tendência à excisão incompleta e recorrência, além de maior chance de disseminação local e à distância9. Dessa forma, o diagnóstico realizado através de biópsia excisional pré-operatória torna-se importante para classificar a agressividade tumoral e após a ressecção para assegurar margens cirúrgicas suficientemente amplas.

O tratamento consiste principalmente na excisão completa, com margem de segurança de 3-30 mm, o que pode resultar em um defeito extenso, muitas vezes em alguma região exposta como a face e pescoço10-12. A ressecção nem sempre se resume ao tumor e, com isso, são necessárias excisões profundas e que por vezes alteram a arquitetura da região excisada, dificultando ainda mais a sua reconstrução.

Independentemente da etiologia e tipo de câncer de pele, especialmente na face, a reconstrução suave e harmônica continua desafiadora mesmo para cirurgiões experientes, pois não apenas a função deve ser recuperada, mas também espera-se que tenha um bom resultado estético, evitando formações de ectrópio e principalmente lesão ao nervo facial11.

Ao confeccionar o retalho fasciomiocutâneo a realidade apresentada é que após emergir da glândula parótida 1,7 cm anterior ao trago, o ramo temporal do nervo facial passa pelo arco zigomático entre 3,2 e 3,9 cm posterior à borda lateral da órbita, ao nível da linha órbito-tragal, o que corresponde ao terço médio do arco zigomático. Investigações realizadas em cadáveres, na literatura, observaram constância anatômica nas peças dissecadas. Os trabalhos utilizados para embasamento da teoria enfatizam a vulnerabilidade do ramo temporal ao nível do terço médio do arco zigomático13-15.

Porém, a partir da revisão de literatura realizada, pode-se concluir que, embora o ramo temporal do nervo facial apresente uma ampla variação no padrão de sua ramificação, ele cursa em uma direção constante. Isto permite a definição de um plano de dissecção seguro para a região temporal, durante uma ritidoplastia temporal ou frontal. Os níveis de dissecção temporal podem ser definidos como sendo superficiais ou profundos ao ramo temporal do nervo facial. Esses níveis incluem: o plano subcutâneo, o plano abaixo da fáscia temporoparietal e o plano subperiostal, justamente o plano utilizado para confecção do retalho fasciomiocutâneo16.

Existem inúmeras técnicas cirúrgicas para reparo de defeitos provocados por excisões de tumores, cada uma com vantagens, indicações e limitações. Pequenos defeitos de face podem ser corrigidos com retalhos locais, mas para defeitos maiores os enxertos sem vascularização podem ser usados pela facilidade da técnica. O problema é que os aspectos funcionais e estéticos resultantes são deficientes e eles apresentam altos riscos de necrose, falta de compatibilidade, textura e contratura17. Para reconstruções de grandes defeitos faciais, retalhos cutâneos vascularizados oferecem a melhor opção para reposição de volume, vascularização e viabilidade do tecido. O procedimento cirúrgico costuma ser mais demorado, com uma maior demanda de cuidados hospitalares e requer uma qualidade técnica elevada, com maior rico de morbidade pela lesão de estruturas nervosas da face18.


CONCLUSÃO

O suporte sanguíneo nas áreas distantes do pedículo no retalho miocutâneo é intensificado com a presença do SMAS, visto que além do processo de difusão inicial para nutrição do tecido transplantado o retalho possui nutrição provida do SMAS, decrescendo as chances de necrose do retalho14. Então, por esse suporte nutricional gerado pelo SMAS e o músculo platisma, o pedículo vascular da artéria facial e submentual pode ser menor, favorecendo a movimentação e posicionamento do retalho. Além disso, por sua ressecção ser mais profunda que o retalho cutâneo, permite que defeitos mais profundos sejam reparados com reposição volumétrica da área tumoral ressecada pelas camadas de gordura e músculo adjacentes3.

Além disso, devido à maior profundidade necessária de ressecção, uma importante estrutura nervosa tem passagem pela região, o nervo facial. Assim, sabendo que sua secção resulta em paralisia da face, a técnica exige que o cirurgião plástico conheça a anatomia da região que será operada.


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