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Face I - Year2018 - Volume33 - (Suppl.1)

http://www.dx.doi.org/10.5935/2177-1235.2018RBCP0041

RESUMO

Hemangioma é uma doença relativamente comum, com uma taxa de regressão espontânea alta. Em alguns casos, porém, como naqueles com efeito de massa sobre tecidos adjacentes, o tratamento deve englobar o uso de betabloqueadores ou cirurgia. Apresentamos um caso de paciente de 8 anos, com hemangioma do lábio superior com deformidade da arcada dentária superior.

Palavras-chave: Hemangioma; Hemangioma cavernoso; Neoplasias de tecido vascular; Dermatopatias vasculares; Malformações vasculares; Lábio.


INTRODUÇÃO

Hemangioma infantil (HI) é uma doença que pode trazer consequências negativas para a criança; o grau de acometimento tecidual está diretamente relacionado às repercussões na autoestima e socialização1,2.

HI é comum, afetando aproximadamente 5% das crianças brancas; é mais comum no sexo feminino (3-5:1), em crianças prematuras e com baixo peso natal. Seu crescimento é rápido nos primeiros 6 meses, seguido por estabilização e involução, geralmente após 1 ano de idade. Hemangioma labial pode ser mais problemático, por interferir com alimentação, fala e maior risco de ulceração e sangramento no período proliferativo. Quase 20% dos hemangiomas de lábio superior e 30% do lábio inferior ulceram3,4. Ainda não existe consenso claro sobre o melhor momento e método de tratamento dessas lesões, mas lesões com efeitos de massa e deformidade local são indicações inequívocas de cirurgia.


OBJETIVO

Discutir a abordagem cirúrgica de hemangioma cavernoso infantil que comprimia a arcada alveolar em paciente na qual propranolol oral havia levado a uma regressão apenas parcial da lesão.


MÉTODO

Menina de 8 anos, portadora de hemangioma cavernoso de lábio superior direito desde o nascimento, vinha em tratamento há 18 meses com betabloqueador. Em acompanhamento multidisciplinar com pediatra, cardiologista, ortodontista e cirurgião plástico. Deformidade da arcada alveolar impedia o tratamento ortodôntico necessário. Houve regressão parcial (60%) com betabloqueador, mas a deformidade da arcada alveolar aumentara, com mal oclusão. O tratamento associado de betabloqueador e cirurgia foi avaliado por meio de fotografias; melhora da posição da arcada dentária, melhora no desempenho escolar e autoestima foram desfechos que também foram avaliados após cirurgia.


RESULTADOS

O tratamento inicial consistiu de propranolol oral (1mg/kg - 12mg duas vezes por dia), com cardiologista pediátrico, obtendo regressão parcial (60% do diâmetro) em 18 meses; deformidade da arcada alveolar superior (Figura 1). Houve falha em tentativa de embolização endovascular da artéria labial pela radiologia intervencionista.


Figura 1. Paciente pré-operatório (visão frontal).



Foi então optado por tratamento cirúrgico, sob anestesia geral. Ao redor do hemangioma foram injetados 20mL de solução 1:200.000 de adrenalina + SF 0,9%, xilocaína e bupivacaína. Por abordagem intraoral e incisão em cunha de espessura parcial (Figura 2) foi ressecado 70% do volume do hemangioma (Figura 3). Não houve sangramento significativo, e a paciente obteve alta após 12 horas de recuperação (Figura 5).




Figura 2. Aspecto pré-operatório (visão inferior).


Figura 3. Aspecto transoperatório.


Figura 5. Aspecto ao final da cirurgia.



Avaliação subjetiva do resultado pós-operatório (até 3 anos pós-cirúrgico) foi realizada através de fotografias, tanto pelos pais quanto pelos autores; houve concordância de que houve melhora, especialmente do sorriso (Figura 4). Ortodontista considerou a melhora de posicionamento da arcada dentária significativa, após 3 meses. De maneira subjetiva, os pais e a paciente demonstraram melhora na autoestima, com também aparente melhora no desempenho escolar e interações sociais.




Figura 4. Espécimes cirúrgicos.



DISCUSSÃO

O lábio se desenvolve a partir de cinco derivados embriológicos. A proeminência frontonasal forma o filtro e se junta às proeminências maxilares pareadas para completar o lábio superior e as proeminências mandibulares pareadas para formar o lábio inferior. A localização exata de linhas de fusão e sítios de origem dos hemangiomas são difíceis de precisar, porém, as linhas de fusão parecem ser determinantes da localização dos hemangiomas labiais. A relação entre o desenvolvimento facial e patogênese de hemangiomas infantis é demonstrada em múltiplos estudos5,6.

Independentemente do tamanho, hemangiomas labiais localizados tendem a crescer em seu domínio respectivo e distorcem a anatomia labial por efeito de massa. Histologicamente, HI são formados por massas celulares de capilares densamente aglomerados com lúmens pequenos, revestidos por células endoteliais ingurgitadas e pericitos também ingurgitados.

O padrão-ouro para diagnóstico imunohistoquímico é marcação com isoforma 1 de transportador de glicose (GLUT1). Subtipo morfológico (segmentar contra localizado) é o melhor preditor de complicações dos hemangiomas da face, sendo os segmentares maiores e mais disfigurantes, além de terem maior taxa de ulceração e transtorno funcional.

Em sua maioria, hemangiomas labiais estão localizados em metâmeros embriológicos e pontos de fusão faciais7. Hemangiomas do lábio inferior podem estar associados com síndrome PHACES (malformação fossa posterior, hemangioma, anomalias arteriais, defeitos cardíacos, anormalidades oculares, fenda esternal e síndrome da rafe supraumbilical) e com hemangiomas laríngeos potencialmente com risco de vida.

A fase de mais rápida proliferação nos hemangiomas labiais ocorre nas primeiras 8 semanas de vida, quando a decisão para tratamento costuma ser tomada. As sequelas mais importantes de hemangiomas labiais incluem cicatrizes e deformidade do contorno labial, podendo persistir mesmo após involução. Cirurgicamente, hemangiomas dos lábios podem ser desafiadores devido à dificuldade de reconstruir o vermelhão.

Poucos estudos definem critérios objetivos para determinar quais pacientes necessitam de tratamento precoce, seja clínico (como propranolol), seja cirúrgico8,9. Goldenberg et al.10, em 2016, propuseram um algoritmo para tratamento cirúrgico de hemangiomas infantis cervicofaciais, baseando-se principalmente no grau de acometimento tecidual.

Em um estudo de Yanes et al.7, 32% dos pacientes não tratados com lesões localizadas e 92% dos pacientes com lesões segmentares não tratadas tiveram desfecho estético pobre. O tamanho médio dos hemangiomas com desfecho pobre foi de 3.09cm2, contra 0,72cm2 para aqueles com desfecho bom. Hemangiomas localizados do lábio superior tiveram desfechos piores do que os do lábio inferior, e aqueles que cruzavam o vermelhão tiveram pior desfecho. Aqueles hemangiomas com envolvimento de mucosa, sem envolvimento cutâneo, tiveram melhor resultado. No geral, no grupo de pacientes que haviam sido tratados, houve 18% de desfechos pobres contra 42% no grupo de pacientes não tratados.

A enorme maioria é esporádico, apesar de algumas raras famílias com alterações cromossômicas que possuem maior incidência de HI11.

Hemangiomas acometendo o vermelhão possuem maior risco de deformidade e desfecho pobre em hemangiomas não tratados. O vermelhão é um marco anatômico importante porque assegura o formato e aparência normais do lábio superior e inferior, sendo um tecido único, com consistência esponjosa e coloração avermelhada devido aos capilares subjacentes.

Estudos recentes demonstram que intervenção precoce provavelmente melhore os desfechos, independentemente do tipo de intervenção (propranolol, corticoides, cirurgia).

O atual tratamento padrão-ouro é considerado o uso de betabloqueador (propranolol)12,13, porém, mais recentemente, alguns autores têm apoiado o tratamento cirúrgico precoce, entre 2-3 anos, ou até antes dos 2 anos14,15.

Uma das maiores séries de hemangioma labial, com 214 pacientes submetidos a tratamento cirúrgico precoce, deixou algumas colocações gerais: a) hemangiomas que sofreram involução deixam sequelas cosméticas significativas; b) não há aumento significativo de risco de sangramento, pois são tumores sólidos, bem circunscritos dos tecidos adjacentes; c) é possível realizar uma ressecção mais ampla de hemangiomas labiais (até 1/3 do lábio superior, e não ¼ como é o ensinamento comum para lesões do lábio superior); d) arco de Cupido pode ser ressecado, mantendo bom resultado estético, desde que a simetria seja mantida; e) terapia com laser pode causar branqueamento, ulceração e cicatrizes no vermelhão; f) envolvimento da transição vermelhão-pele determina a abordagem de ressecção (os autores sugerem sempre ressecção de espessura total do lábio para evitar acavalamento das camadas mais profundas).

Em outro estudo, 82% dos pacientes cujos hemangiomas foram observados até involução (parcial ou total) necessitaram de apoio de fonoaudiologia para correção da fala16, enquanto que esse problema não existe em pacientes operados na fase proliferativa.

A técnica de ressecção preferida pela maioria dos autores nos estudos mais recentes é a ressecção transversa do vermelhão, com mínima cicatriz cutânea, as incisões mucosas fecham com praticamente nenhuma cicatriz visível, e o contorno labial se mantém. É importante atentar para a preservação do músculo orbicular oris para manutenção da função, mas, de maneira geral, a cirurgia é relativamente simples, com pouca morbidade e bons resultados estéticos e em termos de desenvolvimento psicossocial.

A autoimagem da criança se forma ao redor dos 18 meses - quando ela começa a perceber a presença de um ''morango'' em sua face - até aproximadamente os 36 meses, em que a criança começa a ver que tem algo de diferente em relação às demais crianças. Assim, faz sentido que se institua tratamento de maneira precoce, no máximo até os 3 anos, para reduzir estigma pessoal e social (analogamente ao que se prega para correção de orelhas de abano, em torno de 5-6 anos) 17,18.

Início de tratamento precoce, seja cirúrgico, seja medicamentoso, pode evitar tanto estigmas e sintomas psiquiátricos como também deformidades funcionais, como no paciente relatado.


CONCLUSÃO

HI é uma condição comum da infância e, em sua maioria, benigno. Pacientes com deformidades, ou sem evidência de regressão significativa da lesão, porém, devem ser tratados, seja cirurgicamente, seja com betabloqueador. O tratamento associado de betabloqueador e cirurgia com ressecção intraoral demonstrou ser efetivo até um ano após a ressecção tumoral, com melhora estética importante e consequências positivas no desenvolvimento psicossocial.


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