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35ª Jornada Sul Brasileira de Cirurgia Plástica - Year2019 - Volume34 - (Suppl.1)

http://www.dx.doi.org/10.5935/2177-1235.2019RBCP0047

ABSTRACT

Introduction: Reconstruction of the tongue remains a challenging task for the plastic surgeon. In an attempt to obtain the best post-glossectomy functional reconstruction, we used the free functional gracilis muscle flap in patients undergoing surgical treatment of oral cavity cancer. Objective: Demonstrate the experience in tongue reconstruction with free functional flap of the gracilis muscle.
Method: In the period from 2009 to 2018, six patients underwent tongue reconstruction with free functional gracilis muscle flap. Patients were evaluated in the postoperative period for speech and swallowing capacity and the follow-up ranged from 4 months to 108 months.
Results: All six patients are successful in transferring the gracilis muscle flap to the defect and were able to swallow and speak without clinical or radiological signs of bronchoaspiration.
Conclusions: Reconstruction of the tongue after glossectomy with free and functional flap of the gracilis muscle is a safe option, with good long-term results and low morbidity for the donor area.

Keywords: Tongue; Glossectomy; Microsurgery; Head and neck neoplasms

RESUMO

Introdução: A reconstrução da língua permanece uma tarefa desafiadora para o cirurgião plástico. Na tentativa de obter a melhor reconstrução funcional pós-glossectomia, utilizamos o retalho inervado do músculo grácil em pacientes submetidos a tratamento de neoplasia de cavidade oral. Objetivo: Demonstrar a experiência na reconstrução de língua com retalho livre e funcional do músculo grácil.

Método: No período de 2009 a 2018, seis pacientes foram submetidos a reconstrução com retalho do músculo grácil. Eles foram avaliados no pós-operatório quanto à capacidade de fala e deglutição e o acompanhamento variou de 4 meses a 108 meses.

Resultados: Todos os pacientes tiverem sucesso na transferência do retalho do músculo grácil para o defeito e foram capazes de deglutir e falar sem sinais clínicos ou radiológicos de broncoaspiração.

Conclusão: A reconstrução da língua pós-glossectomia com retalho livre e funcional do músculo grácil é uma opção segura, com bons resultados em longo prazo e baixa morbidade.

Palavras-chave: Língua; Glossectomia; Microcirurgia; Neoplasias de cabeça e pescoço


INTRODUÇÃO

A reconstrução da língua pós-glossectomia total ou parcial permanece uma tarefa desafiadora para o cirurgião plástico. A língua é uma estrutura complexa essencial para deglutição, fala e proteção da via aérea. Suas funções são frutos do esforço coordenado da musculatura intrínseca, extrínseca e inervação motora e sensitiva que proporcionam mobilidade, sensação e gosto.

Retalhos musculares têm sido utilizados para reconstrução da língua; no entanto, sem a inervação adequada, ocorre atrofia das fibras musculares e consequentemente redução significativa do volume do retalho, prejudicando o contato entre a neolíngua e o palato, que é essencial para uma boa deglutição e proteção das vias aéreas. Assim sendo, a reconstrução da língua necessita de muito mais que simplesmente adicionar volume na cavidade oral. Para que o processo de deglutição seja adequado, é necessário que haja um processo ativo de elevação do osso hioide por meio da contração da musculatura local.

Na tentativa de obter a melhor reconstrução funcional pós-glossectomia, utilizamos o retalho inervado do músculo grácil em seis pacientes submetidos a tratamento cirúrgico de neoplasia de cavidade oral. O retalho do músculo grácil é um retalho seguro, com pedículo confiável, baixa morbidade e cicatriz escondida na região da coxa interna. O retalho muscular é inervado para preservar a massa muscular, de modo que a contração voluntária eleve a nova língua, mantendo a fala inteligível enquanto protege a via aérea (contato palatoglosso).

OBJETIVO

Demonstrar a experiência de um centro terciário de tratamento de câncer na reconstrução de língua com retalho livre e funcional do músculo grácil.

MÉTODO

No período de 2009 a 2018, seis pacientes foram submetidos a reconstrução de língua com retalho livre e inervado do músculo grácil (Figura 1). A idade dos pacientes variou de 15 a 77 anos. Todos os pacientes foram submetidos a glossectomia por carcinoma espinocelular de cavidade oral. Cinco pacientes foram submetidos a glossectomia parcial e somente um paciente a glossectomia total (Figura 2). Dois pacientes tiveram um segmento de mandíbula ressecado junto do tumor primário e foram submetidos a reconstrução com retalho fibular livre, sendo que um deles necessitou de um terceiro retalho para cobertura cutânea do pescoço (Figuras 3 a 5). Os pacientes foram avaliados no pós-operatório quanto à capacidade de fala e deglutição e o acompanhamento variou de 4 meses a 108 meses (Tabela 1).

Figura 1 - Retalho miocutâneo grácil dissecado. No detalhe, o pedículo do retalho.
Figura 2 - Defeito de língua parcial.
Figura 3 - Pelveglossomandibulectomia – peça cirúrgica.
Figura 4 - Pelveglossomandibulectomia – defeito.
Figura 5 - Reconstrução funcional com retalho osteosseptocutâneo fibular associado a retalho muscular do grácil.

Tabela 1 - Dados epidemiológicos, tipo de tumor, vasos receptores, nervos receptores, tipo de defeito e retalho selecionado.
Paciente Idade Sexo Data Patologia Vaso receptor Nervo receptor Glossectomia Retalhos
W.A.S. 15a M 28/01/09 Anemia de Fanconi + CEC borda lateral da língua esquerda Vasos faciais direitos Nervo Hipoglosso direito Parcial Grácil
T.S.F. 59a M 07/03/16 CEC língua Artéria facial esquerda + veia jugular esquerda + enxerto de veia cefálica Nervo Hipoglosso esquerda Parcial Grácil
O.P. 57a M 08/08/16 CEC assoalho de boca Vasos tireoidianos superiores direitos Nervo Hipoglosso  direito Parcial Grácil + fíbula + peitoral
D.A. 77 F 11/12/17 CEC de língua Vasos faciais esquerdos Nervo Hipoglosso esquerdo Parcial Grácil
B.H.V. 34a M 30/06/18 CEC de língua Vasos faciais direitos Nervo Hipoglosso  direito Total Grácil
R.S.C. 51 M 11/07/18 CEC assoalho de boca Vasos faciais esquerdos Nervo Hipoglosso direito Parcial Grácil + fíbula
Tabela 1 - Dados epidemiológicos, tipo de tumor, vasos receptores, nervos receptores, tipo de defeito e retalho selecionado.

RESULTADOS

Todos os seis pacientes tiverem sucesso na transferência do retalho do músculo grácil para o defeito (Figuras 6 a 8). Nenhum paciente apresentou trombose dos vasos anastomosados ou sofrimento do retalho. Dois pacientes apresentaram sinais flogísticos na ferida operatória, sendo manejados com antibioticoterapia com resolução do quadro. Todos os pacientes foram capazes de deglutir e falar no pós-operatorio sem sinais clínicos ou radiológicos de broncoaspiração.

Figura 6 - Pós-operatório de 3 anos
Figura 7 - Pós-operatório de 2 anos
Figura 8 - Pós-operatório de 9 anos

Dois dos seis pacientes desenvolveram recidiva do tumor e metástase à distância e morreram em consequência da doença de base.

DISCUSSÃO

A reconstrução de elementos da cavidade oral após câncer de cabeça e pescoço avançou significantemente nas últimas décadas com o uso de retalhos musculocutâneos, fasciocutâneos e técnicas de transferência livre de tecidos. No entanto, refinamento nas técnicas de reconstrução ainda são necessários. A língua é um órgão complexo, com muitas funções, e sua reconstrução somente posicionando tecido no local do defeito é insuficiente. Sultan e Coleman1 descreveram uma série de casos utilizando o retalho do músculo peitoral maior para a reconstrução da língua. Katsantonis2 utilizou retalho miocutâneo neurotizado do músculo peitoral maior, porém sem evidências de reinervação no pós-operatório. Urken e cols3 reconstruíram a língua com retalho do músculo reto abdominal inervado por um segmento motor do nervo intercostal anastomosado ao nervo hipoglosso. Embora essa técnica tenha diminuído a atrofia muscular, nenhuma conclusão sobre a contração da neolíngua foi obtida. Outras opções descritas na literatura são: o uso do retalho do músculo grande dorsal, tensor da fáscia lata e anterolateral da coxa inervado para reconstrução pós-glossectomia. No entanto, em nenhum caso o estudo eletromiografico foi realizado4-6.

O retalho do músculo grácil tem se tornado a opção de escolha para reconstruções funcionais com tecidos livres. Ele é usado amplamente para reanimação da face nos casos de paralisia facial, no membro superior para tratamento de isquemia de Volkman e também em casos de reconstrução pós-trauma. Seu nervo motor, ramo anterior do nervo obturatório, é confiável e tem demonstrado excelente recuperação funcional após a transferência.

Na série descrita utilizamos o retalho funcional livre do músculo grácil em seis pacientes com bons resultados quanto a deglutição e fala. Quando comparados com a literatura, a maneira com que posicionamos o retalho no defeito difere de alguns autores7,8. Posicionamos o retalho longitudinalmente no defeito, entre a região anterior da mandíbula e o osso hioide, formando uma alça, e a porção distal do músculo grácil é dobrada para recriar a ponta da língua e o assoalho da boca. A sutura do retalho ao osso hioide garante a elevação da laringe durante o processo de deglutição. O uso de toda a extensão do músculo grácil proporcionou volume suficiente para a neolíngua tanto nos casos de reconstrução parcial quanto no caso de reconstrução total da língua.

Em dois casos utilizamos mais um retalho para reconstruir o defeito devido a ressecção de segmento anterior da mandíbula e pele externa junto da língua e do assoalho da boca. Nesses casos o retalho do músculo grácil foi fixado no corpo da mandíbula remanescente bilateralmente, bem como no osso hioide inferiormente. O segmento de mandíbula ressecado foi reconstruído com retalho osteosseptocutâneo da fíbula com bom resultado estético e funcional no pós-operatório.

CONCLUSÃO

A reconstrução da língua pós-glossectomia parcial ou total com retalho livre e funcional do músculo grácil é uma opção segura, com bons resultados em longo prazo e baixa morbidade para área doadora.

REFERÊNCIAS

1. Sultan MR, Coleman JJ. Oncologic and functional considerations of total glossectomy. Am J Surg. 1989; 158:297. DOI: https://doi.org/10.1016/0002-9610(89)90119-0

2. Katsantonis GP. Neurotization of pectoralis major myocutaneous flap by the hypoglossal nerve in the tongue reconstruction: Clinical and experimental observations. Laryngoscope. 1988; 98:1313. PMID: 2974113

3. Urken ML, Turk JB, Weinberg H, Vickery C, Biller HF. The rectus abdominis free flap in head and neck reconstruction. Arch Otolaryngol Head Neck Surg. 1991; 117:857. DOI: https://doi.org/10.1001/archotol.1991.01870200051007

4. Haughey BH. Tongue reconstruction: concepts and practice. Laryngoscope. 1993; 103:1132. PMID: 8412450 DOI: https://doi.org/10.1288/00005537-199310000-00010

5. Cheng N, Shou B, Zheng M, Huang A. Microvascular transfer of the tensor fasciae latae musculocutaneous flap for reconstruction of the tongue. Ann Plast Surg. 1994; 33:136. DOI: https://doi.org/10.1097/00000637-199408000-00003

6. Yu P. Reinnervated anterolateral thigh flap for tongue reconstruction. Head Neck. 2004; 26:1038-44. DOI: https://doi.org/10.1002/hed.20106

7. Yousif NJ, Matloub HS, Kolachalam R, Grunert BK, Sanger JR. The transverse gracilis musculocutaneous flap. Ann Plast Surg. 1992; 29:482. DOI: https://doi.org/10.1097/00000637-199212000-00002

8. Yoleri L, Mavioglu H. Total tongue reconstruction with the free functional gracilis muscle transplantation: a technical note and review of the literature. Ann Plast Surg. 2000; 45:181-6. DOI: https://doi.org/10.1097/00000637-200045020-00016











1. Hospital Erasto Gaertner, Curitiba, PR, Brasil.
2. Universidade Positivo, Curitiba, PR, Brasil.
3. Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR, Brasil.
4. Faculdade Evangélica do Paraná, Curitiba, PR, Brasil.

Endereço Autor: André Luiz Bilieri Pazio Rua Moyses Marcondes, nº 213 -  Juveve, Curitiba, PR, Brasil CEP 80030-410 E-mail: drandrepazio@gmail.com

 

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