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35ª Jornada Sul Brasileira de Cirurgia Plástica - Year2019 - Volume34 - (Suppl.1)

http://www.dx.doi.org/10.5935/2177-1235.2019RBCP0054

ABSTRACT

Mayer-Rokitansky-Kuster-Hauser syndrome is characterized by congenital aplasia of the vagina with possible absence of uterus and/or fallopian tubes and normal development of secondary sexual characteristics. One of the objectives of medical and surgical management is the construction of a neovagina that is functional for sexual relations. Non-surgical treatment with progressive perineal dilation is considered first-line therapy. Nonetheless, for patients for whom the non-surgical approach is not successful, surgery could be considered. In this case study we demonstrate the effectiveness of the McIndoe technique in the reconstruction of the vaginal canal through a skin graft of total thickness obtained from the inferior abdominal region, and graft fixation with a polyurethane foam mold. The confirmation of the provided extension of the vaginal canal, 8 cm long, was made with a MRI, and oversights with colposcopy were performed every 30 days for a year without any findings of stenosis.

Keywords: Congenital abnormalities; Skin transplantation; Vagina; Plastic surgery; Coitus

RESUMO

A síndrome de Mayer-Rokitansky - Kuster-Hauser (MRKH) é caracterizada por aplasia congênita da vagina com possível ausência simultânea de útero e/ou trompas de falópio com normal desenvolvimento de características sexuais secundárias. Um dos objetivos do manejo médico e cirúrgico é construir uma neovagina funcional para a relação sexual. O tratamento não cirúrgico com dilatação progressiva é considerado terapia de primeira linha. No entanto, para pacientes com tratamento não cirúrgico mal sucedido, a cirurgia pode ser considerada. Neste relato de caso demonstramos a efetividade da técnica de McIndoe na reconstrução do canal vaginal por meio da enxertia de pele de espessura total, obtida da região abdominal inferior e fixação do enxerto com molde de espuma de poliuretano. Confirmação da extensão prevista do canal vaginal, de 8 cm, foi realizada com ressonância magnética, e acompanhamentos com colposcopia foram realizados a cada 30 dias, durante um ano sem achados de estenose.

Palavras-chave: Anormalidades congênitas; Transplante de pele; Vagina; Cirurgia plástica; Coito


INTRODUÇÃO

A síndrome de Mayer-Rokitansky-Kuster-Hauser (MRKH) é caracterizada por aplasia congênita da vagina com possível ausência simultânea de útero e/ou trompas de falópio e normal desenvolvimento de características sexuais secundárias. A prevalência da síndrome de MRKH é de 1 em 5.000 nascimentos vivos do sexo feminino. O diagnóstico é tipicamente estabelecido durante a adolescência quando as pacientes apresentam amenorreia primária. A etiologia da síndrome de MRKH permanece desconhecida1,2. Um dos objetivos do manejo médico e cirúrgico é construir uma neovagina funcional para a relação sexual. Atualmente, não há consenso sobre a melhor técnica para atingir esse objetivo3, porém o Comitê Americano de Obstetras e Ginecologistas recomenda o tratamento não cirúrgico da autodilatação com dilatação perineal progressiva como terapia de primeira linha, já que é minimamente invasivo4, e pode ser eficaz para muitos pacientes. No entanto, para pacientes nos quais o tratamento não cirúrgico é malsucedido, a cirurgia para criar uma neovagina pode ser considerada. Várias técnicas cirúrgicas para a agenesia vaginal incluem a técnica de vaginoplastia McIndoe usando um aloenxerto splitskin5,6, vaginoplastia intestinal de Baldwin, vaginoplastia peritoneal de Davydov, e vulvavaginoplastia de Williams7 ou aloenxerto com tração de Vecchietti8.

OBJETIVO

Demonstrar a técnica de reconstrução da vagina no adulto por meio do uso do autoenxerto e comparar com outras técnicas existentes.

MÉTODO

Relato de caso sobre agenesia vaginal por síndrome de Mayer-Rokitansky-Kuster-Hauser e reconstrução vaginal secundária com a técnica de McIndoe e revisão de outras técnicas para comparação.

RESULTADOS

Relato de caso

Paciente de 29 anos, com ansiedade, púrpura trombocitopênica idiopática e situs inversus totalis, foi também diagnosticada com agenesia mulleriana (útero, tubas uterinas e vagina). A paciente apresentava características secundárias femininas, cariótipo 44 + XX, ovários tópicos e perfil hormonal dentro do esperado para a idade. Aos 19 anos, foi submetida a uma neovaginoplastia, utilizando retalhos locais da região da vulva, sem sucesso. Demonstrou vontade de realizar novo procedimento 10 anos depois e, com o exame de ressonância magnética (RM) (Figura 1), foi confirmada a ausência de canal vaginal a partir da região do introito vaginal. A cirurgia consistiu na reconstrução do canal vaginal por meio da enxertia de pele de espessura total, obtida da região abdominal inferior (Figura 2), o que permitiu o fechamento por primeira intenção da região doadora. Após a colocação do cateter de Foley e o exame cuidadoso do períneo (Figura 3) e do reto, foi feita uma incisão transversal de 3 cm com um bisturi entre o reto e a vagina. Usando com cuidado dissecção romba progressiva e meticulosa e exames retais intermitentes para identificar a localização e evitar lesões do tecido retal, foi criado um lúmen neovaginal sem lesão do reto ou da bexiga (Figura 4). A hemostasia foi mantida durante a dissecção por cautério e suturas. Na área receptora, o enxerto de pele foi fixado por meio de molde de espuma de poliuretano embebido em solução iodada (Figura 5), que permaneceu no local por sete dias. Antes da retirada do molde foi realizada RM, que confirmou a extensão prevista do canal vaginal, de 8 cm. Após 15 dias, foi realizada colposcopia para acompanhamento do enxerto, que mostrava completa integração à região. O enxerto ainda foi acompanhado por meio de colposcopias a cada 30 dias, durante um ano. Apesar de previstas durante a avaliação pré-operatória, não houve necessidade de nenhuma sessão de dilatação.

Figura 1 - RM prévia ao procedimento.
Figura 2 - Área doadora do enxerto.
Figura 3 - Criação de lúmen neovaginal.
Figura 4 - Enxerto de pele fixado em espuma de poliuretano e fixação na área doadora.
Figura 5 - RM após o procedimento.

DISCUSSÃO

A agenesia vaginal na síndrome de Mayer-Rokitansky-Kuster-Hauser pode ser tratada por várias cirurgias ou dilatação. A escolha ainda depende das preferências do cirurgião, e não de estudos comparativos de qualidade e protocolos validados9. Dentro das possíveis técnicas encontra-se o procedimento de Vecchietti, ou vaginoplastia de tração, que não requer enxerto de tecido externo e pode ser realizado por laparoscopia; no entanto, o procedimento traz complicações potenciais relacionadas aos fios de tração colocados no espaço vesicorretal e possível prolapso vaginal posterior5,8. A técnica de Davydov em três estágios envolve mobilização abdominal de peritônio, fixação do peritônio ao introito vaginal e fechamento que sutura o topo da nova vagina10. Enquanto o procedimento de Davydov é vantajoso em relação à granulação e cicatrização na neovagina, o tecido neovaginal não tem lubrificação e o procedimento acarreta o risco de lesão intestinal e da bexiga5. A vaginoplastia intestinal normalmente usa cólon sigmoide e fornece tecido lubrificado com excelente suprimento sanguíneo; entretanto, o procedimento requer anastomose intestinal e tem morbidade associada, incluindo corrimento vaginal significativo, íleo pós-operatório, obstrução intestinal, ulceração intestinal, risco de malignidade e colite5,11,12. O procedimento de McIndoe permite uma abordagem vaginal para criar a neovagina. Vários tipos de material de enxerto têm sido utilizados para a técnica de McIndoe, incluindo enxertos autólogos de pele, tipicamente das nádegas ou da coxa, âmnio, Interceed (Ethicon Inc. Somerville, NJ), peritônio (procedimento de Davydov) tecido vaginal autólogo in vitro e retalhos miocutâneos labiais ou grácil13-15. Nesse caso, modificamos a área doadora, sendo o abdome, permitindo fechamento primário e cicatriz discreta. Com o objetivo de evitar a estenose e conseguir uma fixação adequada do enxerto na área receptora e evitar o cisalhamento, utilizamos uma espuma de poliuretano. Vários materiais têm sido usados nas últimas décadas para fazer esses moldes vaginais: um molde de preservativo cheio de algodão, um saco de polietileno preenchido com lã de vidro, um stent vaginal inflável, um molde de preservativo expansível a vácuo, Surgi-Stuf, material ORFIT “S”, um molde de poliestireno16. Com essa técnica cirúrgica conseguimos uma neovagina anatômica e funcionalmente adequada. Um estudo recente de coorte histórico que investigou uma coorte nacional de pacientes diagnosticados com síndrome MRKH na Dinamarca não demonstrou diferença significativa no resultado anatômico entre o tratamento com dilatação e a técnica de McIndoe, confirmando a importância desse procedimento como tratamento da agenesia vaginal1.

CONCLUSÃO

Devido às típicas alterações anatômicas e à impossibilidade de gestar, a síndrome de Rokitansky gera nas pacientes ansiedade e sofrimento psicológico que impactam na qualidade de vida. O tratamento cirúrgico tem como objetivos estabelecer a anatomia normal e proporcionar funcionalidade à região vaginal. Os resultados do tratamento, porém, vão muito além disso, pois devolvem às pacientes seu senso de feminilidade e autoconfiança.

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9. Cheikhelard Alaa Cheikhelard, MD;, Bidet Maud Bidet, MD;, Baptiste AmandineA Baptiste, MSc; Viaud Magali Viaud, MSc;, Fagot Christine Fagot, MD; Khen-Dunlop Naziha Khen-Dunlop, MD, et al; PhD; Christine Louis-Sylvestre, MD; Sabine Sarnacki, MD, PhD; Philippe Touraine, MD, PhD; Caroline Elie, MD; Yves Aigrain, MD, PhD; Michel Polak, MD, PhD; for the French MRKH Study Group. Surgery is not superior to dilation for the management of vaginal agenesis in Mayer-Rokitansky-Kuster-Hauser syndrome: a multicenter comparative observational study in 131 patients. Am J Obstet Gynecol. 2018 Sepset; 219(3):281.e1-281.e9. doi: 10.1016/j.ajog.2018.07.015. Epub 2018 Jjul 21. DOI: https://doi.org/10.1016/j.ajog.2018.07.015

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1. Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil.
2. Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, Rio Grande do Sul, RS, Brasil.
3. Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre, Porto Alegre, RS, Brasil.

Endereço Autor: Miguel Enrique Rivera Gomez Av Ipiranga, nº 3377 apto 708 - Bairro, Porto Alegre, RS, Brasil CEP 90610-001 E-mail: miguelrivera_16@hotmail.com

 

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