

Special Article - Year 2025 - Volume 40Issue 1
Reconstrução do canto medial da pálpebra com um retalho paramediano frontal: Relato de caso
Reconstruction of theMedial Canthus of the Eyelid with a Paramedian Forehead Flap: Case Report
RESUMO
A reconstrução do cantomedial da pálpebra é considerada um procedimento cirúrgico de alta complexidade, e existem diferentes técnicas descritas que são utilizadas a depender do tipo de lesão, da localização, da profundidade e da extensão do defeito resultante. Uma opção reconstrutiva de grande valia para defeitos do canto medial da pálpebra é o retalho paramediano frontal, devido à proximidade da fronte coma órbita e à segurança de seu pedículo vascular supratroclear. O objetivo deste relato de caso é compartilhar o resultado satisfatório obtido na reconstrução de um defeito do canto medial da pálpebra após exérese de lesão tumoral recidivada, pormeio da utilização de retalho paramediano frontal associado a cantopexia e cantoplastia em diferentes tempos cirúrgicos.
Palavras-chave: carcinoma basocelular; cartilagem da orelha; ectrópio; neoplasias orbitárias; órbita; retalho perfurante
ABSTRACT
Reconstruction of the medial corner of the eyelid is considered a highly complex surgical procedure, and there are different techniques described that are used depending on the type of injury, location, depth and extension of the resulting defect. A valuable reconstructive option for defects in the medial corner of the eyelid is the frontal paramedian flap, due to the proximity of the forehead to the orbit and the security of its supratrochlear vascular pedicle. The objective of the present case report is to share the satisfactory result obtained in the reconstruction of a defect in the medial corner of the eyelid after the excision of a recurrent tumor lesion, through the use of a frontal paramedian flap associated with canthopexy and canthoplasty at different surgical times.
Keywords: carcinoma, basal cell; ear cartilage; ectropion; orbit; orbital neoplasms; perforator flap
Introdução
A reconstrução do canto medial da pálpebra é considerada um procedimento cirúrgico de alta complexidade, devido à presença de estruturas anatômicas frágeis e de grande importância na funcionalidade orbital, o que acaba por exigir habilidades técnicas, conhecimento anatômico detalhado e grande experiência por parte do cirurgião plástico. As opções para reconstrução variam de acordo com alguns aspectos, entre eles: tipo de lesão, localização, profundidade e tamanho, assim como a extensão do defeito resultante e fatores associados.1 O resultado da reconstrução visa principalmente a preservar ou a restabelecer o funcionamento adequado dessa nobre região, sem perder a estética, dada sua importância na harmonia facial.
Os métodos cirúrgicos tradicionais de reconstrução incluem síntese primária, retalhos locai e à distância, retalhos livres e enxertos de pele, sendo que cada opção tem suas vantagens e desvantagens, a depender da gravidade da lesão.2 Uma das técnicas mais utilizadas em defeitos extensos é o retalho paramediano frontal, que além de ser útil na reconstrução nasal, é também uma ótima alternativa nas alterações perioculares, principalmente devido à proximidade da fronte com a órbita, ao fato de ser um retalho de interpolação com fácil movimento giratório de seu pedículo e ao suficiente suprimento sanguíneo mediado pela artéria supratroclear. Além de sua segurança, outra vantagem é a pequena morbidade na área doadora, que pode inclusive cicatrizar por segunda intenção. Como desvantagens, citamse a necessidade de um novo ato cirúrgico para autonomização e o excesso de volume de tecido adiposo do retalho.1,3,4
Neste artigo, descrevemos um caso clínico complexo, no qual realizamos a exérese de uma neoplasia no canto medial da pálpebra e reconstrução com retalho paramediano frontal. Foram necessários refinamentos técnicos posteriormente para melhora de ectrópio, incluindo cantopexia lateral e cantoplastia medial com enxerto condro-pericondral de escafa.
Objetivo
O objetivo do presente trabalho é relatar um caso clínico em que foi utilizado o retalho paramediano frontal para cobertura de defeito do canto medial da pálpebra após exérese de neoplasia local recidivada.
Materiais e Métodos
O presente estudo é um relato de caso com devida autorização do Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Mater Dei via Plataforma Brasil (CAAE: 78263424.3.0000.5128). As informações foram obtidas por meio de acesso ao prontuário do paciente, entrevista médica com o mesmo, acompanhamento ao longo do tratamento e revisão da literatura nas bases de dados PubMed, SciELO e Cochrane, pesquisando pelas palavras chaves: pálpebra, reconstrução, tumor, retalho paramediano frontal, cantopexia, cantoplastia, diagnóstico, tratamento e complicações, e cateterização de vias lacrimais.
Relato de Caso
Relatamos aqui o caso de um paciente de 56 anos de idade, do sexo masculino, branco, referenciado para a equipe de cirurgia craniomaxilofacial do Hospital Mater Dei, em Belo Horizonte, em função de tumor recidivado no canto medial da pálpebra direita (►Fig. 1). Anatomopatológicos prévios da lesão evidenciaram carcinoma basocelular (CBC) subtipo superficial e multicêntrico inicialmente e nodular e infiltrativo em uma segunda biópsia, tendo sido procedida reconstrução com retalho de Mustardé há cinco anos.
O paciente negava comorbidades e possuía história de múltiplas ressecções de neoplasias cutâneas.
Após os exames de risco cirúrgico, o paciente foi submetido à exérese do tumor no canto medial da pálpebra direita sob anestesia geral. Foram aplicadas margens de segurança periféricas de 6 mm e houve a necessidade de ressecção das lamelas anterior e posterior do segmento acometido das pálpebras superior e inferior (►Fig. 2). O defeito foi reconstruído no mesmo ato operatório por meio de um retalho paramediano frontal ipsilateral, sem necessidade de enxerto do seu pedículo. A área doadora do retalho foi fechada primariamente (►Fig. 3).
Não houve intercorrências no peri ou pós-operatório e os pontos foram retirados de maneira habitual, em uma semana. O resultado do anatomopatológico foi CBC esclerodermiforme com acometimento de margem caudal.
Após um mês, o paciente (►Fig. 4) foi novamente conduzido ao bloco cirúrgico para ampliação de margens (que também foram de 6 mm) e autonomização do pedículo do retalho paramediano frontal (►Fig. 5). O novo anatomopatológico apresentou margens livres de doença neoplásica.
Houve evolução para perda de sustentação palpebral inferior e lacrimejamento contínuo (►Fig. 6), sendo proposto um terceiro tempo cirúrgico após cinco meses da última abordagem. Foi realizado o afinamento do retalho paramediano frontal autonomizado, cuja dissecção ressaltou a perviedade da via lacrimal superior (►Fig. 7). Foram associadas cantopexia lateral e cantoplastia medial com utilização de enxerto condro-pericondral de escafa, que foi fixado ao tarso remanescente da pálpebra inferior e ao ligamento cantal medial (►Fig. 8).
O paciente apresentou melhora sintomática e no momento apresenta-se com uma reconstrução esteticamente favorável (►Fig. 9), que permite uma boa adaptação ao convívio social. Seguirá em acompanhamento contínuo para detecção precoce de eventuais novas lesões de pele.
Discussão
Aproximadamente 5 a 10% de todos os casos de câncer de pele ocorrem na área periorbital.5 O CBC, que é o tipo mais comum de neoplasia cutânea, é responsável por cerca de 90% dos tumores malignos das pálpebras. O carcinoma de células escamosas é o segundo tipo mais comum de câncer de pele, compreendendo 5 a 10% dos tumores periorbitais, seguido pelo carcinoma sebáceo e pelo melanoma, ambos relativamente incomuns.6
A exérese de tumor cutâneo maligno na área periorbital pode se tornar um procedimento de reconstrução facial mais exigente, uma vez que a ressecção do tumor pode resultar em defeitos combinados do canto medial e das pálpebras, acometimento dos ductos lacrimais e até mesmo defeitos profundos com enucleação. Entre as alterações secundárias da reconstrução facial e periorbital, a retração palpebral é uma complicação bastante comum. As etiologias da retração palpebral incluem encurtamento lamelar anterior, tensão vertical de um retalho e ectrópio medial. Erros comuns que levam a esses resultados incluem má fixação do ligamento cantal lateral ao tubérculo de Whitnall, fixação inadequada ou falta de fixação da porção posterior do ligamento cantal medial, sub-dimensionamento de um enxerto ou retalho de pele e/ou ancoragem profunda inadequada.
O retalho paramediano frontal é uma opção reconstrutiva para os defeitos do canto medial da pálpebra, sobretudo nos casos em que a lesão acomete suas extremidades internas. A programação cirúrgica é de no mínimo 2 tempos, sendo o 1o para transposição do retalho e o 2o, após3 ou 4 semanas, para sua autonomização. Refinamentos sequenciais podem ser necessários para a melhora funcional e/ou cosmética.4
No caso descrito, optamos por não realizar nenhum procedimento de cantopexia ou cantoplastia no primeiro e no segundo tempos cirúrgicos em função do caráter oncológico, uma vez que houve comprometimento da margem caudal em nossa primeira abordagem. Ressaltamos que apesar do retalho paramediano frontal já ter sido transposto, foi possível fazer a ampliação das margens cirúrgicas de maneira eficaz. Somente após a definição de ausência de neoplasia que nos concentramos nos procedimentos para melhora de esclera aparente e de ectrópio, justificáveis pela ressecção extensa de todas as lamelas da pálpebra inferior.
O procedimento adotado de cantopexia associada à cantoplastia medial com enxerto condro-pericondral de escafa melhorou satisfatoriamente a sustentação palpebral. Por conseguinte, o afinamento do volume do retalho paramediano também foi fundamental para a aparência mais natural da região periorbital de nosso paciente.
Quanto às vias lacrimais, sua cateterização é comumente empregada para se evitar epífora nas reconstruções do canto medial da pálpebra. Porém, este procedimento não é isento de riscos, havendo possibilidade de formação de falsa via, de granuloma piogênico, inflamação e infecção do canalículo, migração interna ou externa do tubo, irritação nasal crônica, abrasão corneana e extrusão de silicone.7 Preferimos não cateterizar a via lacrimal inferior no caso descrito por termos mantido a perviedade da via lacrimal superior e tendo em mente as possíveis complicações da manipulação cirúrgica dos ductos lacrimais. Esta conduta não resultou em prejuízo funcional para o paciente, cujo lacrimejamento excessivo inicial apresentou evolução favorável com o tratamento cirúrgico de ectrópio.
Ressalta-se ainda que cirurgia micrográfica de Mohs e corte e congelação poderiam ter sido utilizados nas duas primeiras oportunidades em que conduzimos o paciente ao bloco cirúrgico, de modo a evitar comprometimento de margens. Todavia o paciente não possuía recursos financeiros para a complementação particular necessária para a execução de Mohs, e corte e congelação não são habituais no tratamento de neoplasias cutâneas em nosso serviço.
Por fim, as grandes lições do caso são: 1) carcinomas basocelulares de subtipos agressivos localizados no canto medial da pálpebra têm alto potencial de acometimento de estruturas nobres pelo crescimento tumoral ou pela ressecção com as margens de segurança necessárias, e se beneficiam de reparação de todas as lamelas palpebrais afetadas; 2) o retalho paramediano frontal é uma opção reconstrutiva interessante, sobretudo quando outros retalhos, como o de Esser ou Mustardé, já tiverem sido utilizados.
Conclusão
Em pacientes com defeitos do canto medial da pálpebra, a reconstrução com retalho paramediano frontal é um método seguro e confiável, com resultados satisfatórios dos pontos de vista funcional e estético. O retalho pode ser refinado quantas vezes for necessário, e novos procedimentos reconstrutivos podem ser adotados nas reabordagens.
Referências
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3. Sicilia-Castro D, Gacto-Sanchez P, Gomez-Cia T, Del-Estad-Cabello A, Infante-Cossio P. Forehead flap with contralateral eyelids and canthal transposition in periorbital reconstruction. J Plast Reconstr Aesthet Surg 2016;69(09):1311-1313. Doi: 10.5935/2177-1235.2020RBCP0052
4. Brusati R, Colletti G, Redaelli V. Upper eyelid reconstruction with forehead galeal flap. J Plast Reconstr Aesthet Surg 2009;62(07): 901-905. Doi: 10.1016/j.bjps.2007.11.055
5. Pitanguy I, Ramos AS. The frontal branch of the facial nerve: the importance of its variations in face lifting. Plast Reconstr Surg 1966; 38(04):352-356. Doi: 10.1097/00006534-196610000-00010
6. Cook BE Jr, Bartley GB. Treatment options and future prospects for the management of eyelid malignancies: an evidence-based update. Ophthalmology 2001;108(11):2088-2098, quiz 2099- 2100, 2121. Doi: 10.1016/s0161-6420(01)00796-5
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1. Especialidade de Cirurgia Plástica, Rede Mater Dei de Saúde, Belo Horizonte, MG,
Brasil
Endereço para correspondência Leandro Ricardo de Aquino Santos, , Especialidade de Cirurgia Plástica, Rede Mater Dei de Saúde, Belo Horizonte, MG, Brasil (e-mail: leandroras@yahoo.com.br).
Artigo submetido: 15/03/2024.
Artigo aceito: 24/03/2025.
Conflito de Interesses
Os autores não têm conflito de interesses a declarar.