ISSN Online: 2177-1235 | ISSN Print: 1983-5175

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Original Article - Year2009 - Volume24 - Issue 4

ABSTRACT

Introduction: The use of intestinal loops for treatment of vaginal agenesis remounts to the beginning of XX century; however it has been little popularized. Methods: The authors present seven cases wherein the neocolpoplasty has been realized with the use of excluded sigmoid loop, transposed trough the bottom of Douglas sack by peritoneal incision and accommodated in a dissected tunnel between the rectum and the bladder. The inferior extremity was sutured to the vaginal introit with incision in V, and the superior extremity closed in a blind bottom, or sutured around of the telescoped uterine cervix trough her, when the uterus was present. Results: The evolution is from three to ten years. The technique was executed in three cases with vagina absence associated to the uterus agenesis, one case of adrenogenital syndrome with the vagina atresia associated to an infantile uterus, and three cases of vaginal agenesis with the presence of functional uterus. The uterus was preserved with his lap inside of the neovagina, allowing normal menstruation in two of them. Discussion: Weren't necessary, not even indicated, dilations or use of molds in the postoperative period. The results were good and the index of complications was small. The vaginas allow easy penetration. They are ample, deep and elastic, with lubrication and normal visual aspect. Conclusion: The neocolpoplasty show it to be a viable technique with low complication index, mainly estenoses.

Keywords: Vagina/abnormalities. Vagina/surgery. Colon, sigmoid/transplantation.

RESUMO

Introdução: O emprego de alças intestinais para tratamento de agenesia de vagina remonta ao início do século vinte, porém tem sido pouco popularizado. Método: Os autores apresentam sete casos em que a neocolpoplastia foi realizada com o emprego de alça exclusa de sigmóide, transposta através do fundo de saco de Douglas, por incisão peritoneal, e alojada em um túnel dissecado entre o reto e a bexiga. A extremidade inferior foi suturada ao intróito vaginal com incisão quebrada em V, e a extremidade superior fechada em fundo cego, ou suturada ao redor do colo uterino telescopado através dela, quando o útero estava presente. Resultados: A evolução é de três a dez anos. A técnica foi executada em três casos com ausência de vagina associada à agenesia de útero, um caso de síndrome adrenogenital com atresia de vagina associada a útero infantil, e três casos de agenesia de vagina com presença de útero funcional. O útero foi preservado, com seu colo dentro da neovagina, permitindo menstruações normais em dois deles. Discussão: Não foram necessários, nem indicados, dilatações ou uso de moldes no período pós-operatório. Os resultados foram bons e o índice de complicações pequeno. As vaginas permitem penetração fácil. São amplas, profundas e elásticas, com lubrificação e aspecto visual normais. Conclusão: A neocolplastia mostrou-se uma técnica viável com baixo índice de complicação, principalmente estenoses.

Palavras-chave: Vagina/anormalidades. Vagina/cirurgia. Colo sigmóide/transplante.


INTRODUÇÃO

Descrita desde 1572 (Realdus Columbus), a agenesia de vagina (Figura 1) ocorre com frequência estimada de 1:80.000 mulheres1,2. O vestíbulo e o terço distal da vagina evoluem do seio urogenital. O restante da mesma desenvolve-se a partir dos ductos de Muller. A anomalia é decorrente da falha de união ou desenvolvimento destas estruturas embrionárias2,3 e apresenta-se de maneira parcial ou total (Figura 2).


Figura 1 - Aspecto inicial com ausência de vagina e a uretra cateterizada.


Figura 2 - Vista intra-abdominal, através da incisão suprapúbica. evidenciando ausência do útero.



O diagnóstico geralmente é feito na puberdade, quando amenorréia primária é investigada.

Tentativas de correção cirúrgica aparecem na literatura a partir do século XIX4-7. Enxertos de pele parcial8 e pele total2 são empregados com maior frequência e associados ao uso de moldes ou dilatadores. No início do século XX, descreveu-se pela primeira vez o uso de segmentos vascularizados de intestino delgado (Baldwin, 1904)9 e grosso (Sneguireff, 1904)5.


MÉTODO

Sete pacientes foram operadas no período de abril de 1998 a março de 2005. A idade variou de 14 a 28 anos. Três eram portadoras de ausência de útero e vagina, sendo que em uma delas a ausência da vagina era parcial e estava associada à comunicação retovaginal completa. Uma paciente era portadora de síndrome adrenogenital, com acentuada atresia vaginal e útero infantil. Três apresentavam ausência da vagina, com presença de útero funcional.

Todas pacientes foram hospitalizadas previamente para preparação intestinal, realizada durante cinco dias. No primeiro dia, foi ministrado enteroclisma glicerinado e iniciada dieta pobre em resíduos. A partir do segundo dia, foi associada à dieta a ingestão de 200 ml de solução de Manitol 20% misturado a suco de frutas a cada duas horas, das sete às dezessete horas. Quarenta e oito horas antes da cirurgia, foi prescrito o uso de metronidazol, via oral, na dose de 500 mg, a cada oito horas. A antibioticoprofilaxia com gentamicina 80 mg e metronidazol 500 mg, via endovenosa, a cada oito horas, foi iniciada trinta minutos antes da cirurgia e mantida até quarenta e oito horas após a mesma.

As pacientes foram submetidas à anestesia geral e colocadas em posição ginecológica com campos operatórios formados para o abdome inferior e genitália. O acesso abdominal foi feito através de incisão de Pffanestiel, marcada anteriormente para evitar distorções com a mudança de posição. Um segmento de sigmóide com quinze a dezoito centímetros foi isolado, mantendo-se a irrigação baseada nos vasos sigmoideanos inferiores (Figura 3).


Figura 3 - Alça de sigmóide isolada e seu pedículo nos vasos sigmoideanos inferiores, que será a futura neovagina.



Em quatro casos, o trânsito intestinal foi restabelecido com sutura seromuscular em plano único com fio inabsorvível e, em três, com grampeamento. Uma extremidade da alça exclusa foi fechada com categute cromado 0, antes da transferência, se a paciente não tinha útero. A criação da cavidade vaginal foi feita por via perineal. Uma incisão em V no intróito vaginal permitiu dissecção com formação de um túnel no espaço entre o reto e a bexiga (Figuras 4 e 5), até encontrar e abrir o fundo de saco pélvico, comunicando-se com a cavidade peritoneal (Figura 6). A alça isolada do sigmóide foi transposta através da abertura no fundo de saco e da cavidade vaginal neoformada até a porção distal alcançar o intróito. O sentido da alça dependeu apenas da facilidade na mobilização. Em três pacientes, o sentido foi isoperistáltico e, em quatro, anisoperistáltico. O pedículo vascular ficou voltado para o reto. Foi feita uma incisão no bordo da parte distal da alça para alojar o retalho em V do intróito vaginal, na área contramesentérica, quebrando a linha de sutura circular, evitando-se estenoses tardias (Figura 7). Essa e todas as suturas da alça aos bordos da mucosa do intróito foram realizadas com pontos separados de categute cromado número 0. O espaço deixado no mesentério pela retirada do segmento de alça foi fechado para impedir formação de hérnias internas, finalizando com o fechamento por planos da cavidade abdominal, sem drenagem.


Figura 4 - Esquema do trajeto da dissecção no espaço vesico-retal.


Figura 5 - Espaço vesico-retal dissecado, onde foi introduzido um espéculo vaginal.


Figura 6 - Comunicação entre o fundo de saco de Douglas e o intróito vaginal. Ao fundo os dois dedos do cirurgião.


Figura 7 - Alça de sigmóide transposta e posicionada. As duas pinças inferiores separam a abertura na borda contramesentérica criada para acomodar o retalho em V do intróito vaginal, que está sendo tracionado pela pinça superior.



A paciente portadora da comunicação retovaginal exigiu, além da neocolpoplastia, a reconstrução da região perineal e anorretal no mesmo tempo cirúrgico. Na paciente portadora da síndrome adrenogenital com útero infantil, a cavidade para a neovagina foi dissecada entre a vagina atrésica e o reto. Ela foi aberta em toda a extensão da sua parede posterior. A parede contramesentérica da alça exclusa também foi aberta e suturada borda a borda com as bordas vaginais. Dessa forma, a parede posterior da neovagina passou a ser constituída pela alça exclusa. Quando o útero permaneceu, o colo foi telescopado dentro da extremidade proximal da alça e a mesma foi suturada ao redor dele, através de aberturas no fundo de saco anterior e posterior. Um tampão de gazes foi deixado na neovagina em todos os casos e retirado no terceiro dia de pós-operatório. A alta hospitalar ocorreu, em média, no sétimo dia após a cirurgia.


RESULTADOS

A queixa prévia mais importante das três pacientes com úteros funcionais era dor abdominal intensa e cíclica mês a mês, com duração média de cinco dias. A laparotomia em duas delas evidenciou distensão uterina e secreção sero-sanguinolenta na cavidade, devida à menstruação retrógrada. A histerotomia fúndica permitiu saída de coágulos (Figura 8). Em uma das pacientes, em que ocorreu também ausência do colo uterino, foi praticada histerectomia e a neovagina foi construída como descrito anteriormente. Nas outras duas pacientes, um canal cervical foi confeccionado com dissecção romba com pinça e uma sonda de Foley introduzida através dele até a cavidade uterina, onde permaneceu por um mês (Figura 9) fixada ao fundo uterino com categute cromado zero.


Figura 8 - Histerotomia fúndica onde se deu a saída de sangue menstrual retido em um dos casos com presença de útero.


Figura 9 - Aspecto imediato após suturas. A neovagina apresenta-se revestida pela alça de sigmóide. A sonda inferior está posicionada dentro do útero, presente e preservado nesse caso. Observa-se a amplitude e a elasticidade dos tecidos.



Na evolução pós-operatória imediata não ocorreram complicações, exceto um caso de abscesso de parede. A paciente estava em uso de corticoesteróides por tempo prolongado para tratamento de síndrome adrenogenital. Após drenagem a paciente evoluiu bem. Exame tardio de duas das pacientes mostrou colonização das neovaginas por lactobacilos, como nas vaginas normais. Biópsia realizada após seis meses em uma das pacientes demonstrou processo inflamatório crônico da camada íntima da submucosa. Três das pacientes relataram formação esporádica de pequenas formações arredondadas, soltas de consistência saponácea dentro da vagina, provavelmente resultado do acúmulo da descamação epitelial, e absorção da parte líquida pela parede da alça.

As pacientes foram orientadas para iniciar atividades sexuais após 40 dias e todas relataram penetração sexual fácil após a cirurgia. Duas pacientes relataram discreto sangramento após relações mais agressivas. Não foi evidenciada descarga de muco, contrações dolorosas da neovagina durante ou após relações sexuais, nem granulomas nas linhas de sutura, descritos por alguns autores. Nas duas pacientes em que o útero foi preservado, a evolução imediata foi semelhante à das outras que menstruavam regularmente (Figura 10), porém uma apresentou estenose tardia do canal cervical, com retenção menstrual, após um ano e meio, exigindo reintervenção. Dois anos após a paciente apresentou nova estenose e, após discussão do caso, optou-se por histerectomia, não havendo recidivas. A outra paciente apresentou abscesso do tubo ovariano, no vigésimo sexto mês de pós-operatório. Foi tratada cirurgicamente com drenagem cirúrgica do abscesso, preservando-se o útero. No pós-operatório de seis meses desta última cirurgia, a paciente queixava-se de dispareunia. Perdemos, em seguida, o contato com essa paciente.


Figura 10 - Resultado pós-operatório final observado em todos os casos. Nesse caso, fotografada durante menstruação regular.



DISCUSSÃO

A neocolpoplastia apresenta-se como um desafio. O tratamento geralmente é realizado após a puberdade, Entretanto, situações mais raras onde úteros funcionais estão presentes exigem reconstruções complexas e precoces, evitando-se complicações relacionadas à retenção do fluxo menstrual. A opção da maioria dos cirurgiões é voltada para procedimentos que empregam os enxertos de pele2,8,10. Nesse caso, o desconforto de sessões de dilatações pós-operatórias e uso de moldes, necessários mesmo em pacientes com vida sexual ativa, não deve ser desprezado. Apesar deles, as estenoses não são raras. Estes procedimentos são desnecessários no caso do uso de alça de sigmóide. As técnicas que empregam enxertos, apesar de simples e execução rápida, desrespeitam o princípio básico de reconstrução com tecido semelhante, substituindo mucosa por pele, além de deixarem cicatrizes, não raro inestéticas, nas áreas doadoras. Está descrita também a possibilidade de desenvolvimento de carcinomas tardiamente nos enxertos2.

O emprego de alças intestinais5,7,8,11 tem sido relegado a situações de exceção ou em virtude de falha com outras técnicas, quando deveria ser a primeira opção. O intestino delgado apresenta como desvantagem ter mucosa menos resistente, friável e apresenta secreção de muco abundante. O sigmóide é facilmente mobilizado, resistente, elástico, com diâmetro semelhante e secreção compatível com vaginas normais, por isso a nossa opção de escolha. A cirurgia é laboriosa, demorada, exige equipes maiores, multidisciplinares e custos mais elevados, compensando-se pelos resultados tardios e poucas reintervenções.

A estenose do intróito vaginal é uma complicação citada na literatura11 nas cirurgias do transexualismo masculino, em que o sigmóide tem que ser anastomosado à pele. Tentando evitá-la, confeccionamos um retalho em V de pedículo superior no intróito vaginal com ajuste correspondente em V, inverso ao primeiro, no bordo contramesentérico da alça sigmoideana. O procedimento abdominal pode ser feito através de incisões esteticamente aceitáveis (Pffanestiel).

O preparo criterioso do cólon minimiza riscos de infecção pós-operatória. As estatísticas de infecção e fístulas em procedimentos colorretais baseiam-se em cirurgia realizadas em pacientes com doenças do colón ou sistêmicas, via de regra debilitados, e não podem ser inteiramente consideradas nos casos em que o sigmóide está sendo usado em pacientes jovens e hígidas. O caso de abscesso de parede que ocorreu nessa série estava associado ao uso de corticoesteróides por tempo prolongado.

O abscesso de tubo ovariano tardio deveu-se provavelmente à ausência do efeito protetor do tampão mucoso cervical. A não ocorrência de gestação nas duas pacientes com útero preservado deve-se provavelmente à fisiologia alterada pela ausência do mesmo tampão. Esta evidência, associada à estenose do canal cervical com evolução para histerectomia, leva-nos a questionar a preservação dos úteros em futuras intervenções.


CONCLUSÃO

As possibilidades técnicas no tratamento da agenesia de vagina, seus benefícios e, principalmente, seus riscos devem ser amplamente discutidos com as pacientes. Na presença de útero funcional, a cirurgia deve ser realizada ainda durante a puberdade. A escolha da neocolpoplastia com alça exclusa de sigmóide é, a nosso ver, a melhor opção, aplicável também em casos de resultados desfavoráveis com outras técnicas. Apesar da casuística pequena, o índice de complicações aceitável e os bons resultados obtidos reforçam a decisão de indicação primária da técnica em todos os casos de agenesia de vagina.


REFERÊNCIAS

1. Gentil-Martins A. In: Coiffman F, ed. Texto de cirugía plástica, reconstructiva y estética. Barcelona: Salvat; 1986 p.1366-178.

2. Horton CE, Sadove RC, McCraw JB. Reconstruction of female genital defects. In: McCarthy Plastic Surgery. Philadelphia: WB Saunders; 1990. p.4203-12.

3. Morriss JM. The syndrome of testicular feminization in male pseudohermaphrodites. Am J Obstet Gynecol. 1953;65(6):1192-211.

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5. Sneguireff WF. Zwei new fälle von restitutio vaginae per transplantation en ani et recti. Zentralbi. Gynäkol. 1904;28:772.

6. Kanter AE. Congenital absence of vagina; a simplified operation with report of one case. Am J Surg. 1935;30:314.

7. Hastings DW. Experience at the University of Minnesota with transsexual patients. In: Proceedings of the Second Interdisciplinary Symposium on Gender Dysphoria Syndrome. California: Stanford University Medical Center; 1973. p.234-6.

8. McIndoe AH, Banister JB. An operation for the cure of congenital absence of vagina. Br J Obstet Gynaecol. 1938;45:490-4.

9. Baldwin JF. The formation of an artificial vagina by intestinal transplantation. Ann Surg. 1904;40:398-403.

10. Abbé R. New method of creating a vagina in a case of congenital absence. Med Rec. 1898;54:836-8.

11. Markland C, Hastings D. Vaginal reconstruction using cecal and sigmoid bowel segments in transsexual patients. J Urol. 1974;111(2):217-9.










1. Membro titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP); Regente do Serviço de Cirurgia Plástica do Hospital de Referência de Araguaína, Araguaína, TO.
2. Professor Doutor em Cirurgia Plástica pela UNIFESP, Membro titular da SBCP; Regente do Serviço de Cirurgia Plástica do Hospital de Base da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, SP.

Trabalho realizado no Hospital de Referência de Araguaína / Araguaína - Tocantins.
Trabalho apresentado no VII Simpósio Internacional de Cirurgia Plástica, São Paulo, 24 a 26 de março de 2006.
A confecção e montagem desse artigo contou com a colaboração do CEPlástica - Centro de Estudos em Cirurgia Plástica do Hospital de Base da Faculdade de Medicina de São José do Rio, São José do Rio Preto, SP.

Correspondência para:
Francisco Leopoldo Ferreira Pereira
Avenida Marginal Neblina, 751, sala 6, Setor Alaska, Araguaína,
Tocantins - CEP 77804-970
E-mail: dr.leopoldo@uol.com.br

Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da RBCP.

Artigo recebido: 4/2/2009
Artigo aceito: 23/10/2009

 

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