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Case Reports - Year2011 - Volume26 - Issue 2

ABSTRACT

Background: Necrotizing fasciitis of the face is a very rare disease. This article describes for the first time a case report of a patient with an aggressive necrotizing fasciitis of the face treated with the vacuum dressing developed at the University of São Paulo. Case Report: The patient suffered an infection which began on parotid gland progressing to the deep planes in face causing systemic repercussion. The treatment was based on serial surgical debridement and placement of the vacuum dressing. After bed preparation with this dressing, a scalp flap was performed. This study confirms the rarity of the case and elucidates the peculiarities of the treatment, emphasizing the importance of the surgical debridement with early diagnosis and immediate and aggressive approach to this type of severe soft tissue infection. The patient evolved to death by septic shock and multiple organ failure although the infection of cephalic region had been controlled and the wound had been reduced. Conclusions: The treatment with vacuum dressing can be implemented for Necrotizing Fasciitis of the face with benefits. The vacuum USP [University of São Paulo] was effective in its performance, with low cost, but a greater number of cases should be treated with the vacuum USP for its scientific validation comparing with the imp orted product available.

Keywords: Necrotizing fasciitis. Face. Vacuum. Debridement. Soft Tissue Infections.

RESUMO

Introdução: Fasciíte necrotizante da face é uma doença muito rara. Este artigo descreve, pela primeira vez, um caso clínico de um paciente com fasciíte necrotizante de face tratada com o curativo a vácuo desenvolvido na Universidade de São Paulo. Relato do Caso: A infecção do paciente iniciou-se na glândula parótida progredindo para os planos profundos na face, gerando repercussão sistêmica. O tratamento foi baseado em desbridamento cirúrgico seriado e colocação de curativo a vácuo. Após a preparação do leito com este curativo, um retalho de couro cabeludo foi realizado. Este estudo confirma a raridade do caso e expõe as peculiaridades do tratamento, enfatizando a importância do diagnóstico precoce e da abordagem cirúrgica, tanto imediata quanto agressiva para este tipo de infecção grave de partes moles. O paciente foi a óbito em decorrência de choque séptico e falência de múltiplos órgãos, embora a infecção da região cefálica tenha sido controlada e a ferida reduzida. Conclusão: O tratamento com curativo a vácuo pode ser implementado em fasciítes necrotizantes de face com benefícios. O vácuo USP [Universidade de São Paulo] mostrou-se efetivo em seu funcionamento, com menor custo. Contudo, maior número de casos deverá ser tratado com o vácuo USP para sua validação científica comparando-o com o produto importado disponível no mercado.

Palavras-chave: Fasciíte necrosante. Face. Vácuo. Desbridamento. Infecções dos Tecidos Moles.


INTRODUÇÃO

As infecções de partes moles são extremamente frequentes no atendimento de pronto socorro. No ano de 2008 até julho de 2009, foram atendidos 4883 pacientes com infecções de partes moles só no serviço de emergência do Hospital Universitário da Universidade de São Paulo (USP), motivando 345 internações, 7% dos pacientes atendidos por tais patologias. Majoritariamente, as infecções de partes moles podem ser tratadas com antibioticoterapia via oral, pois não apresentam critérios para internação, assim são os casos de celulites e erisipelas simples, bem como foliculites e impetigos.

Muitas vezes, a drenagem no próprio pronto socorro, como nos casos dos abscessos cutâneos, é o tratamento de escolha. Contudo, se houver manifestação sistêmica da infecção, caso o paciente com infecção de partes moles seja repleto de comorbidades ou haja necessidade de desbridamento em centro cirúrgico ou ainda suspeita de fasciítes necrotizantes, o paciente deve ser hospitalizado e iniciada antibioticoterapia endovenosa seguida do tratamento específico para as peculiaridades de cada uma.

Se a infecção de partes moles necessita de tratamento cirúrgico, este procedimento deve ser executado com brevidade e agressividade, para evitar provável evolução desfavorável, com consequências graves, como sepse grave, choque séptico e até óbito.

Dentre as infecções graves de partes moles podemos destacar aquelas de tratamento eminentemente cirúrgico, como as fasciítes necrotizantes, incluindo a síndrome de Fournier, os casos de pés diabéticos e os abscessos em tecidos profundos e intracavitários. Graves também são as infecções de partes moles que evoluam para sepse grave ou choque séptico como, por exemplo, celulites e erisipelas em pacientes diabéticos ou imunodeprimidos, diferindo das primeiras por ter seu tratamento eminentemente clínico.

No presente estudo, foi revisado o número de atendimentos por infecção de partes moles da base de dados do Hospital Universitário da USP, chamando atenção para um caso de infecção grave, a fasciíte necrotizante de face. Constatada a raridade do caso, optou-se por relatar o caso, seguido de revisão da literatura com explanação concisa acerca das fasciítes necrotizantes. Este trabalho exalta a peculiaridade do caso por se apresentar com fasciíte necrotizante em sítio anatômico infrequente, a face, proveniente de um abscesso de parótida direita tuberculosa, evoluindo para invasão de planos profundos da face, causando uma fasciíte de etiologia multibacteriana em um paciente com inúmeras comorbidades.

Somado às peculiaridades, o tratamento cirúrgico destacase por sua aplicação inovadora, não relatada na literatura até o momento, de tratamento com o curativo a vácuo desenvolvido na USP, aplicado após desbridamentos seriados para o preparo do leito previamente à rotação do retalho local e à enxertia de pele. Notamos a evolução da ferida como favorável, apesar do paciente evoluir para óbito por complicações clínicas.

Neste trabalho procederemos à descrição do caso, seguida de revisão da literatura direcionada.


RELATO DO CASO

Este trabalho foi realizado através da revisão do prontuário de um paciente atendido no Hospital Universitário da Universidade de São Paulo, utilizando esta fonte como base para o relato do caso. A revisão da literatura foi efetuada através da utilização dos descriptors "necrotizing fasciitis", "face", "vacuum", "review", "case report", digitados no site PubMed (http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/), incluindo assim os artigos pertinentes ao tema estudado considerando os mais recentes da literatura.

Caso Clínico

Paciente do sexo masculino, de 48 anos, portador de diabetes mellitus tipo 2 mal controlado, tabagista, etilista, com monilíase oral e esofágica (HIV negativo) e antecedente de tratamento para tuberculose pulmonar completo, finalizado há 2 meses.

O paciente deu entrada no pronto atendimento do Hospital Universitário da USP por surgimento de nódulo em topografia de parótida direita há 1 mês, evoluindo com aumento de volume, sinais flogísticos discretos no local, quadro de paralisia facial de ramo zigomático, necrose tecidual na topografia da parótida com saída de secreção purulenta pelo local. Esteve afebril durante o período e em bom estado geral.

Feita hipótese diagnóstica de tuberculose de parótida associada a abscesso, foram realizados drenagem e desbridamento da área necrótica com ressecção de nervo facial e ducto de parótida. Colhidas biopsias, culturas e pesquisa de bacilos álcool-ácido resistentes. Orientado a retorno a cada dois dias para reavaliação e troca de curativos.

Paciente mantinha boa evolução durante os retornos, porém no 6o dia observou-se, durante troca de curativo, necrose da área cruenta em topografia de parótida, estendendo- se pelo subcutâneo por toda região temporal direita, a qual possuía pele íntegra, porém discrômica, associado a celulite periorbitária (Figura 1). O paciente apresenta-se em mal estado geral e com hálito cetônico.


Figura 1 - Paciente diagnosticado com fasciíte necrotizante, préoperatório. Nota-se debris necróticos na área cruenta pré-auricular e alteração discrômica da pele na região fronto-temporal.



Feito diagnóstico de fasciíte necrotizante de face, então o paciente foi submetido a desbridamento cirúrgico de urgência. No intraoperatório, notava-se lesão extensa pré-auricular, com necrose de subcutâneo desde a porção temporal até a parte lateral do olho direito, com infecção até o ângulo da mandíbula. Foi ressecado o tecido necrótico e parte do músculo masseter, com drenagem de coleção local, mantendo periósteo na região temporal e arco zigomático.

A ferida operatória foi coberta com curativo oclusivo. A cultura previamente colhida no primeiro atendimento foi positiva para bacilo álcool-ácido resistente, Escherichia coli e Enterococus cloacae, estes últimos sensíveis à ciprofloxacina. Introduzida antibioticoterapia com ciprofloxacina e compensado quadro de cetoacidose diabética.

No 2º pós-operatório (PO), foi realizado novo desbridamento e colocado curativo a vácuo (Figura 2). O curativo a vácuo foi mantido a pressão subatmosférica de 125 mmHg em modo contínuo, utilizando pela primeira vez o vácuo desenvolvido na USP. O paciente evoluiu com melhora do estado geral.


Figura 2 - Curativo a vácuo utilizando o vácuo USP.



No 6º PO, a ferida apresentou sinais de progressão da necrose para região supraorbitária e palato duro, ausentes no dia anterior, e fez-se nova abordagem cirúrgica, encontrando extensa área necrótica (Figura 3). Executou-se desbridamento de palato duro e mucosa jugal, seguido de ressecção do pavilhão auricular à direita, além de músculo temporal e periósteo de osso temporal. Para a cobertura da calota exposta sem periósteo foi confeccionado um retalho em viseira, estendendo- se até o arco zigomático, com enxertia da área cruenta com pele da coxa (área doadora). Na ocasião, foi colocado dreno Port-O-Vac no subcutâneo e mantido curativo a vácuo.


Figura 3 - Nota-se extensa área necrótica de subcutâneo e musculatura na região temporal. Pré-operatório do 2º desbridamento e recolocação do curativo a vácuo.



Biopsias demonstraram processo inflamatório subagudo empiematoso, com trombose vascular secundária, associados a necrose coagulativa e liquefativa extensas. A antibioticoterapia foi modificada para clindamicina e gentamicina, e a partir de então o paciente veio mantendo bom estado geral, com ferida em face enxertada e retalho de bom aspecto, bem irrigado, sem sinais de progressão de necrose.

No 13º PO, o paciente evoluiu para choque séptico. A radiografia de tórax evidenciava intenso infiltrado difuso bilateralmente.

O paciente foi enviado para Unidade de Terapia Intensiva (UTI), evoluindo para Síndrome da Angústia Respiratória do Adulto (SARA), sendo necessários intubação orotraqueal e uso de drogas vasoativas. A ferida em face mantinha-se em bom aspecto, sem evidência de necrose ou infecção. A antibioticoterapia foi então modificada para ceftazidima e vancomicina, suspeitando-se de bactérias resistentes ou infecção por bactérias hospitalares ou extensão da fasciíte necrotizante para região cérvico-mediastinal. Investigação com tomografia computadorizada evidenciou coleção laminar em transição cérvico-torácica, a qual não apresentava necessidade de abordagem no momento.

O paciente apresentou breve melhora clínica, com ferida em face e retalho mantendo bom aspecto, boa granulação, sem novas áreas de necrose (Figura 4). Contudo, no 25º PO, o paciente evoluiu com pneumonia hospitalar, em uso de vancomicina e ceftazidima, choque séptico e SARA novamente, mudando-se antibioticoterapia para imipenem e vancomicina. Pela urocultura havia crescido cândida e optou-se por introduzir fluconazol.


Figura 4 - Apesar da má evolução do paciente por complicações clínicas, a ferida e o retalho mantiveram-se com boa evolução.



Desde então, apresentou piora progressiva de quadro clínico, arresponsivo às medidas terapêuticas, evoluindo com fístula broncopleural e infarto agudo do miocárdio. Radiografia de tórax evidenciava abscesso pulmonar à direita, derrame pleural à esquerda, velamento pulmonar difuso e hidropneumotórax à direita.

No 36º PO, o paciente veio a óbito por falência de múltiplos órgãos e sistemas secundário a choque séptico.


DISCUSSÃO

Infecções bacterianas de pele e partes moles estão dentre os quadros infecciosos mais prevalentes no homem. Dados do Hospital Universitário contabilizam 4883 atendimentos em Pronto Socorro, do ano de 2008 até julho de 2009, por infecções de pele e partes moles. São responsáveis por quase 10% das hospitalizações nos Estados Unidos1. Porém, a maioria dessas infecções não culmina em casos de internação. Em geral, apresentam-se como quadros leves e focais, com boa resposta terapêutica a antibióticos por via oral e/ou drenagem de coleção, sem necessidade de internação hospitalar. É o caso dos abscessos, foliculites, furunculoses, impetigos e da maioria das celulites e erisipelas2.

Porém, há casos de infecções de pele e partes moles que cursam com características como invasão tecidual associada a necrose, repercussões sistêmicas sépticas graves ou ainda associados a múltiplas comorbidades de base do paciente. Portanto, demandam terapêutica em regime intra-hospitalar, com abordagem cirúrgica urgencial e agressiva, administração endovenosa de antibióticos e suporte clínico3. Incluise nesse grupo qualquer quadro acompanhado das características descritas, destacando-se os pés diabéticos graves e o temível quadro denominado fasciíte necrotizante.

Fasciíte necrotizante é um quadro raro de infecção bacteriana de partes moles, rapidamente progressivo, associado, como demonstrado nas biopsias do caso relatado, a trombose vascular local e necrose tecidual extensa4. Sua incidência é da ordem de 1000 casos por ano, nos Estados Unidos5. Acomete principalmente fáscia e subcutâneo, poupando inicialmente as camadas superficiais da pele, o que determina dificuldade diagnóstica4,5. Como visto na Figura 1, observase em topografia temporal apenas alteração discrômica da pele, mantendo sua textura e integridade. Determina, além de extensa necrose tecidual local, quadro séptico grave, responsável pela elevada mortalidade do quadro e quando não determinante de óbito, resulta em alta morbidade pela perda tecidual4,6.

Esta patologia incomum acomete caracteristicamente extremidades inferiores, tronco e períneo (este último classicamente denominado como Síndrome de Fournier), sendo raro o quadro em face. Relatos publicados descrevem menos de 50 casos na literatura de fasciíte necrotizante de face nos últimos 45 anos6. Fasciíte necrotizante atingindo face implica em um quadro delicado, pois muitas vezes o tratamento cirúrgico não pode ser agressivo, pela proximidade de estruturas vitais, como artérias, veias e nervos, além do defeito estético gerado. Além disso, outras complicações graves decorrentes de fasciíte necrotizante de face são trombose de veia jugular, obstrução de vias aéreas, pneumonia, acometimento de sistema nervoso central e progressão para mediastinite, esta última cursando com mortalidade superior a 50%6,7.

A microbiologia classifica o quadro em três grupos. O tipo I corresponde à fasciíte necrotizante polimicrobiana, uma infecção sinérgica entre dois ou mais agentes diversos, sejam gram positivos, anaeróbicos ou gram negativos, como exemplo, enterobactérias. É o tipo mais prevalente, responsável por cerca de 2/3 dos casos, acometendo principalmente pacientes com comorbidades5,8-10. Dentre as comorbidades incluem-se, diabetes mellitus, etilismo, tabagismo, HIV, malignidade, perdas da barreira cutânea e obesidade9,11.

Khanna et al.12, em uma série de casos sobre fasciíte necrotizante, apontaram diabetes mellitus e tuberculose como comorbidades principais. No caso relatado, temos uma infecção polimicrobiana por associação de bactérias gram negativa e gram positiva secundária a lesão tuberculosa em parótida. O paciente possuía diversas das comorbidades descritas, como diabetes mellitus, tabagismo, etilismo e tuberculose, além de sinais de imunodepressão não relatados na literatura consultada, como caquexia e candidíase esofágica em paciente HIV negativo, possivelmente indicadores de suscetibilidade e mal prognóstico. O tipo II é o quadro monomicrobiano, causado por Streptococcus betahemolítico do grupo A ou Staphylococcus aureus, podendo ocorrer ambos em associação. É menos comum que o primeiro tipo e tende a ocorrer em pacientes mais jovens e sem comorbidades. O tipo III é extremamente raro, causado pelo Vibrio vulnificus, associado a contato com água do mar e animais marinhos, cuja evolução é a mais agressiva, podendo evoluir para quadro séptico com insuficiência de múltiplos órgãos em menos de 24 horas1,5,8,10.

Os pilares do tratamento constituem-se em desbridamento cirúrgico precoce e antibioticoterapia endovenosa. No caso relatado, o paciente foi submetido a tratamento cirúrgico de urgência e a antibioticoterapia parenteral guiada por cultura. Métodos terapêuticos adjuvantes incluem o uso de oxigênio hiperbárico e de imunoglobulina humana endovenosa, ambos de utilidade controversa no tratamento de fasciíte necrotizante. A terapia com oxigênio hiperbárico possui poucos estudos relacionados e com resultados conflitantes, portanto sem evidências que justifiquem ou contraindiquem seu uso13. Tal terapia não foi utilizada no caso relatado, pela falta de evidências bem estabelecidas orientando seu uso. O uso de imunoglobulina humana teria o efeito teórico de amenização da Síndrome da Resposta Inflamatória Sistêmica mediante neutralização de exotoxinas estafilocóccicas e estreptocóccicas14,15. Porém não apresenta eficiência comprovada e seu uso para o tratamento da fasciíte necrotizante ainda não é autorizado pelo Food and Drug Administration (FDA), órgão americano controlador do uso de medicamentos5. Tal terapia não foi utilizada no caso relatado pela falta de evidências e indicação, visto a microbiologia em questão.

O principal fator prognóstico de boa evolução é a intervenção cirúrgica com desbridamento do tecido necrótico o mais precoce e completo possível. Em uma análise multivariada, constatou-se que atraso em mais de 24 horas na realização de desbridamento adequado pode levar a aumento em até nove vezes de mortalidade9. Em outro estudo, observou-se que o tempo médio entre a admissão e cirurgia foi de 25 horas no grupo dos que sobreviveram contra 90 horas no grupo dos pacientes que foram a óbito10.

Em relação à ferida operatória, esta deve permanecer aberta, pois há risco de infecção residual e novos desbridamentos podem ser necessários. O fechamento e a reconstrução da lesão devem ocorrer tardiamente quando não houver mais evidências de infecção e o processo de reparação, demonstrado com a deposição de tecido de granulação, tiver se iniciado5,10. A resolução da ferida operatória pode ser feita com o uso enxertos de pele, técnicas de rotação de retalhos, aproximação de bordas ou simplesmente por meio de cicatrização por segunda intenção5. No caso relatado, devido à exposição de calota óssea sem periósteo, foi optado por cobertura parcial com retalho em viseira e enxertia do local de onde o retalho foi rodado com pele proveniente da coxa. O restante da ferida foi mantido aberto sob curativo a vácuo, em planejamento para fechamento futuro em momento oportuno.

Porém, os dados relacionados ao manejo da ferida operatória no período compreendendo o pós-desbridamento até seu fechamento são restritos5. A técnica mais usada de manejo é a cobertura da ferida com gaze úmida. Alternativamente, tem-se estendido nos últimos tempos o uso do curativo a vácuo para o manejo da ferida em fasciíte necrotizante. É descrito seu uso em casos de fasciíte necrotizante de períneo (síndrome de Fournier) e de membros inferiores, com resultados promissores16,17. Porém, não foram encontrados relatos acerca do uso de curativo a vácuo em quadros de fasciíte necrotizante de face.

Alguns estudos sugerem que o curativo a vácuo potencializa a cicatrização da ferida. A fisiologia da ação do curativo a vácuo é decorrente de diversos mecanismos, dentre eles destacam-se a macrodeformação e a microdeformação da superfície, a remoção de exsudato e a estabilização do meio18-20. A macrodeformação é gerada pela tensão do vácuo no sentido de aproximação e contração mecânica das bordas da ferida, diminuindo o tempo da cicatrização por segunda intenção. As microdeformações que, por estimulação mecânica, estimulam a proliferação celular e angiogênese, um fenômeno denominado mecanotransdução. A remoção de exsudato, que além de reduzir o edema da ferida e consequentemente sua dimensão, promove a remoção mecânica de microorganismos patógenos do sítio infeccioso. A estabilização do meio refere-se ao efeito do curativo a vácuo de eliminação de fluidos juntamente com eletrólitos e proteínas, mantendo os gradientes osmótico e oncótico estáveis, ao contrário dos curativos a gaze, em que há evaporação do fluido com concentração protéica18-20. Como resultante desse processo, temos indução de angiogênese e proliferação celular, redução de edema e volume da ferida, aumento da perfusão capilar, redução de carga bacteriana, incremento da granulação tecidual e, consequentemente, da qualidade do leito para enxertia18-20.

Em relação ao valor da pressão subatmosférica aplicada no curativo a vácuo, ainda não existem estudos conclusivos. Morykwas et al.21 demonstraram, em modelo animal, formação de tecido de granulação mais precoce sob 125 mmHg em relação a 25 mmHg e 500 mmHg. O curativo a vácuo no valor de 125 mmHg é o mais utilizado na prática clínica, assim como o foi no caso descrito, com bons resultados obtidos na cicatrização e na granulação da ferida.

Uma crítica ao uso do curativo a vácuo importado disponível no mercado é seu custo elevado. Huang et al.17 descreveram o custo hospitalar com materiais em 700 dólares/semana para o grupo do curativo a vácuo padrão contra 105 dólares/semana para o grupo com curativo à gaze úmida. No Brasil, este custo quase que triplica em relação ao descrito por Huang et al.17, devido ao preço que o produto importado atinge no mercado interno. Na tabela atual, o preço do produto importado para aplicação do curativo a vácuo a esponja custa US$ 600, enquanto o reservatório para drenagem da secreção proveniente da ferida custa US$ 550. Considerando a necessidade de duas a três trocas semanais, o gasto estimado com o produto gira em torno de US$ 1750 (2 esponjas e 1 reservatório) a US$ 3450 (3 esponjas e 3 reservatórios) por semana, por exemplo em uma ferida extremamente exsudativa. O curativo a vácuo USP utilizando uma válvula reguladora, a qual mantém o vácuo próprio da rede hospitalar dentro da faixa terapêutica (entre 125 e 400 mmHg - ajustável), tem custo de R$ 4.000 (US$ 2000) com a válvula de uso permanente, além do custo de R$ 120 (US$ 60) por curativo. Esta válvula reguladora de pressão não é descartável, sendo reutilizável e de uso permanente, de forma que seu custo é praticamente pontual. Portanto, excluindo-se o custo para aquisição da válvula, o material nacional apresenta um custo de material quase 10 vezes menor que a esponja do dispositivo importado. Já o tratamento semanal pode ficar 20 vezes mais econômico, se forem trocados 3 curativos por semana. Isso ocorre, pois o dispositivo utilizado neste relato de caso nutre-se de vácuo a partir da infraestrutura hospitalar, disponível nas paredes dos quartos de enfermaria, não necessitando de maquinaria específica de alto custo, além de oferecer o custo por curativo mais econômico e o uso da válvula é de uso permanente e reutilizável por parte do comprador. Esta válvula foi desenvolvida em uma parceria da Escola Politécnica da USP com o Hospital Universitário da USP, patenteado pela Agência de Inovação da USP, em dezembro de 2008.

Além da economia com o custo do curativo, este apresenta a vantagem de ser mais prático e operacional, demandando menor tempo de ocupação da equipe de enfermagem no manejo e na troca de curativos em relação ao curativo de gaze úmida. O estudo de Huang et al.17 demonstrou média de 4,8 minutos/dia contra 18 minutos/dia de tempo gasto pela equipe de enfermagem no manejo do curativo a vácuo em relação à cobertura com gaze úmida, respectivamente.

Contudo, são necessários mais estudos comparativos entre a eficácia do curativo a vácuo em relação à cobertura simples com gaze úmida, e sobre a eficácia do dispositivo de curativo a vácuo USP em relação ao modelo importado (Figuras 5 e 6).


Figura 5 - Elementos necessários para compor o curativo a vácuo: 1. Válvula estabilizadora de pressão negativa - Vácuo USP; 2. Mangueira de conexão entre a válvula e a esponja; 3. Esponja; 4. Campo cirúrgico iodoforado - Ioban®.


Figura 6 - Elementos necessários para compor o curativo a vácuo: 1. Válvula estabilizadora de pressão negativa - Vácuo USP - conectado a vácuo hospitalar; 2. Mangueira de conexão entre a válvula, a esponja e o coletor; 3. Coletor; 4. Campo cirúrgico iodoforado - Ioban® isolando a esponja conectada ao vácuo, sobre a ferida a ser tratada.



CONCLUSÃO

Concluímos com este estudo que as infecções de partes moles são extremamente frequentes na prática médica, porém quando há sinais de gravidade devem-se tomar as condutas necessárias com brevidade e eficiência, pois as mesmas podem evoluir para quadros dramáticos e até óbito. A fasciíte necrotizante é exemplo inequívoco deste tipo grave de infecção, quando suspeitada já demanda internação e tratamento cirúrgico agressivo já que, quanto antes for realizado o desbridamento e iniciada antibioticoterapia, melhores as chances de boa evolução do paciente.

Concluímos que o tratamento com curativo a vácuo pode ser implementado para fasciítes necrotizantes de face, tanto após o desbridamento quanto após a enxertia, pois esse tipo de curativo já foi descrito em outros trabalhos com benefícios de seu uso em pacientes com Fournier e fasciítes de membros inferiores. O vácuo USP mostrou-se efetivo no seu funcionamento, com menor custo, porém deve ser aplicado em um maior número de casos para sua validação científica comparando-o com o produto padrão do mercado.


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1. Residente de Cirurgia Plástica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP), São Paulo, SP, Brasil.
2. Residente de Cirurgia Geral do HC-FMUSP, São Paulo, SP, Brasil.
3. Cirurgião Plástico, Médico associado ao Hospital Universitário da Universidade de São Paulo (USP), São Paulo, SP, Brasil.
4. Professor Titular da Disciplina de Cirurgia Plástica da FMUSP, São Paulo, SP, Brasil.

Correspondência para:
Nuberto Teixeira Neto
Rua Venâncio Aires, 641, Apto 63, Torre 1 - Pompéia
São Paulo, SP, Brasil - CEP 05024-030
E-mail: nubertoneto@uol.com.br

Artigo submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da RBCP.
Artigo recebido: 27/3/2010
Artigo aceito: 18/5/2010

Trabalho realizado no Hospital Universitário da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.

 

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