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Original Article - Year2007 - Volume22 - Issue 4

ABSTRACT

Objective: The present study analyzes the treatment of burned patients in a general hospital from Salvador, Bahia, Brazil. Method: 150 patients with acute burn injuries were evaluated from January 1999 to May 2006. Until this time, this kind of patients weren't admitted to that hospital. All patients were assessed by the same plastic surgeon, who performed all the surgical procedures. The patients were admitted to the emergency room, and taken either to an isolated apartment, or to the semi-ICU, or to the ICU, depending on the severity of their condition. A covered bandage method was performed in the operating room, and grafting was performed as early as possible. The statistical data were analyzed by the Epi-Info system. Results: We found out that most of the patients were male (72.5%), and there were also a chemical burning rate and an 11.8% electrical burning rate, which were higher than the rates (15.7%) found in medical literature, probably because of our reference and proximity to a petrochemical polo. The mortality rate was 7.8% and the mean length of stay was 12.8 days. Conclusion: It was concluded that, even though there was no burning treatment center at that hospital, the results were satisfactory, according to the burning treatment centers analyzed.

Keywords: Burns, therapy. Burns, chemical. Burns, electric

RESUMO

Objetivo: O presente estudo visa analisar o tratamento dos pacientes queimados, em um hospital geral terciário, predominantemente privado de Salvador, Bahia. Método: Foram analisadas 150 vítimas de queimaduras internadas, de janeiro de 1999 a maio de 2006, onde, até então, não eram admitidos pacientes queimados. Todos foram acompanhados por um único cirurgião plástico, que realizou todos os procedimentos cirúrgicos. Os pacientes foram admitidos pela unidade de emergência e, quando preenchiam aos critérios de internação, eram encaminhados a apartamentos, semi-intensiva ou UTI, conforme a gravidade do caso. Utilizou-se o método fechado na realização dos curativos em centro cirúrgico e as enxertias foram feitas o mais precocemente possível. Os dados estatísticos foram analisados pelo sistema Epi-Info. Resultados: Foi identificada uma clientela predominantemente do sexo masculino (72,5%) e um porcentual de queimaduras químicas (15,7%) e elétricas (11,8%) maior que o encontrado na literatura, pelo fato de sermos referência de um grande Pólo Petroquímico. O tempo médio de internamento foi de 12,8 dias e a mortalidade de 7,8%. Conclusão: Concluímos que, embora não disponhamos de um centro de tratamento de queimados, nossos resultados foram equivalentes.

Palavras-chave: Queimaduras, terapia. Queimaduras químicas. Queimaduras por corrente elétrica


INTRODUÇÃO

No Brasil, estima-se que dois milhões de pessoas ao ano sofrem queimaduras. O tratamento destes pacientes sempre foi um grande desafio aos cirurgiões plásticos em todo o mundo, tanto pela complexidade das lesões, quanto pela necessidade de cuidados intensivo e multidisciplinar, envolvendo os mais diversos profissionais de saúde, como clínicos, intensivistas, psicólogos, nutricionistas, fisioterapeutas, enfermeiros e auxiliares com especialização nesta área. Partindo-se deste entendimento e dos conhecimentos acumulados nas útimas décadas em relação ao atendimento inicial ao queimado e ao manejo cirúrgico de suas feridas, desenvolveu-se o conceito dos Centros de Tratamento de Queimados (CTQ): unidades fechadas, com equipe multidisciplinar, especializada no tratamento de pacientes vítimas de queimaduras.

No Brasil, existem 35 CTQ's cadastrados pelo Ministério da Saúde, disponibilizando um leito especializado para cada 327.167 habitantes, o que representa um déficit de leitos, tendo em vista, por exemplo, o modelo americano, que disponibiliza um leito para cada 140.000 habitantes1.

A motivação para o presente estudo nasceu do questionamento: é possível, por meio de uma abordagem multidisciplinar eficiente no tratamento de pacientes queimados em hospital geral, que disponha dos recursos técnicos necessários, a obtenção de resultados estatísticos semelhantes aos de um CTQ?

Analisamos, então, retrospectivamente, o tratamento de vítimas de queimaduras em um hospital geral terciário predominantemente privado em Salvador e comparamo-lo com a epidemiologia descrita na literatura atual, bem como com os resultados estatísticos de dois CTQ brasileiros. A partir de janeiro de 1999, iniciou-se a internação destes pacientes atendidos na emergência, que até então eram transferidos para outras instituições. Como não dispomos de CTQ, utilizamos leitos de isolamento em unidades intensivas geral e pediátrica, semi-intensivas e apartamentos de acordo com a gravidade do caso.


MÉTODO

Trata-se de um estudo retrospectivo, realizado no período de janeiro de 1999 a maio de 2006, onde foram analisados os dados de 150 pacientes internados vítimas de queimaduras quanto a sexo, idade, procedência, tipo de acidente, local de ocorrência, extensão, segmentos comprometidos, medicações tópicas utilizadas, período de internamento hospitalar, permanência em UTI ou semi-intensiva, quantidade de curativos, enxertias e tipos de complicações. Todos os pacientes foram acompanhados por um cirurgião plástico, que realizou todos os procedimentos, auxiliado pelos residentes do serviço. O hospital situa-se na região metropolitana de Salvador e conta com 329 leitos, distribuídos em apartamentos, unidades semi-intensivas, UTI adulto e pediátrica, sendo 70% dos atendimentos particulares e convênios e 30% do Sistema Único de Saúde (SUS). Conta com serviços de banco de sangue, laboratório, anatomia patológica, fisioterapia, psicologia, clínica da dor e dois centros cirúrgicos, que dispõem de 11 salas cirúrgicas no total. Esta unidade de queimados é referência para atendimento a pacientes provenientes do pólo petroquímico de Camaçari - BA.

Os pacientes são atendidos inicialmente em unidade de emergência, de acordo com o protocolo descrito no Quadro 1, e classificados quanto à extensão da queimadura, como mostra o Quadro 22. Após a ressuscitação inicial e seguido o protocolo, o paciente é encaminhado ao centro cirúrgico, para que sejam realizados o desbridamento e o curativo, e subseqüente internamento. Os pacientes com queimaduras médias são alocados em apartamentos e os grandes queimados em semi-intensiva ou, caso necessitem de suporte ventilatório, em UTI geral ou pediátrica3,4. Os critérios de internamento estão descritos no Quadro 3. Com relação à terapia tópica da área queimada, foi utilizada sulfadiazina de prata a 1%, para lesões de 2º e 3º graus. Os curativos foram feitos diariamente no centro cirúrgico sob anestesia, tendo sido utilizado o método fechado em todas as áreas, com exceção de face e genitália. Além do antimicrobiano tópico, foi utilizado curativo primário não aderente, e secundário com gaze algodoada e fechamento com atadura de crepom. Os desbridamentos foram feitos precocemente - até 72 horas após o evento - com dermátomo de Brown ou lâmina de bisturi. Em grandes queimados, o desbridamento foi seqüencial, até alcançar toda a área queimada. Antibióticos sistêmicos não foram prescritos nas primeiras 24 horas; seu uso foi orientado pelo aspecto da lesão e resultados das respectivas culturas. Em queimaduras de 2º grau profundo e 3º grau, após o desbridamento e o surgimento de tecido de granulação, foram realizadas enxertias de pele parcial, preferindo-se regiões de membros inferiores para áreas doadoras; em alguns casos, houve necessidade de expansão da pele com expansor de Tanner. O enxerto de pele total foi utilizado nos poucos casos de pequenas queimaduras de 3º grau, com área doadora de região posterior da orelha, quando as lesões eram em face, e área doadora de região inguinal, quando a lesão situava-se nos membros. Após a aprovação do projeto de pesquisa pelo Comitê de Ética e Pesquisa, formulários foram preenchidos com base em informações colhidas dos prontuários e cadastrados em banco de dados criado no programa EPI INFO, onde foram submetidos a tratamento e análise estatística5.








RESULTADOS

A distribuição dos pacientes quanto a sexo, agente causal e procedência está descrita nas Figuras 1 e 2, respectivamente; a média de idade foi de 27 anos, variando de 0,3 a 75 anos. O porcentual médio de área queimada foi de 26%, variando de 1 a 90% (Figura 3). A maioria (84,3%) das lesões foi classificada como 2º grau, e os membros inferiores representaram as áreas mais acometidas, conforme demonstram, respectivamente, as Figuras 3 e 4. As medicações tópicas utilizadas no tratamento encontram-se na Figura 5. O período de internamento foi, em média, de 12,8 dias, sendo o tempo máximo de 171 dias, com realização média de 5,7 desbridamentos por paciente. Em relação às enxertias, foram feitas, em média, 0,2 enxertias e apenas um paciente foi submetido a três enxertias no mesmo internamento. O período médio de realização da primeira enxertia foi de 23 dias de internamento hospitalar, o mais precoce acontecendo no quinto dia e o mais tardio no trigésimo dia. Necessitaram de internamento em UTI, 25,5% dos pacientes, com uma média de permanência de 6,4 dias na unidade, sendo a duração máxima de 18 dias; 7,8% foram internados em unidade semi-intensiva, com média de permanência de 2,8 dias. A complicação mais freqüente foi insuficiência respiratória, como mostra a Figura 6 e antibioticoterapia foi necessária em 55% dos pacientes. A taxa de mortalidade foi de 7,8%.


Figura 1 - Distribuição das queimaduras por sexo.


Figura 2 - Distribuição dos pacientes por procedência.


Figura 3 - Classificação das queimaduras quanto aos graus.


Figura 4 - Distribuição dos segmentos corpóreos comprometidos.


Figura 5 - Medicações tópicas utilizadas.


Figura 6 - Complicações.



DISCUSSÃO

Em relação ao local de ocorrência, os acidentes domésticos lideram com 51%, mantendo concordância com a literatura6,7. Já em relação ao sexo, a clientela maior foi a masculina (72,5%), todavia, um porcentual maior que o de outros serviços analisados8,9 e, isto, provavelmente, deve-se ao fato do nosso serviço ser referência de um grande Pólo Petroquímico (27,5% dos pacientes vieram deste local), onde a maioria dos trabalhadores expostos aos maiores riscos de queimaduras são homens. O principal agente causal foram os líquidos quentes, representando 37,3%, o que está de acordo com as estatísticas analisadas10-13, porém as queimaduras químicas e elétricas contribuíram com 15,7% e 11,8%, respectivamente, porcentuais estes maiores do que os pesquisados na literatura e justificados, também, por este perfil de clientela oriunda do Pólo Petroquímico. Quanto à profundidade, a queimadura de maior freqüência foi a de segundo grau, com média de 26% de área corpórea queimada (queimados médios), o que justificou o internamento da maioria destes em apartamento. Todos pacientes que foram a óbito (7,8%) estavam internados em UTI e a infecção respiratória foi o agente causal. O tempo médio de internamento de 12,8 dias que, quando comparado com a média de superfície de área corpórea comprometida (26,6%), pode ser considerado satisfatório, pois está compatível com outros estudos - como o de Lari et al.14, no qual pacientes com uma média de 30,6% de superfície corpórea queimada (SCQ) tiveram um tempo médio de internamento de 16,7 dias - e abaixo da média obtida por Sjoberg et al.15 de um dia por porcentual de SCQ. O índice de mortalidade de 7,8% pode ser considerado equiparável a estudos da literatura mundial e até baixo, se comparado a estudo de alguns serviços como o de Bariar et al.11, que obtiveram mortalidade geral de 20% para pacientes com 20 a 30% de SCQ, e de Lari et al.14, com mortalidade de 19,6%, para uma média de 30,6% de SCQ. Nossos resultados de mortalidade e tempo de internamento são compatíveis aos de CTQ do Brasil, como o de Brasília (Unidade de Queimados do Hospital Regional da Asa Norte), que teve média de internação de 21 dias e mortalidade de 5,2%, para uma média de 19,1% de SCQ e o CTQ do Hospital da Restauração de Recife, com 17,7 dias de internamento e 9,6% de óbito, levando-nos a crer que embora não disponhamos de uma unidade específica de centro de tratamento de queimados, a sistematização do atendimento num hospital de grande porte, com elevado nível de recursos humanos especializados e terapêuticos, consegue-se resultados semelhantes. Ao longo do período em que realizamos o tratamento de pacientes queimados, mantivemos uma média de 1,7 pacientes internados mensalmente, o que, até o momento, não justifica a criação de um CTQ, haja vista que, segundo as recomendações da International Society for Burns Injuries (ISBI), um CTQ com menos de oito leitos é economicamente inviável.


CONCLUSÃO

Concluímos que houve concordância entre o tratamento de pacientes vítimas de queimaduras em um hospital geral com o dos centros de tratamento de queimados analisados.


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I. Mestre em cirurgia, Especialista membro titular da SBCP, Cirurgião Plástico do Serviço de Cirurgia Plástica do Hospital São Rafael.
II. Especialista membro titular da SBCP, Cirurgião Plástico e Coordenador do Serviço de Cirurgia Plástica do Hospital São Rafael.
III. Especialista membro titular da SBCP, membro titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia de Mão, membro da Sociedade Brasileira de Microcirurgia Reconstrutiva, membro do ISAPS, Cirurgiã Plástica e Regente do Serviço de Cirurgia Plástica do Hospital São Rafael.
IV. Especialista membro associado da SBCP, Cirurgião Plástico do Serviço de Cirurgia Plástica do Hospital São Rafael.
V. Residente do Serviço de Cirurgia Plástica do Hospital São Rafael.


Correspondência para:
Jiuseppe B. Greco Júnior
Rua Valdemar Falcão, 1411 / 701 - Brotas
Salvador - BA - CEP 40295-001
E-mail: grecojr@uol.com.br


Trabalho realizado no Hospital São Rafael, Salvador, BA.

Artigo recebido: 31/07/2007
Artigo aprovado: 09/11/2007

 

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