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Original Article - Year2012 - Volume27 - Issue 1

RESUMO

INTRODUÇÃO: Hematoma é a complicação pós-operatória mais frequente em ritidoplastia. Sua ocorrência aumenta a morbidade e prejudica a recuperação. Pontos de adesão internos para fechamento das áreas descoladas em abdominoplastias evitam o surgimento de seroma. Baseados neste princípio, e com o objetivo de reduzir o número de pacientes com hematomas em ritidoplastia, foi desenvolvida tática cirúrgica análoga em que se confecciona uma rede hemostática de pontos contínuos e transfixantes de náilon 4-0, englobando a pele e o SMAS-platisma.
MÉTODO: Foram incluídos no estudo 366 pacientes consecutivos, submetidos a ritidoplastia de pelo menos o terço médio da face, entre julho de 2009 e setembro de 2011. O grupo A, incluindo os primeiros 120 pacientes avaliados retrospectivamente, foi considerado controle. O grupo B foi constituído pelos demais 246 pacientes, operados com a tática cirúrgica proposta e avaliados prospectivamente. Observaram-se as incidências de hematoma, isquemia e necrose nas primeiras 72 horas de pós-operatório.
RESULTADOS: No grupo A, 17 (14,2%) pacientes apresentaram hematoma, enquanto no grupo B não houve nenhum caso. A tática cirúrgica não aumentou significativamente a ocorrência de isquemia: 11 (9,2%) pacientes no grupo A e 16 (6,5%) no grupo B tiveram essa complicação (P < 0,3964). Também não houve alteração significativa na incidência de necrose, complicação observada em 3 (2,5%) pacientes do grupo A e em 4 (1,6%) do grupo B (P < 0,4298).
CONCLUSÕES: A rede hemostática é método eficaz na prevenção de hematomas precoces em ritidoplastias. Essa tática cirúrgica não levou a aumento significativo da incidência de isquemia e necrose.

Palavras-chave: Hematoma. Ritidoplastia. Face. Necrose. Isquemia.

ABSTRACT

BACKGROUND: Hematoma is the most common postoperative complication of rhytidoplasty. Its occurrence increases morbidity and impairs recovery. Internal sutures to close detached areas are used in abdominoplasty to prevent seromas. Taking this into account and in order to reduce the number of patients with hematomas post rhytidoplasty, we have developed a similar surgical procedure in which a hemostatic net is made of continuous nylon 4-0 transfixing stitches to include the skin and the superficial musculoaponeurotic system-platysma.
METHODS: A total of 366 patients who underwent rhytidoplasty of at least the middle third of the face between July 2009 and September 2011 were included in the study. Group A was identified as the control group; it included the first 120 patients assessed retrospectively. The remaining 246 patients, who underwent the surgical procedure here proposed and who were evaluated prospectively formed group B. We observed the incidence of hematoma, ischemia, and necrosis in the first 72 postoperative hours.
RESULTS: In group A, 17 (14.2%) patients developed hematomas, whereas none occurred in group B. The surgical procedure did not significantly increase the occurrence of ischemia: 11 (9.2%) patients in group A and 16 (6.5%) in group B had this complication (P < 0.3964). There was also no significant increase in the incidence of necrosis, which was observed in 3 (2.5%) patients in group A and 4 (1.6%) in group B (P < 0.4298).
CONCLUSIONS: The hemostatic net is an efficient method for the prevention of early hematomas following rhytidoplasty. This surgical procedure did not result in a significant increase in the incidence of ischemia and necrosis.

Keywords: Hematoma. Rhytidoplasty. Face. Necrosis. Ischemia.


INTRODUÇÃO

Hematoma é a complicação pós-operatória mais frequente em ritidoplastia1-3, podendo ser encontrado em até 8% dos pacientes4. Sua ocorrência prejudica a recuperação pós-operatória, pois está associada a maior incidência de edema e equimose e, em alguns casos, a isquemia, infecção e necrose da área operada1.

Ao longo das últimas quatro décadas, cirurgiões plásticos têm buscado solução para esse problema, sem, no entanto, encontrar uma resposta definitiva. Uso de drenos5,6, aplicação de colas teciduais7-10, infiltração tumescente11 e dissecção com auxílio de instrumentos ultrassônicos12 não se provaram absolutamente eficazes na contenção dos hematomas. Por outro lado, trabalhos que demonstram índice nulo dessa intercorrência o fazem baseados em controle de variáveis clínicas, por vezes de difícil reprodução universal13.

O seroma é um problema também bastante prevalente após outros procedimentos da cirurgia plástica, especialmente abdominoplastia, para o qual os cirurgiões encontraram uma solução eficaz e tecnicamente viável. São os pontos de adesão internos, concebidos por Baroudi & Ferreira14, que levam ao fechamento quase total da área descolada, evitando, assim, eventuais coleções líquidas. Em ritidoplastias, o uso desses pontos internos é dificultado pela dinâmica da tração dos retalhos e pela sua inadequada acomodação sob a pele. Já pontos externos nessas cirurgias foram descritos por Pontes15, com o objetivo de estabilização do retalho.

Com base nesse princípio de fechamento mecânico e compulsório das áreas trabalhadas, como nas abdominoplastias, este trabalho apresenta uma tática cirúrgica na qual uma rede hemostática de pontos contínuos e transfixantes da pele é confeccionada, buscando a obtenção de uma oclusão quase total do espaço operado.


MÉTODO

No período de julho de 2009 a setembro de 2011, 366 pacientes consecutivos com indicação de ritidoplastia foram operados pela mesma equipe cirúrgica, no mesmo hospital. Todos os pacientes foram documentados fotograficamente nos períodos pré-operatório e pós-operatório.

O critério de inclusão no estudo foi a realização de ritidoplastia de pelo menos o terço médio da face, podendo ou não estar associada a blefaroplastia, tratamento endoscópico da região frontal e platismoplastia via submentoniana. Nenhum paciente com essas características foi excluído durante o período do estudo.

Os pacientes foram divididos em dois grupos. No grupo A, foram incluídos os primeiros 120 pacientes do estudo, operados entre julho de 2009 e março de 2010. Esses pacientes foram considerados grupo controle e não foram submetidos à tática cirúrgica proposta. A coleta de dados nesse grupo foi retrospectiva. O grupo B foi composto pelos demais 246 pacientes, em que a cirurgia foi realizada com a tática cirúrgica proposta, entre abril de 2010 e setembro de 2011. Os dados desse grupo foram colhidos prospectivamente.

Foram coletados dados descritivos quanto a idade, sexo, número de ritidoplastias prévias, associação de platismoplastia via submentoniana, blefaroplastia superior e inferior, endoscopia frontal, rinoplastia, cirurgia de contorno corporal (mamoplastia redutora ou de aumento, abdominoplastia e lipoaspiração), tabagismo e hipertensão.

Todos os pacientes foram observados quanto à ocorrência de hematoma, isquemia e necrose nos primeiros 3 dias de pós-operatório. Hematoma, conforme definido previamente4,16, constitui coleção de sangue com mais de 30 ml, que necessita de drenagem operatória em centro cirúrgico. Isquemia foi definida clinicamente como área de 1 cm2 (ou mais) com coloração arroxeada, onde o teste de enchimento capilar à compressão digital e à punção com agulha demonstrou lentidão se comparado à área adjacente de coloração normal. Necrose foi definida como área enegrecida de 1 cm2 (ou mais), em que não havia perfusão, conforme os critérios descritos anteriormente.

Todos os pacientes assinaram termo de consentimento informado. Os pacientes do grupo B (e, sempre que possível, seus familiares) receberam, previamente à operação, orientações a respeito da tática cirúrgica proposta, com auxílio de vídeos e fotos.

Este trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Sociedade Evangélica Beneficente de Curitiba, em 21 de julho de 2009.

Técnica cirúrgica e tática proposta

Todos os pacientes foram anestesiados pelo mesmo grupo de cinco anestesiologistas (a designação foi feita aleatoriamente, baseada na escala semanal do serviço de anestesiologia). A anestesia aplicada foi local sob sedação.

A sedação foi realizada pela combinação de midazolan, quetamina, propofol e fentanil17. Clonidina também foi usada, na maior parte dos pacientes, durante a indução anestésica, para melhor controle pressórico18. Cefalexina (1 g) e dexametasona (10 mg) endovenosas foram aplicadas na indução anestésica.

Após indução, os pacientes foram infiltrados localmente com duas soluções anestésicas, de maneira tumescente16. A primeira, para uso nas incisões e mais concentrada, foi composta por 20 ml de lidocaína 2%, 10 ml de ropivacaína 1%, 220 ml de soro fisiológico 0,9% e adrenalina 1:400.000. A segunda, para uso nas áreas de dissecção e menos concentrada, foi preparada com 20 ml de lidocaína 2%, 10 ml de ropivacaína 1%, 470 ml de soro fisiológico 0,9% e adrenalina 1:500.000. Dependendo da área da face, parte dessas soluções não foi utilizada. Os dois lados da face foram infiltrados antes do início da cirurgia.

A profilaxia de trombose venosa profunda foi feita com o uso de dispositivo de compressão intermitente nos períodos trans e pós-operatório até o paciente deambular, o que ocorreu, na maioria dos casos, 12 horas após a cirurgia. O uso de meia elástica foi indicado do transoperatório ao 15º dia de pós-operatório. O uso de enoxaparina subcutânea nos períodos pré, trans e pós-operatório obedeceu à indicação específica restrita, conforme histórico pessoal e familiar de risco para trombose venosa profunda19,20.

A técnica cirúrgica foi executada conforme previamente descrita21,22. Realizou-se ritidoplastia de terço médio, com incisão pré-capilar, com cicatriz estendida retroauricular. O sistema musculoaponeurótico superficial (SMAS, do inglês superficial musculoaponeurotic system) em terço médio foi tratado com plicatura ou ressecção e sutura. Nenhum paciente foi tratado com a confecção de retalho de SMAS. Eventual plicatura lateral do SMAS-platisma foi realizada. Houve associação de tratamento endoscópico frontal e de platismoplastia via submentoniana (com plicatura do músculo platisma), quando indicados. A ordem de execução nesses casos foi, em primeiro lugar, a endoscopia frontal seguida do tratamento do pescoço e, por fim, a execução do terço médio.

A dissecção no pescoço e no terço médio, sempre ampla, foi realizada com tesoura de Metzenbaum. No pescoço, procurou-se liberar a última prega cutânea inferior. O terço médio direito foi executado antes do esquerdo. O limite da dissecção anterior nessa região obedeceu a uma linha longitudinal, passando pelo canto externo do olho, certificando-se que houve liberação adequada dos ligamentos dérmicos. Hemostasia com eletrocautério (Electrosurgical Generator SS-200A, WEM, Ribeirão Preto, SP, Brasil) foi realizada predominantemente em vasos maiores, evitando-se a cauterização do retalho.

Tática cirúrgica proposta

Após tração e fixação do retalho dermogorduroso do lado direito, e aproveitando a posição da cabeça lateralizada para a esquerda, inicia-se a confecção da rede hemostática. Essa rede é realizada com pontos contínuos, que objetivam o fechamento compulsório do espaço virtual gerado na dissecção da pele no terço médio e no pescoço. O fio utilizado é o mononáilon 4-0, com agulha triangular de 30 mm (mononáilon ethilon 4-0, número de catálogo 1170, Ethicon, São José dos Campos, SP, Brasil). Em casos de pacientes com pele muito fina, pode-se, alternativamente, utilizar o fio de náilon 5-0 (mononáilon ethilon, Ethicon, São José dos Campos, SP, Brasil).

Inicia-se a primeira linha da rede na parte mais medial e inferior da dissecção do pescoço, independentemente de a via submentoniana ser utilizada (Figura 1). A passagem da agulha deve seguir um padrão uniforme, transfixando perpendicularmente a pele, mergulhando no SMAS-platisma a 45 graus e emergindo na mesma angulação, numa distância de 0,8 cm a 1 cm do ponto de entrada (Figura 2). A sutura deve ser contínua e entre as passagens do fio deve-se manter também uma distância de 0,8 cm a 1 cm (Figura 1). Esse espaçamento e uma leve tração do fio pelo auxiliar garantem que, ao voltar a cabeça para a posição medial, os pontos não fiquem frouxos. O SMAS-platisma é englobado em cada passagem da agulha, determinando seu contato com a pele e o subsequente fechamento do espaço.


Figura 1 - A rede hemostática é iniciada no ponto mais inferior do descolamento do pescoço, respeitando uma distância de 1 cm entre as passagens do fio. A área com tom mais escurecido corresponde ao descolamento da face.


Figura 2 - A agulha entra a 45 graus, engloba o SMAS-platisma e emerge a 45 graus.



A primeira linha de pontos deve terminar na porção mais posterior da incisão retroauricular. A segunda linha inicia-se cerca de 1 cm acima, seguindo paralela à primeira, e assim sucessivamente até que todas as áreas descoladas estejam cobertas pela rede hemostática (Figuras 3 a 5).


Figura 3 - A rede hemostática se estabelece de modo paralelo no sentido superior.


Figura 4 - Toda a hemiface já com a rede hemostática confeccionada.


Figura 5 - A rede hemostática também é colocada na região do pescoço, garantindo o fechamento da área descolada.



Terminado o lado direito, o esquerdo é então dissecado e tracionado. A rede hemostática é confeccionada da mesma maneira que no lado oposto.

Os pacientes do grupo A receberam um dreno tubulolaminar Jackson-Pratt 15 F (Jac-Cell Medic, Lachine, Canadá) em cada lado da face. Pacientes do grupo B, nos quais foi confeccionada a rede hemostática, não foram drenados.

A sutura da pele é feita com grampos cirúrgicos (Proximate, Ethicon Endo Surgery, Cincinnati, Estados Unidos) na região sobre a projeção da apófise mastoide e no couro cabeludo retroauricular; com pontos de náilon 5-0 (mononáilon ethilon 5-0, Ethicon, São José dos Campos, SP, Brasil) na região retroauricular e no lóbulo; e com pontos de poliglecaprone 4-0 (monocryl 4-0, Ethicon, São José dos Campos, SP, Brasil) nas regiões pré-auricular e pré-capilar.

Os pacientes permaneceram internados por 48 horas, rotineiramente. Durante esse período, curativo oclusivo (enfaixamento leve) foi mantido, com troca em 24 horas. Duas a três horas antes da alta, no segundo dia de pós-operatório, o curativo e a rede hemostática foram removidos. Como em pontos simples de pele, cada alça da rede foi cortada e retirada individualmente.

Com a descrição da tática cirúrgica, é natural a preocupação com a qualidade da cicatrização no local de entrada da agulha para a confecção da rede hemostática. Para verificar essa qualidade, pacientes do grupo B foram avaliados ao final do primeiro e do terceiro meses de pós-operatório quanto à presença ou ausência de hiper e hipopigmentação da pele.

Análise estatística

Os resultados foram analisados usando o teste exato de Fisher. Estabeleceu-se P < 0,05 ou 5% para rejeição da hipótese de nulidade.


RESULTADOS

A média de idade dos pacientes no grupo A foi de 55,4 anos, variando de 33 anos a 77 anos, enquanto no grupo B foi de 54,1 anos, variando de 34 anos a 75 anos. A maior parte dos pacientes operados era do sexo feminino, sendo 109 (90,8%) no grupo A e 229 (93,1%) no grupo B. A maior parte dos pacientes não era fumante ou hipertensa e realizava a cirurgia pela primeira vez (Tabela 1).




As Figuras 6 a 11 ilustram a evolução pós-operatória de uma paciente de 49 anos submetida a ritidoplastia, videoendoscopia frontal, blefaroplastia superior e inferior, platismoplastia via submentoniana e rinoplastia. A rede hemostática foi utilizada nessa paciente.


Figura 6 - Pré-operatório de paciente do sexo feminino. O planejamento cirúrgico incluiu ritidectomia, videoendoscopia frontal, blefaroplastia superior e inferior, platismoplastia via submentoniana e rinoplastia. Essa paciente foi submetida a rede hemostática.


Figura 7 - Aspecto da paciente 24 horas após a cirurgia.


Figura 8 - Paciente no 4º dia de pós-operatório. Notam-se os pontos de entrada da agulha com cicatrização em curso.


Figura 9 - Paciente no 8º dia de pós-operatório. A maior parte dos pontos de entrada da agulha já apresenta epitelização completa.


Figura 10 - Paciente no 24º dia de pós-operatório, com discreta hiperpigmentação nos pontos de entrada da agulha.


Figura 11 - Aspecto da paciente no 5º mês de pós-operatório.



No grupo A, 102 (85%) pacientes foram também submetidos a platismoplastia via submentoniana e 101 (84,2%), a endoscopia frontal. No grupo B, essa associação foi observada em 233 (94,7%) e 212 (86,2%) pacientes, respectivamente (Tabelas 2 e 3).






Blefaroplastia superior e inferior foi realizada em 37 (30,8%) pacientes do grupo A e em 121 (49,2%) do grupo B. Não se realizou blefaroplastia em 53 (44,2%) pacientes do grupo A, o mesmo ocorrendo em 63 (25,6%) do grupo B (Tabela 4).




Outras cirurgias realizadas concomitantemente também foram avaliadas, sendo a rinoplastia a mais frequente (Tabela 5).




No grupo A, 17 (14,2%) pacientes desenvolveram hematomas nas primeiras 72 horas. Já no grupo B, em que a rede hemostática foi usada, nenhum paciente desenvolveu essa complicação (P < 0,00000) (Tabela 6).




Isquemia foi observada em 11 (9,2%) pacientes do grupo A, incidência superior à obtida no grupo B (6,5%; 16 pacientes). Essa diferença não foi estatisticamente significante (P < 0,3964) (Tabela 7).




Necrose foi observada em 3 (2,5%) pacientes do grupo A e em 4 (1,6%) do grupo B. Essa diferença não foi estatisticamente significante (P < 0,4298) (Tabela 8). As Figuras 12 e 13 apresentam duas pacientes que exemplificam o comportamento similar de necrose em ritidoplastia, sem e com o uso da rede hemostática, respectivamente.




Figura 12 - Em A, paciente com necrose em região periauricular após ritidoplastia sem uso da rede hemostática. Em B, a mesma paciente 2 anos após a cirurgia.


Figura 13 - Em A, paciente com necrose em região periauricular após ritidoplastia com uso da rede hemostática. Em B, a mesma paciente 1 ano e 1 mês após a cirurgia.



Hiperpigmentação na área dos pontos foi observada em 42 (17,1%) pacientes que receberam a rede hemostática. Esse sintoma teve resolução em três meses, em média. Em alguns pacientes, foi utilizado um clareador à base de hidroquinona a 2% após o primeiro mês de pós-operatório, para acelerar a recuperação. A paciente da Figura 14 ilustra essa situação: com um mês de cirurgia ela apresentava hiperpigmentação na região do pescoço onde os pontos foram aplicados. Três meses após, essa hipercromia havia desaparecido.


Figura 14 - Paciente submetida a ritidoplastia com uso da rede hemostática. Em A, paciente com 1 mês de pós-operatório e hiperpigmentação na região do pescoço. Em B, a mesma paciente com 3 meses de evolução, com a hiperpigmentação resolvida.



Hipopigmentação persistente foi encontrada em 3 (1,2%) pacientes. A paciente da Figura 15 ilustra essa ocorrência.


Figura 15 - Paciente no 4º mês de pós-operatório, apresentando pontos de hipopigmentação na região de pescoço na projeção da rede hemostática.



DISCUSSÃO

A ocorrência de hematoma dificulta a evolução no pós-operatório de ritidoplastia, por levar a mais edema e fibrose1-4. Em hematomas de grande volume, muitas vezes encontrados quando o diagnóstico é mais tardio que o desejado, podem ocorrer isquemia e necrose do retalho dermogorduroso, o que pode comprometer seriamente o resultado final da cirurgia.

O índice de hematoma do grupo controle (14,2%), apesar de considerado alto comparativamente às incidências descritas por outros autores (até 8%), deve ser considerado à luz da amplitude do descolamento realizado. Enquanto a maior parte dos trabalhos publicados indica níveis bem mais baixos de tratamento do pescoço por via anterior, neste trabalho 85% dos pacientes do grupo controle e 94,7% do grupo com a rede hemostática foram submetidos a platismoplastia via submentoniana. Como já observado em estudo que avaliou 1.078 pacientes, essa associação é o fator individual mais associado a hematoma, com risco relativo da ordem de 4,3, à frente de hipertensão arterial, sexo, uso de ácido acetilsalicílico e tabagismo23. Nesse estudo23, 26 (13,4%) dos 194 pacientes submetidos a platismoplastia via anterior apresentaram hematoma, taxa semelhante à do presente estudo.

Hematoma é complicação que normalmente gera estresse emocional para o paciente e desgaste para o cirurgião e sua equipe. Não seria exagerado afirmar que, para muitos cirurgiões plásticos, a realização da cirurgia de face sem hematoma tornou-se uma busca pelo cálice sagrado.

Uma solução nesse nível foi encontrada para o seroma em abdominoplastias14,24. Os pontos de adesão internos nessa cirurgia modificaram o modo com que os cirurgiões tratam a região operada. O paradigma do uso de drenos foi transformado por muitos, optando-se simplesmente por não usar drenos.

Movidos pelo objetivo de obter índices nulos de hematomas, encorajados pelos resultados dos pontos de adesão em abdominoplastias14 e inspirados pelo uso de pontos transfixantes para estabilização de retalhos em ritidoplastias15, há aproximadamente 6 anos os autores deste estudo começaram a desenvolver a ideia da rede hemostática. Anteriormente, pacientes que se apresentavam com hematomas de pequeno porte eram drenados tradicionalmente à beira do leito, conforme técnicas previamente estabelecidas25,26. Hematomas de grande porte eram levados ao centro cirúrgico, para realização de drenagem pela abertura dos pontos de aproximação da pele e cauterização de eventuais vasos sangrantes.

Há 6 anos, esse tratamento foi modificado. Inicialmente, hematomas menores (áreas localizadas de até 5 cm de diâmetro) e recidivantes foram tratados com a colocação de pontos transfixantes, para estabilizar a pele e fechar o espaço virtual, evitando-se a formação de novas coleções. Essa tática resolveu esses hematomas, sem a ocorrência de isquemia ou necrose, e com boa evolução cicatricial nos locais de aplicação dos pontos, mantidos por até 48 horas.

Com a confiança adquirida, os autores expandiram o uso terapêutico desses pontos, já em forma de rede hemostática, para pacientes com hematomas de grande volume, acometendo, por exemplo, todo um lado da face. Na verdade, 15 dos 17 pacientes que apresentaram hematoma no grupo controle deste estudo (grupo A) foram tratados dessa maneira. Essa experiência levou os autores a um passo mais ousado: usar a rede hemostática preventivamente e não apenas como forma de tratar o hematoma.

Para tanto, estabeleceu-se a rotina para a tática cirúrgica, descrita neste trabalho. Os resultados permitem afirmar que a rede hemostática previne a ocorrência de hematoma nas primeiras 72 horas de pós-operatório. O mecanismo que garantiu essa conclusão pode ser a combinação de alguns fatores, entre eles a obliteração total dos espaços, a pressão da pele sobre o SMAS-platisma e a estabilidade do retalho.

Também observou-se que a rede não acarretou maior incidência de isquemia ou de necrose, duas complicações naturalmente temidas ao se aplicar pontos sobre um retalho. Nesse aspecto, alguns detalhes técnicos devem ser considerados. Em primeiro lugar, no grupo com a rede, abdicou-se de cauterizar exaustivamente a região descolada. Essa cauterização pode, especialmente nos pacientes que sangram mais, levar a comprometimento da circulação. Em segundo lugar, cirurgias com amplas dissecções, como as executadas neste estudo, devem garantir retalhos espessos e regulares o suficiente para manter boa perfusão. As áreas dos ligamentos ósteo e musculocutâneos e a região retroauricular são os pontos em que, com maior frequência, se compromete a rede vascular. Assim, a experiência do profissional pode fazer diferença no sentido de preservar a vascularização do retalho. Por esses motivos, parece relevante que a tática proposta seja empregada por cirurgiões que confiem na qualidade dos retalhos a serem por eles dissecados.

Apesar de a variável edema pós-operatório não ter sido avaliada sistematicamente, verificou-se, empiricamente, que houve melhora nos pacientes do grupo B quando comparados aos do grupo A. Um futuro estudo em fase de planejamento poderá confirmar essa impressão inicial.

Um questionamento natural que paciente e acompanhante(s) fazem a respeito da rede hemostática é sobre seu aspecto visual incomum e a possibilidade de deixar marcas permanentes sobre a pele. Nesse sentido, a rotina de um curativo oclusivo durante o período de internação (48 horas) ajuda na aceitação da tática, além de captar pequenos extravasamentos sanguíneos das cicatrizes.

Quanto à evolução cicatricial dos pontos, pode-se observar que, desde os primeiros casos em que a rede era usada como tratamento para hematoma, a hiperpigmentação foi eventual e transitória. Os poucos casos de hipopigmentação não tiveram maior repercussão para os pacientes, pois ocorreram de forma pouco perceptível, principalmente na região retroauricular.


CONCLUSÕES

A rede hemostática é método eficaz na prevenção de hematomas precoces em ritidoplastias. Essa tática cirúrgica não levou a aumento significativo da incidência de isquemia e necrose.


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1. Cirurgião plástico, mestre em Cirurgia, membro titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP), Curitiba, PR, Brasil.
2. Cirurgião plástico, membro titular da SBCP, Curitiba, PR, Brasil.
3. Doutora em Cirurgia Experimental pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), São Paulo, SP, Brasil, professora associada do Departamento de Cirurgia da Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR, Brasil.

André Auersvald
Alameda Presidente Taunay, 1.756
Curitiba, PR, Brasil - CEP 82030-590
E-mail: andreauersvald@uol.com.br

Artigo submetido pelo SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da RBCP.

Artigo recebido: 10/11/2011
Artigo aceito: 28/1/2012

Trabalho realizado no Hospital Lipoplastic, Hospital de Cirurgia Estética e Reparadora, Curitiba, PR, Brasil.

 

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