ISSN Online: 2177-1235 | ISSN Print: 1983-5175

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Original Article - Year2014 - Volume29 - Issue 2

http://www.dx.doi.org/10.5935/2177-1235.2014RBCP0053

RESUMO

INTRODUÇÃO: O aprendizado de técnicas de sutura é um pilar importante na atuação do médico generalista, porém, muitas vezes o treinamento desses é limitado durante a graduação de medicina.
MÉTODO: Através do Curso Teórico-Prático de Suturas, oferecido pela Liga e pelo Serviço de Cirurgia Plástica e Microcirurgia Reconstrutiva, são realizadas atividades teóricas-práticas com carga horária de 20 horas utilizando línguas de boi para treinamento de estudantes de medicina. Tem-se o objetivo neste trabalho de apresentar a rotina utilizada para fornecer embasamento teórico-prático na realização de procedimentos de sutura, como também os resultados obtidos que demonstram o aproveitamento do curso por parte de seus participantes.
RESULTADO: Os alunos da 8ºedição do curso de suturas foram avaliados através de questionários, obtendo conceito muito bom em quesitos como motivação e compreensão das aulas, relação teórico-prática e outros.
CONCLUSÃO: O modelo deste curso de sutura mostrou-se como uma importante ferramenta na formação acadêmica, cumprindo os objetivos propostos.

Palavras-chave: Suturas; Modelo de treinamento; Técnica cirúrgica; Cirurgia plástica.

ABSTRACT

INTRODUCTION: Learning suture techniques is a major pillar in the development of a general practitioner. However, training in these skills is often limited during undergraduate medical education.
METHOD: The League and the Plastic Surgery and Reconstructive Microsurgery Service offer a 20-hour course in Theoretical and Practical Suturing for medical students, using ox tongues for training. This study describes the approach to a theoretical and practical basis for suture procedures, and the resulting application by the participants.
RESULT: Students in the eighth session of the suturing course were evaluated through questionnaires, yielding good information on issues such as motivation and comprehension, theoretical-practical relationships, and others.
CONCLUSION: This suture course model was an important tool in academic education, and met the desired goals.

Keywords: Sutures; Training model; Surgical technique; Plastic surgery.


INTRODUÇÃO

As suturas são procedimentos de extrema relevância no dia-a-dia médico; contudo, a maioria dos estudantes não desenvolve habilidades cirúrgicas básicas e satisfatórias durante a sua formação acadêmica1-5. Dessa forma, faz-se mister complementar o ensino curricular da graduação no que diz respeito a pequenos procedimentos cirúrgicos.

O ensino baseado somente com aulas teóricas, não atinge o nível necessário de aprendizado requerido por um acadêmico de medicina na prática cirúrgica6,7. Por isso, sua formação deve ser complementada com aulas práticas na graduação. Contudo, as atividades práticas de treinamento com pacientes infringem aspectos morais, éticos e legais8; por esse motivo o Curso Teórico-Prático de Suturas tem como objetivo de apresentar de forma didática e coesa a abordagem longitudinal dos temas propostos, instruindo, de maneira prática e teórica, acadêmicos de medicina em técnicas presentes durante toda vida médica e que muitas vezes são abordados de forma superficial durante a graduação.

O curso contempla alunos de qualquer ano da graduação que buscam aprimoramento e, até mesmo, conhecimento dos diversos tipos de suturas e suas aplicações. Até o momento, participaram 480 alunos ao longo de oito edições em três anos.


OBJETIVO

Objetivo do estudo é demonstrar a rotina do Curso Teórico-Prático de Suturas realizado pela Liga de Cirurgia Plástica (LCP) do Serviço de Cirurgia Plástica e Microcirurgia Reconstrutiva da Universidade Federal do Ceará que contempla, no âmbito geral, fornecer embasamento técnico para correta utilização de dispositivos de sutura, complementando a formação cirúrgica do acadêmico de medicina; no âmbito específico, visa apresentar aulas teóricas com ênfase em aplicação da sutura e oferecer treinamento supervisionado por monitores em técnicas de sutura em peças animais de experimentação, sendo assim, uma eficaz alternativa de treinamento para o graduando.


MÉTODO

As atividades do curso de suturas ocorrem ao longo de dezesseis aulas, compreendendo uma carga horária de 20 horas, durante duas semanas (Figura 1).


Figura 1. Atividade prática realizada durante o Curso Teórico-Prático de Suturas



Inicialmente, há uma sistematização das aulas para que haja um embasamento teórico por parte dos alunos, sendo primeiramente apresentadas as aulas teóricas sobre a técnica de instrumentação cirúrgica, a escolha dos fios, nós e sutura, a propedêutica utilizada à frente dos diversos tipos de ferimento, como também a evolução cicatricial desses.

Posteriormente, são feitas as aulas teóricas-práticas, intimamente relacionadas à aprendizagem das diversas técnicas realizadas no curso. São apresentadas para o acadêmico as características marcantes de cada ponto, envolvendo assim suas indicações, vantagens e desvantagens. Logo em seguida é feita a aplicação destas no âmbito prático, onde os alunos são distribuídos em grupos de sete com a supervisão de um monitor, sendo então realizadas as aulas sobre cada uma dessas técnicas, em modelos animais (língua bovina), assim como a aplicação de anestesia local e a retirada em fuso de lesões de pele (Quadro 1).




Para a prática da tenorrafia, foram desenvolvidas máquinas adaptadas às características deste tipo de sutura, contemplando as propriedades do tecido a ser reconstruído, como também a elasticidade do tendão. O material animal utilizado para tal prática consiste em um tendão flexor dissecado a partir das patas de porco utilizadas para as demais suturas, aumentando a verossimilhança do método com a realidade. (Figura 2)


Figura 2. Atividade de treinamento em tenorrafia



A cada participante é disponibilizado um kit contendo o material instrumental para a realização das técnicas propostas, sendo esse composto por: pares de luvas de procedimentos, fios nylon 3.0, porta-agulha Mayo-Hegar, pinça dente de rato, tesoura de fios e bisturi cabo 3 (Figura 3). O modelo utilizado para simular a sutura é feito em peças animais (línguas de boi) (Figura 4).


Figura 3. Instrumentos cirúrgicos oferecidos aos alunos.


Figura 4. Realização de sutura em ponto simples no modelo utilizado (língua de boi).



Buscando avaliar a qualidade das atividades propostas, foi aplicado questionário de análise qualitativa em uma amostra de 40 participantes da edição do curso realizado em junho de 2013, sendo eles perguntados sobre diversos âmbitos da atividade, devendo qualificá-los de 0 a 10, sendo atribuídas qualidades a esses valores, (0-2,0 = Muito ruim, 2,1-4,0 = Ruim, 4,1-6,0 = Regular, 6,1-8,0 = Bom, 8,1- 10 = Muito bom) (Quadro 2).




RESULTADOS

A cada participante da oitava edição do curso teórico-prático de suturas foi distribuído um questionário avaliando qualitativamente pontos chave relacionados às atividades. (Figura 1)


Figura 1. Médias obtidas após avaliação qualitativa das atividades do curso.



Quando avaliada a motivação e compreensão dos participantes em relação dos assuntos abordados, obteve-se uma média de 9,2 pontos nesse quesito, qualificado então como Muito bom.

Em seguida, foi questionado se as explicações realizadas durante a parte prática foram elucidativas em relação a teoria, onde a média das respostas foi de 9,4 (Muito Bom). Esse quesito elucidou para os facilitadores das atividades práticas a importância dessas ações; esses, quando foram avaliados em relação ao domínio do conteúdo e da técnica apresentada obtiveram média de 9,3 pontos (Muito Bom).

Ao avaliar-se a relação número de instrutores/alunos, obteve-se uma média de 8,0 pontos.

Quando questionados sobre a confiança em participar de um estágio emergência onde necessitariam do conhecimento apresentado, 100% responderam que sim, demonstrando a importância dessa atividade.


DISCUSSÃO

Na literatura atual encontram-se diversos modelos para treinamento de suturas. Muitas vezes, essas são treinadas em substitutos de pele (pele suína, pele de galinha9, ou EVA - Etileno Acetato de Vinila), mas estes modelos, porém, são insuficientes para a prática de alguns tipos de sutura tegumentar por sua diferença em relação à pele humana4. O uso de cadáveres no treinamento de cirurgia demonstra bom aproveitamento tanto no aprendizado de anatomia para procedimento cirúrgico, como também no treinamento de diversas técnicas que são limitadas em modelos animais10. Entretanto, para tal atividade é necessária uma parceria com institutos médico-legais e, devido ao número de alunos que participam no curso, essa parceria não se encontra disponível em nosso meio.

Como estabelecido nas Diretrizes e Normas Regulamentadoras de Pesquisas Envolvendo Seres Humanos (Resolução 196/96), treinamentos e pesquisas envolvendo seres humanos somente devem ser realizados nestes quando o conhecimento que se pretende obter não possa ser adquirido por outro meio11. O treinamento com animal de experimentação é sem dúvida fase essencial no aprendizado da técnica cirúrgica12, mas apresenta dificuldades a ele inerentes como alto, custo, instalações especiais, biotério e pessoal qualificado e treinado para manutenção dos animais7, além de envolver cada vez mais discussões de caráter ético relacionado à prática cirúrgica em animais.

Logo, busca-se através de modelos de alta fidelidade (peças animais - línguas de boi) atingir os objetivos de aprendizagem das técnicas de sutura. No curso faz-se uso de línguas de boi como peça para as práticas cirúrgicas. Camello-Nunes et al., relata o uso do mesmo matéria biológico para o treinamento de enxertos e retalhos - técnicas básicas da cirurgia plástica - por oferecerem maior similaridade com a pele humana e por permearem a realização de todas as técnicas propostas, o que não é possível nos modelos de baixa fidelidade13. Franco et al refere que o uso de língua bovina obteve maior fidelidade às condições de manuseio de instrumentos, e à percepção adequada dos tecidos quando comparado com o modelo, previamente, utilizado de pés de porco2. O treinamento em modelo e o protocolo proposto neste trabalho apresentam baixo custo, como priorizado por diversos autores14.

Apesar de existirem relatos na literatura da relação instrutor/alunos ser ideal em um número de 1 instrutor para 4 alunos15, encontramos limitações em nosso espaço físico para obter tais valores, entretanto, não observamos maiores dificuldades por parte dos alunos nem dos instrutores em sua conexão ensino-aprendizagem relacionadas ao menor número de instrutores disponíveis na atividade.

De uma forma geral, há uma mudança no grupo em que se observa a necessidade de treinamento de suturas; originalmente, os modelos de bancada eram reservados a residentes recém-ingressos nos programas de cirurgia geral, entretanto, a presença desses modelos na vida do graduando de medicina é cada vez mais recorrente15, o que implica em diversos questionamentos, como onde encaixá-los na, já atribulada, grade do curso de medicina e também como suprir a necessidade de recursos financeiros para o desenvolvimento de tais atividades. Por ser uma atividade extracurricular, que ocorre em horários livres dos estudantes e por ter auxílio financeiro da Liga e do Serviço de Cirurgia Plástica e Microcirurgia Reconstrutiva, esses impasses encontram-se solucionados em nosso meio.


CONCLUSÃO

Sabe-se que a habilidade de um cirurgião está intimamente correlacionada com os resultados obtidos durante um procedimento e no seu pós-operatório, devendo, esse, buscar cada vez mais aprimoramento de suas técnicas. Dessa forma, tem-se na prática com modelos animais uma forma de aprendizado de fácil acesso e baixo custo para estes fins.

O presente modelo, apesar de ser apresentado em um curto período de vinte horas, mostra-se como importante ferramenta no arsenal de formação do acadêmico, cumprindo, no decorrer de suas aulas, os objetivos propostos.

Visto a satisfação dos participantes em relação ao apresentado e ao conhecimento adquirido durante o período de atividades, temos que o aproveitamento delas na vida acadêmica são muito importantes.


REFERÊNCIAS

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5 Magalhães HP. Cirurgia - Conceituação Geral e Divisão. In: Magalhães, Técnica Cirúrgica e cirurgia experimental. São Paulo, Sarvier, 1983. p.7-9.

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11. Conselho Nacional de Saúde - Resolução 196/96, Diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos.

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15. Dubrowski A, MacRae H. Randomised. Controlled study investigating the optimal instructor: student ratios for teaching suturing skills. Med Educ. 2006;40:59-63.










1 - Cirurgião Geral - Médico Residente do Serviço de Cirurgia Plástica e Microcirurgia Reconstrutiva do Hospital Universitário Walter Cantídio da Universidade Federal do Ceará, Fortaleza-CE, Brasil; Membro Aspirante da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica - SBCP
2 - Membro Titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica - SBCP. - Regente do Serviço de Cirurgia Plástica e Microcirurgia Reconstrutiva do Hospital Universitário Walter Cantídio da Universidade Federal do Ceará, Fortaleza-CE, Brasil
3 - Membro Titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica - SBCP - Cirurgião Plástico Preceptor do Serviço de Cirurgia Plástica e Microcirurgia Reconstrutiva do Hospital Universitário Walter Cantídio da Universidade Federal do Ceará, Fortaleza-CE, Brasil
4 - Membro Especialista da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica - SBCP - Cirurgiã Plástica Preceptora do Serviço de Cirurgia Plástica e Microcirurgia Reconstrutiva do Hospital Universitário Walter Cantídio da Universidade Federal do Ceará, Fortaleza-CE, Brasil
5 - Acadêmica de Medicina da Universidade Federal do Ceará, Fortaleza-CE, Brasil - Membro da Liga de Cirurgia Plástica e Microcirurgia Reconstrutiva Dr. Germano Riquet
6 - Acadêmica de Medicina da Universidade Federal do Ceará, Fortaleza-CE, Brasil. - Membro da Liga de Cirurgia Plástica e Microcirurgia Reconstrutiva Dr. Germano Riquet

Instituição: Serviço de Cirurgia Plástica e Microcirurgia Reconstrutiva do Hospital Universitário Walter Cantídio, Fortaleza-CE, Brasil.

Autor correspondente:
Caio Alcobaça Marcondes
Rua Arquiteto Reginaldo Rangel, N° 155, apt. 1901, Bairro: Cocó
CEP: 60192-320. Fortaleza-CE, Brasil
Email: caio_alcobaca@hotmail.com

Artigo submetido: 10/1/2014
Artigo aceito: 1/6/2014

 

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