ISSN Online: 2177-1235 | ISSN Print: 1983-5175

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Articles - Year2003 - Volume18 - Issue 3

RESUMO

A avulsão de couro cabeludo apresenta-se como lesão devastadora aos pacientes acometidos, tanto na esfera orgânica e funcional quanto na psicológica. O advento da microcirurgia e a realização do primeiro reimplante por Miller, em 1976, revolucionaram o manejo da avulsão de couro cabeludo, tornando-se o tratamento de escolha sempre que possível.
Este estudo visa a apresentação da experiência dos últimos 7 anos da Disciplina de Cirurgia Plástica da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e a comparação com os dados da literatura, a fim de padronizar um atendimento para os casos em questão e obter o melhor resultado possível.
A casuística apresentada perfaz 6 pacientes do sexo feminino com avulsão do couro cabeludo e idade variando entre 9 e 29 anos. O tempo de isquemia quente oscilou entre 9 e 25 horas (média de 14 horas). O sucesso foi total em 4 casos, parcial (40%) em 1 caso e ocorreu perda do reimplante no caso restante.
Com as técnicas atuais e a estrutura disponível nos centros especializados, faz-se possível o adequado manejo das avulsões de couro cabeludo através do reimplante microcirúrgico, obtendo-se resultados adequados e superiores às opções oferecidas previamente.

Palavras-chave: Microcirurgia; avulsão; reimplante; couro cabeludo; trauma cranioencefálico

ABSTRACT

Scalp avulsion is a devastating physical, fururional, and psychological injury to patients. The emergence of surgery and the first replantation by Miller; in 1976, was a major break through in the management of scalp avulsion that became the treatment of choice, whe never possible. This study aims to present the 7 last years of experience of the Discipline of Plastic Surgery of the Medical School of the University of São Paulo and to compare it with the literature, so as to standardize the carefor the cases here in addressed and thus achieve the bestpossible results. The cases presented consist of 6 female patients with scalp avulsion, their ages ranging between 9 and 29 years. Warm ischemia time ranged between 9 and 25 hours (average 14 hours). Four cases were totally successful, one case was partially successful (40%), and the remaining cases lost the replantation. The current techniques and the structure available in specialized facilities enable the appropriate management of avulsed scalps through microsurgical replantation, thus leading to satisfactoty results that are superior to the previously available options.

Keywords: Surgery; avulsion; replantation; scalp; cranioencephalic trauma


INTRODUÇÃO

A avulsão de couro cabeludo é entidade rara, porém com repercussões graves, tanto pelo mecanismo de lesão quanto pelas conseqüências psicológicas e sociais que dela advêm.

Do ponto de vista fisiopatológico, a avulsão de couro cabeludo é decorrente da preensão e tração oblíqua dos cabelos por maquinários do tipo rotatório ou de tração, enquanto a tração perpendicular ao couro cabeludo resulta somente no arrancamento dos cabelos. É mais comum em ambiente de trabalho, em conseqüência da falta de utilização de proteção adequada, e em pacientes do sexo feminino, pela presença mais comum de cabelos longos.

As forças envolvidas causam o arrancamento dos tecidos, que pode se limitar ao couro cabeludo ou atingir outras regiões, como a fronte, sobrancelhas, orelhas e regiões inferiores da face, dificultando ainda mais os procedimentos de reconstrução.

Com relação à profundidade da avulsão, o mais comum é o arrancamento ao nível subgaleal, porém nos casos de maior força de tração, observa-se a avulsão subperiostal e mesmo de partes da calota craniana, não sendo incomum a associação com traumas cranioencefálicos(1).

O tratamento definitivo sofreu grande mudança após o aperfeiçoamento e a padronização das técnicas de reimplante microcirúrgico. Previamente à década de 70, o tratamento usual consistia na cobertura com enxertos de pele, levando à alopécia definitiva e maior risco de ulceração. Em 1976, Miller e cols.(2) relataram o primeiro caso de reimplante microcirúrgico com sucesso, encorajando a utilização da técnica, que se tornou o tratamento de escolha. As demais opções terapêuticas eram reservadas para os casos de insucesso ou como procedimentos ancilares.

Até recentemente, a experiência mundial com reimplantes microcirúrgicos de couro cabeludo resumia-se a relatos isolados de casos, não ultrapassando três a quatro dezenas, ou a pequenos grupos de estudos, não sendo possível uma padronização da seqüência terapêutica e dos índices de sucesso.

O sucesso é dependente de fatores tais como tempo de isquemia, qualidade da porção avulsionada e experiência do cirurgião, dentre outros. A probabilidade de insucesso coloca o cirurgião frente a uma situação de difícil solução, uma vez que freqüentemente não há couro cabeludo remanescente e sim uma grande área de exposição da calota craniana para ser coberta.

Diante dessa situação de alta complexidade e da necessidade de uma análise geral dos resultados obtidos até o momento entre os vários grupos de estudo, objetivou-se no presente trabalho analisar os resultados alcançados nos últimos anos entre os vários grupos que realizaram reimplantes e, associado à experiência dos autores, definir os índices de sucesso, bem como padronizar a conduta em nosso meio.


MÉTODO

O estudo foi realizado de maneira retrospectiva e constitui-se de uma série de casos clínicos consecutivos de pacientes com avulsão de couro cabeludo atendidos ou referidos na Disciplina de Cirurgia Plástica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo num período de 7 anos, compreendido entre 1994 e 2001.

A amostra apresentada constitui-se de 6 pacientes do sexo feminino, com idade variando entre 9 e 29 anos. A porção avulsionada variou entre 70 e 100%. As pacientes foram avaliadas no setor de emergência, seguindo o protocolo do ATLS (Advanced Trauma Life Support), a fim de se identificar e tratar lesões associadas e alcançar a estabilização para cirurgia.

O couro cabeludo avulsionado foi lavado com soro fisiológico em grande quantidade, acondicionado em saco plástico estéril com Ringer Lactato e conservado em gelo picado.

O procedimento foi realizado por duas equipes cirúrgicas simultaneamente, uma preparando o leito receptor - desbridamento e identificação dos vasos - e outra preparando o couro cabeludo e captando enxertos vasculares.

No que concerne à técnica cirúrgica de reimplante, devem-se pesquisar inicialmente os vasos temporais, suficientes para a manutenção do reimplante, e, se necessário, os vasos occipitais e quaisquer outros vasos presentes no campo cirúrgico.


Fig. 1 - Caso nº1. Avulsão completa de couro cabeludo.


Fig. 2 - Caso nº1. Pós-operatório imediato.


Fig. 3 - Caso nº1. Pós-operatório de 2 meses.


Fig. 4 - Caso nº2. Escalpo completamente avulsionado.


Fig. 5 - Caso nº2. Pós-operatório imediato.


Fig. 6 - Caso nº2. Pós-operatório de 4 meses.



O número de anastomoses arteriais variou entre 1 e 2 e o de venosas entre 1 e 3, realizadas com microscópio cirúrgico e fios de mononylon 10-0. Em 4 casos foi utilizado enxerto de veia, com variação entre 0 e 2 enxertos. O tempo de isquemia quente variou de 9 a 25 horas (média de 14 horas) (Tabela I).




No pós-operatório, as pacientes permaneciam com a cabeça discretamente elevada em relação ao tronco, com antibioticoterapia intravenosa de amplo espectro por, aproximadamente, 7 dias. Seromas e hematomas ocorridos foram prontamente evacuados, evitando-se a compressão dos pedículos vasculares. Não foram utilizados anticoagulantes ou vasodilatadores em nenhum dos casos.


RESULTADOS

O índice de sucesso foi de 100 % em 4 casos, 40 % em 1 caso e perda total do reimplante em 1 caso. Em um dos casos de sucesso total, ocorreu óbito devido a traumatismo cranioencefálico associado. O tratamento das áreas de perda foi realizado com enxertia de pele de espessura parcial após desbridamento, resultando em alopécia como seqüela.

Num segundo tempo, a utilização de expansores teciduais sob as áreas reimplantadas permitiu a correção das áreas de alopécia por substituição das áreas previamente enxertadas pelos retalhos pré-expandidos.


DISCUSSÃO

Os resultados obtidos com a utilização de técnica microcirúrgica são compatíveis com a literatura mundial (Tabela II), confirmando-a como a melhor opção terapêutica para o manejo da avulsão de couro cabeludo, obedecidos certos preceitos.




Dentre os fatores que contribuem para um prognóstico favorável, destacam-se objetivamente:

  • Preparo pré-operatório adequado, com correção do choque hemorrágico e tratamento de lesões associadas que ameacem a vida.
  • Avaliação cuidadosa da porção amputada com relação à viabilidade do tecido (esmagamento e cisalhamento) e dos vasos para o reimplante.
  • Desbridamento generoso dos vasos avulsionados. Estes podem apresentar lesão extensa da íntima e, se não preparados adequadamente, o processo resulta em trombose, mesmo em anastomoses tecnicamente precisas.


  • A utilização de enxertos de veia se faz importante a fim de permitir desbridamento adequado dos vasos e anastomose sem tensão, além de possibilitar o trabalho simultâneo de duas equipes. Cheng e cols.(5) descrevem a utilização de enxertos de veia simultâneos nos dois sítios cirúrgicos (áreas receptora e doadora), diminuindo significativamente o tempo operatório. Os enxertos podem ser retirados localmente ou dos membros.

    Em situações específicas, em que não há veia para a anastomose e drenagem do retalho, podem ser realizados shunts arteriovenosos (da artéria do couro cabeludo para uma veia da área receptora), sendo a região supra-orbitária e supratroclear freqüentemente utilizadas para isso. No caso nº 6, com perda de 60% do reimplante, foi realizado exatamente o inverso, com anastomose da artéria temporal direita em uma veia do couro cabeludo com enxerto venoso interposto, por não ter sido identificado nenhum coto arterial na porção avulsionada, que ficaria sem aporte sangüíneo.

    O reimplante está potencialmente indicado em todos os casos pelos benefícios que ele proporciona. Entretanto, há algumas situações que contra-indicam a sua utilização, como:

    1. tempo de isquemia quente superior a 30 h;
    2. perda extensa dos vasos no retalho;
    3. lacerações ou esmagamento excessivos do tecido avulsionado, e
    4. preservação inadequada deste último.

    Nos casos de perda parcial ou total do reimplante, outros procedimentos cirúrgicos são necessários para a cobertura e proteção da calota craniana(3, 4). Dentre eles, podem-se citar os enxertos de pele de espessura parcial (utilizados na casuística em questão nos dois casos de perda), expansão tecidual e retalhos locais e a distância.


    CONCLUSÃO

    Inicialmente baseados na literatura prévia e, posteriormente, com a observação dos resultados dos casos realizados, que apresentaram ganho funcional, estético e psicológico incontestavelmente superior a qualquer outra opção terapêutica, grandes esforços devem ser realizados no sentido de efetuar o reimplante microcirúrgico de couro cabeludo avulsionado.


    BIBLIOGRAFIA

    1. Nahai F, Hester TR, Jurkiewicz MJ. Microsurgical replantation of the scalp. J Trauma. 1985;25:897-902.

    2. Miller GD, Austee EJ, Shell JA. Successful of an avulsed scalp by microvascular anastomoses. Plast Reconstr Surg. 1976;58:133-6.

    3. Van Beek AL, Zook EG. Scalp replantation by microsurgical revascularization: Case report. Plast Reconstr Surg. 1978;61:774-7.

    4. Buncke HJ, Rose EH, Brownstein MJ et al. Successful replantation of two avulsed scalps by microvascular anastomoses. Plast Reconstr Surg. 1978;61:666-72.

    5. Cheng K, Zhou S, Kecheng J et al. Microsurgical replantation of the avulsed scalp: report of 20 cases. Plast Reconstr Surg. 1996;97:1099-106.

    6. Svensson H, Njalsson T. Microsurgical replantation of partial avulsion of the scalp. Case report. Scand J Reconstr Surg Hand Surg. 1995;29:177-80.










    I. Residente em Cirurgia Plástica da Disciplina de Cirurgia Plástica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
    II. Médico Assistente da Disciplina de Cirurgia Plástica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
    III. Professor Titular da Disciplina de Cirurgia Plástica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

    Disciplina de Cirurgia Plástica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo

    Endereço para correspondência:
    Dimas André Milcheski
    R. Oscar Freire, 2121 apto. 504
    São Paulo - SP - 05409-011
    e-mail: dimasam@brturbo.com

     

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