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Case Report - Year2016 - Volume31 - Issue 4

http://www.dx.doi.org/10.5935/2177-1235.2016RBCP0098

RESUMO

INTRODUÇÃO: O câncer de mama é a principal causa de morte entre as mulheres por doenças malignas. As opções de tratamento variam entre a abordagem cirúrgica, radioterápica, quimioterápica e hormonal. A reconstrução mamária imediata atua em aspectos psicossociais das pacientes, contudo, a depender da técnica realizada, diversas complicações podem surgir, principalmente pós-radioterapia adjuvante.
RELATO DO CASO: Paciente sexo feminino, 65 anos, submetida à quadrantectomia e radioterapia em 1988. Evoluiu com aparecimento de ferimento em local de cicatriz em 2010, sendo submetida à mastectomia com reconstrução com retalho grande dorsal imediata e radioterapia adjuvante. Apresentou necrose do retalho, com infecção em região axilar, linfedema, radiodermite, retração cicatricial intensa e limitação articular. Em 2014, procurou nosso serviço para nova abordagem reparadora. Indicado retalho transverso do abdome bipediculado. No seguimento pós-operatório houve pequeno sofrimento em polo superior manejado com desbridamentos e curativos. Após sete meses de pós-operatório, houve cicatrização completa do retalho e satisfação da paciente com procedimento cirúrgico.
CONCLUSÃO: O conhecimento das técnicas cirúrgicas, associado ao correto escalonamento, é fundamental para um bom sucesso cirúrgico e manejo das complicações que venham a acontecer nas reconstruções mamárias em pacientes submetidas à radioterapia.

Palavras-chave: Mamoplastia; Radioterapia; Câncer de mama; Complicações pós-operatórias.

ABSTRACT

INTRODUCTION: Breast cancer is the leading cause of death among malignancies affecting women. Treatment options range from surgical treatment, radiotherapy, chemotherapy and hormone therapy. The immediate breast reconstruction helps to benefit the psychosocial aspects of patients, however, depend on the technique used a number of complications can appear, especially after adjuvant radiotherapy.
CASE REPORT: We report a case of a 65-year-old woman, underwent quadrantectomy and radiotherapy in 1988. In 2010, the patient presented an injury on the scar and she was referred to mastectomy with reconstruction of retail large dorsal and adjuvant radiotherapy. Upon examination, we observed flap necrosis with infection on the axillary region, lymphedema, radiodermatitis, fibroses and joint limitation. In 2014, the patient sought our service to perform a new restorative approach. A bipedicled transverse abdominal flap was decided to be adequate to her case. After surgery, the patient reported mild pain in the upper pole that managed with debridement and dressing. Seven months after surgery there was a complete healing of the flap and patient was satisfied with the surgery.
CONCLUSION: The knowledge of surgical techniques associated with the correct scaling of steps are essential for surgical success and management of complications that may appear in breast reconstruction of patients undergoing radiotherapy.

Keywords: Mammaplasty; Radiotherapy; Breast neoplasms; Postoperative complications.


INTRODUÇÃO

O câncer de mama é a neoplasia que apresenta maior incidência na população feminina e, no Brasil, é a principal causa de morte por doenças malignas entre as mulheres1.

O tratamento cirúrgico inclui a mastectomia parcial com dissecção axilar e radioterapia, ou a mastectomia radical modificada2.

A radioterapia pode atuar como terapia adjuvante ou neoadjuvante à cirurgia, sendo fundamental no controle locorregional. No entanto, a radiação incide também em regiões de tecido normal, o que pode gerar dor, fadiga, alterações sensitivas e cutâneas, como a radiodermite, além de infecções. Dessa forma, pacientes submetidos a reconstruções primária com materiais aloplásticos apresentam maior probabilidade de apresentarem contratura capsular na evolução do pós-operatório em decorrência deste fator3.

Em estágios avançados, nos quais há a perspectiva do uso de radioterapia como terapia adjuvante, é desejável a indicação de reconstrução com tecidos autólogos, caso estejam disponíveis. Todavia, mesmo diante dos altos índices de contratura capsular vigentes, na necessidade de associação de material aloplástico, estes devem ser utilizados como técnicas reconstrutivas4,5.

Atualmente, as técnicas reconstrutivas apresentam um amplo espectro, os quais variam desde o uso de retalhos dermoglandulares locais e de materiais aloplásticos até a utilização de retalhos autófagos e microcirúrgicos. O conhecimento sobre as diversas técnicas de abordagens cirúrgicas para as reconstruções mamárias é de fundamental importância ao cirurgião plástico, uma vez que as complicações geradas pela radioterapia podem comprometer, em determinados casos, por completo uma reconstrução prévia3,6,7.


OBJETIVO

Dessa forma, esse estudo tem como objetivo relatar um caso de reconstrução mamária que apresentou complicação pós-radioterapia adjuvante, bem como a importância do conhecimento técnico pelo cirurgião plástico sobre o correto escalonamento nas etapas de reconstruções mamárias.


RELATO DO CASO

Paciente sexo feminino, 65 anos, submetida à quadrantectomia e esvaziamento axilar com quimioterapia e radioterapia adjuvante, em 1988, por câncer de mama à direita. Em 2010, evoluiu com ferimento no local da cicatriz. Realizou biópsia, a qual apresentou-se como negativa para malignidade, contudo, a biópsia de congelação mostrou-se positiva, procedendo a mastectomia direita radical com reconstrução com retalho do músculo latíssimo do dorso (RLD).

Foi submetida, novamente, à radioterapia adjuvante. Na evolução do pós-operatório apresentou necrose do RLD, infecção em região axilar e comprometimento pulmonar e ósseo (arcos costais, articulação acrômio-clavicular e coluna).

A realização de diversos desbridamentos cirúrgicos, antibioticoterapia a longo prazo e manutenção da ferida operatória exposta ocasionaram grandes retrações cicatriciais locais. A terapêutica com moxifloxacino, a partir da orientação da infectologia, gerava melhora clínica intermitente, mantendo persistência de pontos de drenagem secretiva em axila direita.

Em 2014, procurou nosso serviço com objetivo de nova reconstrução. Ao exame físico, evidenciavase intensa área de fibrose em axila direita com dois pontos de drenagens (fístulas), radiodermite intensa, linfedema marcante em membro superior direito e grande limitação funcional do ombro direito. A paciente apresentava peso de 63 kg, altura de 155 cm, índice de massa corporal (IMC) de 26,22 e abdome em avental (Figura 1).


Figura 1. As imagens evidenciam a marcação pré-operatória para confecção do retalho.



Optou-se por uma abordagem multiprofissional com avaliação prévia da infectologia, ortopedia, neurocirurgia e mastologia.

Após a avaliação clínica, laboratorial e de imagem, não houve contraindicações a respeito de uma nova abordagem reparadora. A avaliação da infectologia solicitou a cultura de fragmentos da axila. Devido à grande retração cicatricial na região axilar, a equipe da neurocirurgia optou em realizar a dissecção da região axilar e isolamento do plexo nervoso braquial com objetivo de evitar lesões locais.

Com relação à programação cirúrgica, optouse pelo retalho transverso do músculo reto (TRAM) bipediculado para reconstrução da mama, o qual ocorreu sem intercorrências.

A cultura evidenciou Serratia marcescens. Procedeu-se à terapêutica antimicrobiana com ertapenem e clindamicina por 21 dias (Figura 2).


Figura 2. As imagens evidenciam a realização da dissecção axilar e confecção do retalho no intraoperatório.



A paciente evoluiu com sofrimento da porção superior do retalho TRAM e hematoma no 11º dia de pós-operatório (PO), os quais foram manejados com álcool 70% e rifocina spray no local, além de cuidados locais.

No 23º PO evoluiu com sofrimento das bordas mediais superior, média e inferior do retalho, sendo que no 42º PO iniciou curativo local com alginato de cálcio devido à deiscência da borda medial inferior. Procedeu-se desbridamento mecânico e químico como tratamento conservador. A cicatrização foi lenta e gradual, apresentando melhora cicatricial no 4º mês de PO com suspensão do alginato.

No seguimento pós-operatório realizava-se pequenos desbridamentos locais, semanalmente, para remoção do excedente de fibrina e com aplicações tópicas de ácidos graxos essenciais diariamente até o 6º mês de PO.

A paciente evoluiu com cicatrização completa da ferida operatória após o 7º mês de PO (Figura 3).


Figura 3. As imagens evidenciam a evolução do processo cicatricial do retalho.



Atualmente, encontra-se com discreto linfedema em membro superior direito, com melhora da amplitude de movimentação da articulação do ombro após fisioterapia motora e satisfeita com o resultado cirúrgico reparador da mama.


DISCUSSÃO

Os benefícios da reconstrução imediata da mama após extirpação de um tumor são incontestáveis nos dias atuais. A biologia da neoplasia não é alterada pela reconstrução e não compromete o adequado tratamento da doença8.

As reconstruções estão cada vez mais assumindo papel central no tratamento do câncer de mama, principalmente pelos aspectos psicoemocionais gerados para as pacientes9.

Ao realizar a cirurgia imediata, vários estudos na literatura evidenciam uma melhora na qualidade de vida das pacientes. A preservação do contorno mamário possibilita maior satisfação no seguimento do tratamento da doença1,10.

A técnica de reconstrução de mama com expansor e implante envolve procedimento mais simples do que as reconstruções com tecido autólogo, sendo indicada com frequência de acordo com a preferência da paciente e com condições clínicas ou anatômicas que limitam cirurgias mais complexas7.

A radioterapia é componente fundamental do tratamento conservador do câncer de mama. Apesar de haver consenso quanto ao uso das técnicas de reconstrução mamária com tecidos autólogos nas pacientes em que se sabe ou se suspeita de que irão necessitar de radioterapia no pós-operatório, há situações inerentes às próprias pacientes que nos fazem indicar o uso de implantes associados ou não a retalhos6.

Em nosso estudo observamos que a paciente apresentou complicações inerentes à radioterapia, com necrose do RLD. A indicação da técnica cirúrgica obedeceu aos princípios postulados nas reconstruções mamárias, no entanto, a paciente evoluiu com as complicações.

A ocorrência dessas complicações decorre de microlesões vasculares, alteração de proteínas e do núcleo celular, ocasionando cicatrização inefetiva, atrofia da derme e do subcutâneo7.

A utilização da radiação sobre o retalho miocutâneo também se encontra relacionada à contratura capsular, queimadura e radiodermite, sendo o tratamento cirúrgico mais complexo e a possibilidade de resultados insatisfatórios elevada. Além dessas complicações, a hipoestasia, dor e linfedema são descritas na literatura3.

A paciente em nosso estudo apresentou linfedema, limitação na amplitude do movimento da articulação do ombro, retração cicatricial intensa e radiodermite, complicações já descritas na literatura. O manejo terapêutico com equipe multiprofissional foi fundamental para a evolução do caso descrito.

A presença de hipoestasia é observada no trajeto do nervo intercostobraquial (NICB) do membro superior homolateral à região irradiada. Como a radioterapia adjuvante deve ser empregada nos cinco dias úteis da semana, por cinco a seis semanas, é comum a presença de reações cutâneas na área irradiada, associadas a neuropatias decorrentes da fibrose e isquemia do tecido nervoso local. Isto pode explicar a diminuição da sensibilidade imediatamente após o período do tratamento3,4.

Além disso, a radiação atua no aparecimento e na persistência da dor, ocasionando aumento da incapacidade funcional, demonstrando piora da funcionalidade do membro superior3,6.

Tais fatores foram evidenciados em um estudo canadense11, o qual explorou a ocorrência das morbidades evidenciadas no membro superior ipsilateral à mama irradiada, entre seis e 12 meses, em 347 pacientes, após tratamento cirúrgico. Cerca de 12% apresentaram linfedema, 39% relataram dor e 50% tinham restrições na amplitude de movimento no membro superior ipsilateral a região irradiada.

O conhecimento das diversas técnicas de reconstrução mamária, assim como a sua correta indicação, é fundamental para o manejo das complicações. Em nosso estudo, observamos que a indicação do retalho TRAM para a correção da reconstrução mamária foi adequada para o sucesso cirúrgico9.

Contudo, o TRAM é um procedimento não isento de complicações, mesmo executado por mãos experientes. Evidencia-se incidência considerável de necrose gordurosa (27%) no retalho9,10.

Em se tratando de sofrimento e necrose parcial, essas complicações ocorrem em um pequeno número de pacientes e, de modo geral, resolvem-se com medidas conservadoras. A necrose parcial de pele da área receptora pode ocorrer em até 10% e está relacionada à ressecção ampla do tecido subcutâneo que nutre a pele local, além da tensão excessiva no momento da confecção da nova mama9.

Em nosso estudo observamos que houve um sofrimento do polo superior, das bordas mediais superior, médio e inferior do retalho TRAM, que apresentou boa resposta aos desbridamentos químicos, mecânicos e curativos com alginato de cálcio e ácido graxo essencial, gerando um resultando final satisfatório à paciente.

Portanto, o conhecimento das técnicas cirúrgicas, associado ao correto escalonamento, é fundamental para um bom sucesso cirúrgico.


COLABORAÇÕES

OMC
Análise e/ou interpretação dos dados; realização das operações e/ou experimentos; redação do manuscrito ou revisão crítica de seu conteúdo.

DASS Análise e/ou interpretação dos dados; redação do manuscrito ou revisão crítica de seu conteúdo.

LMCD Análise e/ou interpretação dos dados.

IRJ Análise e/ou interpretação dos dados.

LGM Análise e/ou interpretação dos dados.

MCAG Análise e/ou interpretação dos dados.

JCD Concepção e desenho do estudo.


REFERÊNCIAS

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8. Lamartine JD, Ino Júnior JáG, Daher JC, Guimarães GS, Camara Filho JPP, Borgatto MS, et al. Reconstrução mamária com retalho do músculo grande dorsal e materiais aloplásticos: análise de resultados e proposta de nova tática para cobertura do implante. Rev Bras Cir Plást. 2012;27(1):58-66.

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1. Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, São Paulo, SP, Brasil
2. Hospital Daher Lago Sul, Brasília, DF, Brasil

Instituição: Hospital Daher Lago Sul, Brasília, DF, Brasil.

Autor correspondente:
Daniel Augusto dos Santos Soares
CCSW 02, Lote 03, Ed. Unique Duplex, Apt 105 - Sudoeste
Brasília, DF, Brasil CEP 70680-250
E-mail: daniel.soares@globo.com

Artigo submetido: 12/4/2016.
Artigo aceito: 13/10/2016.
Conflitos de interesse: não há.

 

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