ISSN Online: 2177-1235 | ISSN Print: 1983-5175

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Original Article - Year2018 - Volume33 - Issue 2

http://www.dx.doi.org/10.5935/2177-1235.2018RBCP0093

RESUMO

Introdução: Desde a década de 1980, com Illouz, a lipoaspiração ganhou popularidade e representa hoje um dos procedimentos mais realizados no mundo. Algumas de suas complicações são graves e potencialmente letais. Não existe, contudo, uma uniformidade em sua prática ou no seu ensino. A avaliação das técnicas empregadas por cirurgiões plásticos pode ser o início de uma padronização.
Métodos: Foi aplicado um questionário sobre lipoaspiração no 52º Congresso Brasileiro de Cirurgia Plástica para cirurgiões plásticos de diferentes faixas etárias e regiões do Brasil, presentes no evento.
Resultados: Foram contabilizados 243 questionários preenchidos (n = 243). O número médio de incisões foi de 9 (2 - 16). Duzentos e quarenta e um cirurgiões (99%) realizam incisões na linha mediana/paramediana anteriormente e 236 (97%) incisam na linha mediana/paramediana na região posterior. Aproximadamente metade dos questionados utilizam a anestesia geral. Duzentos e nove cirurgiões (86%) posicionam o paciente em decúbito ventral durante o procedimento. A lipoaspiração superficial é realizada por 146 (60%) entrevistados, sendo que 22 (9%) fazem a aspiração apenas desta camada adiposa. Oitenta e cinco (35%) participantes relatam controlar a pressão do aparelho durante o procedimento.
Conclusão: A lipoaspiração realizada no Brasil apresenta grande variação técnica. Essa constatação nos faz refletir sobre a necessidade de uma uniformização de sua prática e ensino a fim de aumentar o controle e a segurança do procedimento.

Palavras-chave: Lipectomia; Gordura subcutânea abdominal; Dorso; Posicionamento do paciente; Anestesia

ABSTRACT

Introduction: Since the 1980s, with Illouz, liposuction has gained popularity and represents one of the most commonly performed procedures in the world today. Some of the complications are serious and potentially lethal. Nevertheless, uniformity in its practice or the manner in which it is taught does not exist. Evaluating techniques employed by plastic surgeons may be the start toward standardization.
Methods: A questionnaire on liposuction was given to plastic surgeons of different age groups and from regions of Brazil who were present at the 52nd Brazilian Conference for Plastic Surgery.
Results: Two hundred forty-three questionnaires were filled out (n = 243). The average number of incisions was 9 (2-16). Two hundred forty-one surgeons (99%) made incisions along the anterior median/paramedian line, and 236 (97%) made incisions on the posterior median/paramedian line. Approximately half of those surveyed utilized general anesthesia. Two hundred nine surgeons (86%) placed the patient in the prone position during the procedure. One hundred forty-six (60%) interviewees performed superficial liposuction, with 22 (9%) performing liposuction only on this adipose layer. Eighty-five (35%) participants reported controlling the apparatus's pressure during the procedure.
Conclusion: Liposuction procedures performed in Brazil have significant technical variations. This finding encourages us to reflect on the need to standardize liposuction practice and the manner in which it is taught so as to increase control over the procedure and its safety.

Keywords: Lipectomy; Subcutaneous abdominal fat; Dorsal; Patient positioning; Anesthesia


INTRODUÇÃO

A lipoaspiração tem seu esboço iniciado por Charles Dujarrier na década de 20 do século passado com a curetagem do tecido adiposo1. Apresentou, à época, grande número de complicações.

Em 1982, Illouz2 revoluciona o procedimento ao utilizar um instrumento rombo conectado a um dispositivo de sucção. Técnica que ganhou grande popularidade pela redução drástica das complicações. Hoje, consiste no melhor tratamento do tecido adiposo. Nos anos 90, Klein3 introduz o método da lipoaspiração tumescente e Zocchi4 a lipoaspiração assistida por ultrassom.

Em 2015 foi a segunda cirurgia plástica mais realizada no mundo, segundo a International Society for Aesthetic Plastic Surgery (ISAPS), com 1.394.588 casos. No Brasil foi a cirurgia plástica mais realizada, com 182.765 casos5.

A Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica mostra números semelhantes, com a lipoaspiração ocupando quase um terço (32%) de todos os procedimentos realizados pela especialidade no país6. Cerca de 16,07% dos processos judiciais na Cirurgia Plástica são devido à lipoaspiração6.

Apesar de sua importância, ainda não existe um padrão para realizar o procedimento7 e muito menos uma uniformidade no ensino de cirurgiões em treinamento.

A lipoaspiração possui complicações potencialmente letais. Grazer & Jong8 relatam que em 23% dos óbitos a causa foi o tromboembolismo pulmonar, seguido da perfuração abdominal, com 14,6%.

Um estudo de padronização pode impactar na redução dessas complicações e no aumento da segurança do paciente.

OBJETIVO

Relatar uma amostra da prática da lipoaspiração por diferentes cirurgiões plásticos do Brasil.

MÉTODOS

Aplicou-se questionário (Anexo 1) para cirurgiões de diferentes faixas etárias e regiões do Brasil inscritos e presentes no 52º Congresso Brasileiro de Cirurgia Plástica, ocorrido dos dias 12 a 15 de novembro de 2015, em Belo Horizonte, MG. O trabalho seguiu os princípios de Helsinque durante sua elaboração e a publicação dos resultados foi autorizada pelos participantes.

RESULTADOS

Obteve-se um total de duzentos e quarenta e três (n = 243) questionários preenchidos.

Foi proposto para cada entrevistado a realização de uma lipoaspiração de tronco anterior e posterior (Figura 1). O número de incisões variou de 2 a 16, com média de 9 incisões por cirurgia (Figura 2). Duzentos e vinte e oito (94%) cirurgiões preferem posicioná-las em locais cobertos pela roupa íntima ou biquíni. Cento e oitenta e cinco (76%) realizam incisões na cicatriz umbilical. Cento e noventa e quatro (80%) posicionam a cicatriz na linha mediana/paramediana e 18 (7,5%) incisam na região lateral entre as linhas axilares anterior e posterior.

Figura 1 - Verso do questionário com desenho esquemático para posicionamento das incisões.

Figura 2 - Gráfico mostrando o número de incisões realizadas por cada cirurgião.

Com relação aos vetores do movimento, a maioria dos cirurgiões realizam movimentos da região mediana para a lateral tanto na região anterior quanto na posterior (99% e 97%, respectivamente). Movimentos das áreas laterais para a mediana são realizados por 5% e 11% dos cirurgiões, respectivamente.

Sob a justificativa de aspiração de um maior volume de gordura, duzentos e dezenove (90%) cirurgiões afirmaram realizar lipoaspiração profunda, abaixo da fáscia de Scarpa. Enquanto isso, cento e quarenta e três (59%) cirurgiões justificam a lipoaspiração superficial a fim de obter um melhor resultado do contorno corporal (Figura 3).

Figura 3 - Gráfico mostrando a profundidade da lipoaspiração realizada pelos cirurgiões.

Cerca de metade dos entrevistados utiliza a anestesia geral para a realização do procedimento. Cento e sete (44%) utilizam a anestesia peridural e 15 (6%) a raquianestesia.

Duzentos e nove (86%) cirurgiões realizam mudança de decúbito durante a cirurgia, utilizando-se tanto do decúbito ventral quanto dorsal. Apenas 34 (14%) realizam a lipoaspiração somente em decúbito dorsal (Figura 4).

Figura 4 - Gráfico mostrando o posicionamento do paciente durante a lipoaspiração.

Cento e vinte e seis (52%) observam a pressão do aparelho de lipoaspiração, oitenta e sete (36%) realizam o procedimento sob pressão controlada.

DISCUSSÃO

Constatou-se uma grande variação quantitativa e qualitativa quanto as incisões. O número variou cerca de 800%. A literatura defende a realização de uma menor quantidade possível de incisões, que permita a lipoaspiração adequada da área desejada e túneis subcutâneos, cruzados entre si de maneira perpendicular9. O posicionamento correto das incisões também visa reduzir a exposição das cicatrizes resultantes9, o que já é observado em 94% dos casos.

A grande maioria dos cirurgiões realiza via de acesso para lipoaspiração a partir da linha mediana/paramediana, tanto na porção anterior quanto na posterior (99% e 97% respectivamente). Esse acesso mediano/paramediano pode ser a explicação para que grande parcela dos profissionais (86%) necessite da mudança de decúbito para a lipoaspiração do dorso.

A lipoaspiração com o paciente em decúbito ventral deve ser realizada com ênfase na monitorização adequada do paciente, a fim de evitar possíveis complicações como: lesões cervicais, lesões oculares, embolia gasosa, tromboembolismo venoso10, bradicardia e parada cardiorrespiratória10,11. Neste questionário, complicações relacionadas à mudança de decúbito foram de 5%, porém todas sistêmicas e de potencial gravidade.

A maioria dos entrevistados (90%) realiza lipoaspiração profunda, ou seja, abaixo da fáscia de Scarpa. Contudo, apesar da literatura defender que a lipoaspiração superficial aumenta a chance de complicações locais como retrações cicatriciais, discromia da pele e abrasões12, cerca de 60% dos especialistas ainda usam essa técnica. Uma pequena parcela (9%) defende apenas a lipoaspiração superficial por receio de perfuração de cavidades.

Não houve um predomínio absoluto de técnica anestésica. A anestesia empregada é de preferência do cirurgião ou do centro em que o procedimento é realizado. Contudo, em lipoaspirações de grandes volumes, aconselha-se a utilização da anestesia geral devido ao risco de vasodilatação e hipotensão importantes11. A anestesia geral permite um maior controle da utilização de drogas, movimentação do paciente e manejo das vias aéreas13. No Brasil verificamos que a maioria dos procedimentos é realizada com anestesia geral. Em segundo lugar, com uma grande parcela dos procedimentos, ficou a peridural.

Constatou-se pouca preocupação dos cirurgiões (35%) em observar e/ou controlar a pressão do aparelho de lipoaspiração. A indefinição de uma pressão ideal até hoje na literatura deixa uma importante variável em aberto. Já existem autores que defendem a lipoaspiração sob baixa pressão, o que reduziria a perda sanguínea e o trauma local14. Esse fato foi corroborado recentemente em trabalhos sobre lipoenxertia que demonstram dano celular em pressões negativas elevadas (≥13,5 PSI)15. Se existe correlação entre a pressão negativa, dano tecidual e resposta inflamatória sistêmica no pós-operatório, o controle dessa pressão deveria ser considerado uma rotina na prática do cirurgião.

CONCLUSÃO

Conclui se que a prática da lipoaspiração no Brasil apresenta grande diversidade de técnicas e pouca padronização.

Observa se a necessidade de maiores estudos sobre o procedimento de cirurgia plástica mais realizado no Brasil, na busca de conhecimento e uniformização de sua prática e de seu ensino ideal com o objetivo de reduzir o número de intercorrências e aumentar a segurança do paciente.

COLABORAÇÕES

GMCS

Análise e/ou interpretação dos dados; análise estatística; concepção e desenho do estudo; realização das operações e/ou experimentos; redação do manuscrito ou revisão crítica de seu conteúdo.

SMC

Aprovação final do manuscrito; concepção e desenho do estudo.

MHLR

Análise e/ou interpretação dos dados; análise estatística; realização das operações e/ou experimentos; redação do manuscrito ou revisão crítica de seu conteúdo.

CSS

Análise e/ou interpretação dos dados; aprovação final do manuscrito.

LMF

Análise e/ou interpretação dos dados; aprovação final do manuscrito.

REFERÊNCIAS

1. Fodor PB. Reflections on lipoplasty: history and personal experience. Aesthet Surg J. 2009;29(3):226-31. DOI: http://dx.doi.org/10.1016/j.asj.2009.02.007

2. Illouz YG. Body contouring by lipolysis: a 5-year experience with over 3000 cases. Plast Reconstr Surg. 1983;72(5):591-7. PMID: 6622564 DOI: http://dx.doi.org/10.1097/00006534-198311000-00001

3. Klein JA. The tumescent technique. Anesthesia and modified liposuction technique. Dermatol Clin. 1990;8(3):425-37.

4. Zocchi M. Ultrasonic-assisted lipoplasty. Adv Plast Reconstr Surg. 1998;11:197-221.

5. International Society for Aesthetic Plastic Surgery (ISAPS). ISAPS International Survey on Aesthetic/Cosmetic. Hanover (NH): ISAPS; 2015 [acesso 2018 Maio 29]. Disponível em: https://www.isaps.org/wp-content/uploads/2017/10/2016-ISAPS-Results-1.pdf

6. Cirurgia Plástica Segura. Revista Brasileira de Cirurgia Plástica - Edição Especial 2016.

7. Khanna A, Filobbos G. Avoiding unfavorable outcomes in liposuction. Indian J Plast Surg. 2013;46(2):393-400. DOI: http://dx.doi.org/10.4103/0970-0358.118618

8. Grazer FM, Jong RH. Fatal outcomes from liposuction: census survey of cosmetic surgeons. Plast Reconstr Surg. 2000;105(1):436-46. DOI: http://dx.doi.org/10.1097/00006534-200001000-00072

9. Shiffman MA. Prevention and treatment of liposuction complications. In: Shiffman MA, Di Giuseppe A, eds. Liposuction - Principles and Practice. 1st ed. New York: Springer; 2006. p. 333-41.

10. Edgcombe H, Carter K, Yarrows S. Anaesthesia in the prone position. Br J Anaesth. 2008;100(2):165-83. DOI: http://dx.doi.org/10.1093/bja/aem380

11. Brown J, Rogers J, Soar J. Cardiac arrest during surgery and ventilation in the prone position: a case report and systematic review. Resuscitation. 2001;50(2):233-8. DOI: http://dx.doi.org/10.1016/S0300-9572(01)00362-8

12. Kim YH, Cha SM, Naidu S, Hwang WJ. Analysis of postoperative complications for superficial liposuction: a review of 2398 cases. Plast Reconstr Surg. 2011;127(2):863-71. PMID: 21285789 DOI: http://dx.doi.org/10.1097/PRS.0b013e318200afbf

13. American Society of Plastic Surgeons (ASAPS). Practice Advisory on Liposuction: Executive Summary; Arlington Heights: ASAPS; 2003 [acesso 2018 Maio 29]. Disponível em: https://www.plasticsurgery.org/documents/medical-professionals/health-policy/key-issues/Executive-Summary-on-Liposuction.pdf

14. Elam MV, Packer D, Schwab J. Reduced negative pressure liposuction (RNPL): Could less be more? Int J Aesth Restor Surg. 1997;5:101-4.

15. Shiffman MA, Mirrafati S. Fat transfer techniques: the effect of harvest and transfer methods on adipocyte viability and review of the literature. Dermatol Surg. 2001;27(9):819-26.

Questionário.

Nome: ___________________________________________________________________________________________________________
E mail: ___________________________________________________
Aspirante: _____ Especialista: _____ Titular:_____

1 - Você trabalha com lipoaspiração?
( ) SIM ( ) NÃO

2 - Você já teve caso de óbito relacionado à lipoaspiração?
( ) SIM ( ) NÃO

3 - Se sim, qual foi o problema primário?

4 - Você já teve complicação sistêmica em lipoaspiração?
( ) SIM ( ) NÃO

5 - Se sim, qual foi?

6 - Qual foi o desfecho/sequela?

7 - Qual tipo de anestesia você prefere para lipoaspiração?

8 - Você vira doente de decúbito ventral para aspirar o dorso?
( ) SIM ( ) NÃO

9 - Já teve complicação específica desse momento? Qual?

10 - Qual incisão você utiliza para aspirar dorso torácico?

11 - Qual incisão você utiliza para aspirar região lombo sacral?

12 - Qual incisão você utiliza para aspirar abdômen?

13 - Qual incisão você utiliza para aspirar flanco?

14 - Se você já teve algum caso de perfuração, qual foi o local? Qual foi a incisão?

15 - Você faz lipoaspiração profunda? Por quê?

16 - Você faz lipoaspiração superficial? Por quê?

17 - Você já teve complicação local em lipoaspiração? Qual?

18 - Você sabe o valor da pressão negativa do seu lipoaspirador?
( ) SIM ( ) NÃO

19 - Você regula ou controla a pressão do aparelho durante o procedimento?
( ) SIM ( ) NÃO

20 - Se afirmativo, qual pressão do lipoaspirador você considera ideal?

















1. Hospital Felício Rocho, Belo Horizonte, MG, Brasil.
2. Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.

Instituição: Hospital Felício Rocho, Belo Horizonte, MG, Brasil.

Autor correspondente: Gustavo Moreira Costa de Souza
Rua Timbiras, 3642/504 - Barro Preto
Belo Horizonte, MG, Brasil CEP 30140-062
E-mail: gustavomcsouza@gmail.com

Artigo submetido: 27/06/2017.
Artigo aceito: 17/05/2018.

Conflitos de interesse: não há.

 

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