ISSN Online: 2177-1235 | ISSN Print: 1983-5175

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Articles - Year1999 - Volume14 - Issue 2

RESUMO

O autor relata sua experiência com a utilização da toxina botulínica no tratamento das rugas faciais, assimetria facial e outras patologias, em 509 pacientes, perfazendo 1200 áreas aplicadas em um período de 32 meses. O Botox® foi injetado nos músculos responsáveis pelas rugas de expressão da face. As principais zonas tratadas foram a periorbital, frontal, glabelar e cervical. A toxina foi também utilizada visando à melhora da assimetria facial provocada por injúria nervosa, blefaroespasmo, distonia cervical, hipertrofia massetérica e hiperidrose axilar. Aspectos farmacológicos são revistos, assim como a técnica de injeção, dose, complicações e resultados.

Palavras-chave: Rugas; toxina botulínica; assimetria facial; paralisia facial.

ABSTRACT

The author reports his experience with the use of botulinum toxin for the treatment of facial wrinkles, facial asymmetry and other pathologies in 509 patients, with a total of 1200 areas applied for a period of 32 months. Botox® was injected into muscles responsible for expression and facial wrinkles. The main zones treated were periorbital, frontal, glabellar and cervical. The toxin was also used aiming at improving facial asymmetry caused by nervous injury, blepharospasm, cervical dystonia, masseteric hypertrophy and axillary hyperhidrosis. Pharmacological aspects are reviewed, as well as the infection technique, dose, complications and results.

Keywords: Wrinkles; botulinum toxin; facial asymmetry; facial paralysis.


INTRODUÇÃO

O botulismo é conhecido desde o século XVIII. Em 1897, descobriu-se que a bactéria Clostridium botulinum produzia oito tipos diferentes de toxina. A do tipo A, ou Botox®, é uma potente neurotoxina. Atua em zonas de terminação colinérgica, bloqueando a acetilcolina na placa neuromotora e levando à paralisia muscular.

Na área cutânea, em função da tração que determinados grupos musculares exercem na superfície da pele, ocorre, com o passar do tempo, a formação e a acentuação das rugas de expressão. Assim, através da ação de paralisia muscular obtida com a aplicação da droga, consegue-se uma importante melhora nas linhas de expressão. Essa ação bloqueadora traz benefícios em outras condições em que exista hiperatividade muscular.


Farmacologia

Das oito toxinas produzidas pela bactéria Clostridium botulinum (A, B, C1, C2, D, E, F e G), sete estão associadas à paralisia muscular. A toxina botulínica tipo A é um agente bloqueador da junção neuromuscular. Promove o bloqueio do neurotransmissor - acetilcolina - nos neurônios pré-sinápticos, levando à paralisia muscular. As toxinas do tipo B e F são indicadas em casos de imunidade ao tipo A, após repetidas injeções.

O mecanismo de inibição da droga compreende três processos distintos. Inicialmente ocorre a ligação da toxina com os receptores específicos dos neurônios pré-sinápticos no plano da junção neuromuscular. Em seguida, ocorre a internalização ou penetração no receptor específico. Finalmente, há a inibição da liberação da acetilcolina. Os efeitos de enfraquecimento e paralisia da musculatura estriada aparecem por volta do 2° ou 3° dia após a injeção, permanecendo, dependendo da dose aplicada e de cada caso, por um período aproximado de seis meses.

Apesar de o processo de desnervação ser permanente, geralmente ocorre a recuperação da função muscular. Esse fato se deve ao fenômeno da neurogênese, com a formação de brotos axoniais, novas placas e terminações nervosas e a absorção de neurônios desvitalizados(4).

A dosagem da droga é expressa em unidades internacionais (UI). A toxicidade é expressa em unidades, sendo que 1 unidade da toxina (0,4µg) representa a dose letal média verificada em um grupo de camundongos Webster (LD50). Acredita-se que a quantidade tóxica para uma pessoa de aproximadamente 70 quilos situe-se entre 2500 e 3000 unidades. A toxina botulínica é isenta de grandes efeitos colaterais. Não ultrapassa a barreira cerebral, não ocorrendo sintomas relacionados ao sistema nervoso central.


Indicações

A primeira utilização clínica da toxina data de 1973, através da injeção em músculos extra-oculares em macacos. Em 1980, Scott iniciou seu uso em pacientes portadores de estrabismo(7, 8). A seguir, foi utilizada no tratamento de blefaroespasmo(9), paralisia do músculo reto do olho, nistagmo(5), espasmo hemifacial(11) e assimetria facial(3). A partir daí, foi encontrando inúmeras indicações clínicas, como na distonia cervical(12) (torcicolo espasmódico), distonia oromandibular, distonia espasmódica, tremores, paralisia cerebral, hipertrofia massetérica(10), fissura anal, acalásia e outras. Em 1991, Carruthers mostra sua experiência com a utilização da droga em pacientes portadores de rugas glabelares(2). Em 1996, Matsudo relata sua avaliação preliminar na correção de rugas fronto-glabelares(6). Em 1996, Bushara sugere a utilização da toxina na hiperidrose axilar(1).


Contra-indicações

Apesar de não haver relatos de teratogenicidade, o emprego da toxina em gestantes ou lactantes não é indicado. Alterações neuromusculares são contra-indicações relativas. Pacientes portadores de alergia à albumina humana, um dos componentes da droga, não devem utilizá-la. Deve-se tomar cuidado especialmente quando houver o uso concomitante de aminoglicosídeos, uma vez que a ação tóxica é potencializada.


MATERIAL E MÉTODOS

A toxina botulínica tipo A - Botox®, armazenada sob refrigeração, foi reconstituída em 4 mililitros de solução fisiológica a 0,9% sem conservante, perfazendo uma concentração de 25U/ml.

Em um período de 32 meses, 509 pacientes portadores de rugas localizadas nas regiões frontal, glabelar, orbital e cervical, assim como naqueles portadores de assimetria facial e outras patologias, foram selecionados para tratamento, perfazendo 1200 áreas aplicadas. A documentação fotográfica obedeceu rigoroso padrão de distância e luminosidade. As fotos foram tomadas antes da aplicação e entre três e seis meses após.

As regiões tratadas foram a frontal, glabelar, periorbital, cervical, axilar e massetérica, além do sulco nasogeniano. Os principais músculos tratados foram o frontal, corrugadores, prócero, orbicular das pálpebras, platisma, masseter, esternocleidomastóideo e, em casos de assimetria facial, o zigomático maior e menor e o risório (Tabela I). As injeções foram realizadas com o paciente em posição sentada, sem anestesia, utilizando seringa do tipo insulina com agulha fina (30 gramas). Depois de atravessar a pele e atingir o músculo, a agulha era tracionada aproximadamente 1 milímetro e a solução injetada. Seguia-se compressão manual do local. As recomendações pós-tratamento resumiam-se em exercitar a mímica facial nas primeiras horas, permanecer em posição ortostática ou sentada e não manipular a região.




RESULTADOS

Em um período de 32 meses, 509 pacientes foram tratados, perfazendo 1200 áreas aplicadas. Alcançou-se alto grau de paralisia muscular, com conseqüente melhora dos sintomas em praticamente todos os casos (Figs. 1 a 4). Em apenas 17 pacientes foi necessária a reaplicação antes de um período de quatro meses (3,3%). O efeitos foram notados a partir das 24-48 horas que se seguiam à injeção, acentuando-se em até sete ou dez dias e permanecendo estáveis por um período aproximado de quatro a seis meses. Nos pacientes portadores de assimetria facial o resultado foi mais fugaz (três meses), provavelmente devido ao fato de a dose utilizada ter sido menor, assim como no caso de blefaroespasmo (Figs. 5 e 6). Houve, porém, importante melhora na harmonia e equilíbrio entre os dois lados da face. Na região periorbital - área mais aplicada -, ocorreu elevação significativa da porção lateral do supercílio, proporcionando um aspecto mais jovial ao paciente.


Fig. Ia - Paciente de 43 anos com rugas na região frontal.


Fig. Ib - Cinco meses após o tratamento.


Fig. 2a - Paciente de 37 anos com rugas na região periorbital ("pés-de-galinha").


Fig. 2b - Cinco meses após o tratamento.


Fig. 3a - Paciente de 36 anos com rugas na regiao glabelar.


Fig. 3b - Quatro meses após o tratamento.


Fig. 4a - Paciente de 52 anos com bandas de platisma na região cervical.


Fig. 4b - Quatro meses após tratamento com Botox.


Fig. 5a - Paciente com paralisia facial de origem traumática, desvio da boca e assimetria do sulco nasogeniano.


Fig. 5b - Três meses após a aplicação nos músculos zigomáticos e risório.


Fig. 6a - Paciente de 50 anos com paralisia facial congênita.


Fig. 6b - Cinco meses após tratamento com Botox.



A idade dos pacientes variou de 24 a 81 anos (média de 49,44). Destes, 431 eram do sexo feminino (84,7%) e 78 do sexo masculino (15,3%). A quantidade média injetada variou conforme as áreas aplicadas, sendo de aproximadamente 20-25U nas regiões periorbitais, 15-20U na glabela e 15U na região frontal.

Ocorreram equimoses no local da injeção em quatro casos (0,8%). Cefaléia de curta duração foi referida por quatro pacientes (0,8%). As complicações mais importantes relacionaram-se ao enfraquecimento de músculos próximo às áreas aplicadas por migração ou injeção acidental. Em um (0,2%) paciente ocorreu ptose palpebral unilateral, com discreto desvio do globo ocular, que persistiu por aproximadamente dez dias, resolvendo-se espontaneamente.


DISCUSSÃO

Vários são os métodos descritos visando à atenuação das rugas faciais. Em muitos, existe a necessidade de uma intervenção cirúrgica, levando, algumas vezes, a lenta recuperação, resultados insatisfatórios ou cicatrizes. Os produtos sintéticos injetáveis geralmente não têm resultado definitivo, são caros, podem migrar e alguns necessitam de teste prévio para sua utilização. O enxerto de gordura não traz bons resultados em relação a rugas periorbitais, sendo seu resultado fugaz, além de necessitar de um sítio doador.

A aplicação da toxina botulínica mostrou ser um método simples, não cirúrgico, seguro e eficaz no tratamento das rugas faciais, principalmente em seu terço superior. Apresenta poucas complicações, é reversível, pode ser reaplicada várias vezes, sendo de fácil obtenção.

Algumas cirurgias clássicas, como a ressecção dos músculos corrugadores, podem ser satisfatoriamente substituídas pela aplicação repetida dessa substância. Casos selecionados de assimetria facial provocados por lesão iatrogênica ou de outras etiologias também encontram nessa droga bons resultados. A paralisia temporária da região frontal pós-ritidoplastia pode ser adequadamente controlada com pequenas injeções contralaterais da toxina até a recuperação do lado lesado, diminuindo sobremaneira a ansiedade do paciente e do cirurgião. Em portadores de hipertrofia massetérica e hiperidrose axilar, essa opção não cirúrgica mostra importantes vantagens em relação aos tratamentos tradicionais.


CONCLUSÃO

A utilização da toxina botulínica vem juntar-se aos métodos tradicionais, representando uma opção não cirúrgica, efetiva e segura no tratamento das rugas de expressão da face e em casos selecionados de assimetria facial, encontrando cada vez mais importantes indicações na prática médica.


BIBLIOGRAFIA

1. BUSHARA KO et al. Botulinum toxin - a possible new treatment for axillary hyperhidrosis. Clinical Ex. Dermatol. 1996;21:276-278.

2. CARRUTERS J, CARRUTERS JA. Botulinum toxin use for glabellar wrinkles. IN: Annual Meeting of the American Society for Dermatologic Surgery, 1991, Orlando. Annals... p. 13-17.

3. CLARK RP, BERRIS CE. Botulinum toxin: A treatment for facial asymmetry caused by facial nerve paralysis. Plast. Reconstr. Surg. 1989; 84:353.

4. HASSAN SM et al. Elimination of superfluous neuromuscular junctions in rat calf muscles recovering from botulinum toxin-induced paralysis. Muscle Nerve. 1994; 17:623-631.

5. HELVESTON EM. Treatment of acquired nystagmus with botulinum toxin. Am. J. Ophtalmol. 1988;106:584-586.

6. MATSUDO PKR. Botulinum toxin for correction of fronto-glabella wrinkles: preliminary evaluation. Aesth. Plast. Surg. 1996; 20:439-441.

7. SCOTT AB et al. Pharmacologic weakening of extraocular muscles. Invest. Oftalmol. Soc. 1973; 12:924-927.

8. SCOTT AB. Botulinum toxin injection into extraocular muscles as an alternative to strabismus surgery. Ophtalmology. 1980;87:1044-1049.

9. SHORR N et al. The use of botulinum toxin in blepharospasm. Am. J. Ophtalmol. 1985; 99:542-546.

10. SMYTH AG. Botulinum toxin treatment of bilateral masseteric hypertrophy. Br. J. Oral Maxillofac. Surg. 1994; 32:29-33.

11. SAVINO PJ et al. Hemifacial spasm treated with botulinum injection. Arch. Ophtalmology. 1985; 103:1305-1306.

12. TSUI JK et al. A pilot study on the use of botulinum toxin in spasmodic torcicollis. Can. J. Neuro. Sci. 1985; 12:314-316.










I - Membro Titular da SBCP.

Endereço para correspondência:
Alberto Goldman
R. Quintino Bocaiúva, 683 conj. 203
Porto Alegre - RS 90440-051
Fone: (051) 331-7377
e-mail: goldman@pro.via-rs.com.br

 

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