ISSN Online: 2177-1235 | ISSN Print: 1983-5175

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Case Reports - Year1999 - Volume14 - Issue 2

RESUMO

A Síndrome de Madelung é um tipo raro de lipodistrofia que acomete a região cervical, o tronco e a região proximal dos membros superiores e cujo único tratamento efetivo é a cirurgia. Relata-se o caso de um paciente com esta síndrome, que está sendo submetido a cirurgias periódicas no Serviço de Cirurgia Plástica da Santa Casa de Misericórdia de Curitiba desde março de 1996, apresentando melhora notável em sua aparência, sem recidiva dos depósitos lipomatosos até o presente momento.

Palavras-chave: Lipomatose; lipodistrofia; limopatose simétrica benigna.

ABSTRACT

Madelung's syndrome is arare type of lipodystrophy afflicting the cervical region, the torso and the region near the upper limbs. The only effictive treatment for this disease is surgery. In this paper we desenhe the case of a patient who has been submitted to periodical surgical procedures at the Plastic Surgery Department of Santa Casa de Misericórdia de Curitiba Hospital since March, 1996. The patient showed noteworthy aesthetical improvement, without recurrence of the lipomatous deposits sofar.

Keywords: Lipomatosis; lipodystrophy; symmetric benign lipomatosis.


INTRODUÇÃO

A Síndrome de Madelung é um tipo raro de lipodistrofia descrito pela primeira vez em 1888 por Otto Madelung. Desde então, pouco mais de 200 casos foram relatados na literatura.

A condição, de etiologia ainda desconhecida, caracteriza-se por uma deposição simétrica de tecido adiposo ao longo do pescoço determinando o aspecto clássico denominado "horse collar" (Otto Madelung(17), 1888), bem como das regiões parótidas, retroauriculares e submentoniana ("bochecha de hamster"), tronco, regiões deltóides, supraclaviculares e parte proximal dos membros superiores ("aspecto pseudoatlético"), além da região cervical posterior ("giba de búfalo") (Enzi(8), 1984).

O crescimento lento e progressivo das massas lipomatosas leva a um verdadeiro desfiguramento estético, que não raro determina o isolamento social e a depressão no paciente. (Cavalcanti(3), 1995).


REVISÃO DE LITERATURA

As lipomatoses benignas foram classificadas em 3 grupos clínicos por Carlsen e Thomnsen (1978), conforme observa-se na Tabela I.




Hugo e Conway (1966) classificaram a Lipomatose Difusa Simétrica (tipo 2) em: predominantemente em tronco e coxas; e predominantemente cervical, como descrita por Madelung.

A lesão origina-se no tecido celular subcutâneo, penetrando por entre as fáscias musculares ou nos espaços entre os órgãos, seguindo aparentemente o caminho de menor resistência.

As massas lipomatosas são firmes e não encapsuladas, misturando-se bem com o tecido celular subcutâneo ao redor, estando intimamente relacionadas aos músculos, vasos e nervos. Microscopicamente, o tecido lipomatoso difere do tecido adiposo por apresentar mais elementos fibrosos e vasculares (Enzi(7, 8), 1984).

O crescimento das massas lipomatosas se dá por multiplicação celular semelhante à neoplasia, e não por hipertrofia das células pré-existentes (Enzi(7), 1977).

Acredita-se existir nesses pacientes um defeito na cadeia lipolítica, em um estágio anterior à formação do AMPc intracelular (Dorigo(5), 1980; Enzi(7), 1977).

Klopstok et al. (1994) relataram uma disfunção mitocondrial comum nesta síndrome. São fatores associados, porém inconstantes: etilismo, tabagismo, hiperinsulinemia, hiperlipoproteinemia e hiperuricemia.

Além da deformidade progressiva causada pelo tecido lipomatoso, os pacientes em geral não apresentam sintomas. Contudo, podem ocorrer síndromes mediastinais decorrentes da compressão de estruturas do mediastino pelo tecido lipomatoso, bem como neuropatias sensoriais, motoras e autonômicas (Enzi(8), 1984). A natureza dessas neuropatias ainda não está bem esclarecida.

O diagnóstico desta síndrome é feito facilmente pela aparência peculiar dos doentes; sendo a tomografia computadorizada e a ressonância magnética úteis na determinação da extensão das massas, bem como da sua relação com vasos, nervos e músculos.

O diagnóstico diferencial deve incluir as várias lesões do tecido celular subcutâneo, como: lipomas, angiodisplasias, neurofibromas, sarcomas, bócios, sialoadenites, obesidade e tumores linfáticos.

Alguns métodos terapêuticos têm sido sugeridos na tentativa de diminuir o volume dos depósitos lipomatosos(11, 14, 16, 23, 25, 29).

Leung et al. (1987) relataram um caso em que o Salbutamol oral reverteu uma síndrome de Madelung rapidamente progressiva, por um aumento na taxa metabólica. O paciente em questão apresentava atividades lipolíticas normais tanto "in vitro" quanto "in vivo". Entretanto, não é certo se nessa doença as atividades lipolíticas permanecem ou não intactas.

O esquema preconizado para a terapia com Salbutamol consiste na ingestão de 12 mg/dia divididas em três doses, durante seis meses(14).

O tratamento de escolha, porém, é a excisão cirúrgica das lesões (Dorigo(5), 1980; Enzi(8), 1984; Hoehn(9), 1976; Hugo(10) et al., 1966; Schuler(26), 1976; Shugar(27), et al., 1985). Muito embora a cirurgia envolva um sucesso apenas temporário na melhora da aparência, uma vez que os depósitos gordurosos reacumulam-se devido à permanência do defeito no metabolismo lipídico, os benefícios tanto estéticos com psicológicos assim promovidos justificam as operações.

A excisão das massas lipomatosas é um procedimento cirúrgico lento, que requer habilidade técnica, devido à extensão, ao caráter fibroso, hipervascular e infiltrativo desse tecido. Como não há um plano de clivagem entre as lesões e o tecido adiposo normal, a ressecção total dos depósitos torna-se impraticável. Assim, é preferível adotar uma técnica de escultura, restaurando um contorno relativamente normal, ao remover a maior parte de tecido lipomatoso possível (Hugo(10), 1966).

Apesar da hemostasia rigorosa e do uso de drenos no pós-operatório, o desenvolvimento de seromas e hematomas é bastante comum (Hugo(10) et al., 1966; Schuler(26), 1976; Shugar(27), et al., 1985).

O emprego da lipoaspiração no tratamento desta síndrome foi relatado por Carlin e Ratz(1) (1988), que a consideraram um método paliativo ideal, uma vez que pode ser realizada sob anestesia local, com menor seqüela cicatricial e em quantas vezes for necessário. Entretanto, a recorrência das massas lipomatosas é provável, da mesma maneira que na excisão cirúrgica. Além disso, a lipoaspiração apresenta, segundo os autores, dificuldades técnicas como: resistência à penetração da cânula (devido à natureza fibrosa do tecido), sangramento profuso (pela natureza hipervascular do tecido) e também a necessidade de abordagem conservadora devido à íntima relação do tecido lipomatoso com vasos e nervos, não se corrigindo totalmente a deformidade(1).


MATERIAL E MÉTODOS

O.M., sexo masculino, 53 anos, branco, brasileiro, estava bem até há aproximadamente quatro anos, quando notou o aparecimento de massas na região posterior do pescoço (giba) e no dorso, que, embora indolores, foram aumentando progressivamente de volume. Simultaneamente, refere crescimento de massas semelhantes na face, regiões retroauriculares e supraclaviculares, com certa mudança da fisionomia nega aumento de peso durante o período. Foi tabagista de 30 cigarros/dia por 40 anos e etilista de 1 copo/dia por 20 anos. Negava outras queixas.

Ao exame físico, apresentava 1,72 metro e 62 quilos. O exame segmentar era normal, exceto pela presença de massas de consistência firme, pouco aderidas aos planos profundos e indolores, ao longo das regiões pré e retroauriculares, submentoniana, cervical posterior, além de regiões escapulares, região lombar, mamas e bolsa escrotal.

Diante desse quadro clínico, foi diagnosticada a Síndrome de Madelung e iniciado o tratamento cirúrgico com ressecções seriadas das massas lipomatosas, na tentativa de conferir-lhe uma aparência mais harmoniosa. Os procedimentos cirúrgicos realizados estão listados na Tabela II.




RESULTADOS

Após as quatro operações listadas na Tabela II, observou-se significativa melhora na aparência do paciente (Figs. 1 a 3).


Fig. 1 - Pré e pós-operatório (vista anterior).


Fig. 2 - Pré e pós-operatório (vista lateral).


Fig. 3 - Pré e pós-operatório (vista posterior).



DISCUSSÃO

Embora sendo uma afecção rara, a Síndrome de Madelung cursa com os aspectos clássicos descritos há mais de cem anos, claramente visíveis no paciente aqui relatado: "horse collar", "bochecha de hamster", "giba de búfalo" e "aspecto pseudoatlético" (Madelung(17), 1888).

Doença que se inicia na idade adulta e com história pregressa de etilismo e tabagismo conforme foi relatado por Enzi(7), 1977; Kodish(11), 1974; Leung(14), 1987; Lyon(16), 1910; Moretti(20), et al., 1973; Tizian(30), 1983, e que foi observada em nosso paciente; bem como a evolução progressiva das massas lipomatosas (Enzi(8), 1984).

Optou-se pelo tratamento cirúrgico devido ao consenso entre os diversos autores de que este é o único método efetivo de tratamento (Dorigo(5), 1980; Enzi(8), 1984; Hoehn(9), 1976; Hugo(10) et al., 1966; Schuler(26) 1976; Shugar(27), 1985).

Conforme relatado por Schuler(26), (1976), as operações por nós realizadas também foram trabalhosas pelo caráter infiltrativo, fibroso e hipervascular das massas lipomatosas, que não apresentavam plano de clivagem. Embora tenham sido utilizados drenos de Penrose por dois dias no pós-operatório, houve formação de seroma em todas as operações, necessitando de drenagens aspirativas.

Os laudos anátomo-patológicos revelaram tratar-se de tecido adiposo com aumento de fibras e vasos, conforme relatado por Enzi(8), (1984).

Apesar de a mudança da aparência ter sido sutil, o paciente mostrou-se extremamente satisfeito com os resultados obtidos.


CONCLUSÃO

O tratamento de escolha para Lipomatose Simétrica Benigna é a excisão cirúrgica dos tumores.

A aparência pós-operatória confirma os dados da literatura de que são necessárias várias intervenções seriadas, aliadas à paciência e habilidade do cirurgião, para conferir ao paciente uma aparência mais harmoniosa.

Embora a operação envolva um sucesso apenas temporário, os benefícios estéticos e psicológicos assim promovidos justificam as operações.


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I - Membro Associado do Colégio Brasileiro de Cirurgiões, Professor convidado da disciplina de Clínica Cirúrgica da Pontífica Universidade Católica do Paraná, em Cirurgia Plástica, Residência Médica de Cirurgia Geral na Santa Casa de Curitiba, Especialização Médica de Cirurgia Plástica na Santa Casa de Curitiba.
II - Membro Titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, Chefe do Serviço de Cirurgia Plástica da Santa Casa de Misericórdia de Curitiba.
III - Membro Titular do Colégio Brasileiro de Cirurgiões, Professora Adjunto de Clínica Cirúrgica da Pontífica Universidade Católica do Paraná, Mestrado em Cirurgia pela Universidade Federal do Paraná.
IV - Especialista em Cirurgia Geral.
V - Especialista em Clínica Médica.

Endereço para correspondência:
Valdir Frederico Sonni
R. Marechal Deodoro, 2908 apto. 02
Curitiba - PR 80050-010
Fone: (041) 262-8184

 

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