ISSN Online: 2177-1235 | ISSN Print: 1983-5175

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Case Report - Year2018 - Volume33 - Issue 3

http://www.dx.doi.org/10.5935/2177-1235.2018RBCP0159

RESUMO

Introdução: As perdas de substância no terço inferior da perna costumam exigir elaboradas estratégias cirúrgicas para sua reconstrução. Dentre as opções existentes, o uso do retalho sural reverso de pedículo fasciossubcutâneo ou adipofascial reverso, citado na literatura como interessante alternativa, é pouco relatado, se comparado às outras técnicas mais utilizadas. O objetivo deste estudo é apresentar o resultado do tratamento de uma lesão exposta do tendão de Aquiles, realizado com retalho sural reverso de pedículo fasciossubcutâneo, associado à enxertia de pele total no mesmo tempo cirúrgico, discutindo as alternativas técnicas e as vantagens do procedimento.
Relato de caso: A.D., 28 anos, portador de lesão complexa em terço distal da perna, decorrente de evolução desfavorável de procedimento ortopédico de reconstrução do tendão de Aquiles rompido em acidente automobilístico, ocorrido há mais de 30 dias, foi submetido à reconstrução da ferida por meio do retalho sural reverso de pedículo fasciossubcutâneo. A evolução pós-operatória foi favorável, não havendo complicações ou intercorrências.
Conclusão: A técnica relatada apresentou uma boa opção com resultado satisfatório para a cobertura de lesão de terço inferior da perna com exposição do tendão de Aquiles.

Palavras-chave: Retalhos cirúrgicos; Traumatismos da perna; Procedimentos cirúrgicos reconstrutivos; Procedimentos cirúrgicos operatórios; Traumatismos do tornozelo

ABSTRACT

Introduction: Loss of substance in the lower third of the leg usually requires complex surgical procedures for tissue reconstruction. Among the existing options for tissue reconstruction, reverse sural flap of the fasciosubcutaneous pedicle or reverse adipofascial flap, described in the literature as a viable option, has been little studied compared with other techniques. The objectives of this study were to present the results of surgical treatment of a complex injury due to Achilles tendon rupture using the reverse sural flap of the fasciosubcutaneous pedicle concomitantly with total skin grafting and to discuss the advantages of the procedure as well as other surgical alternatives. Case report: A.D., a 28-year-old male patient, presented with a complex injury in the lower third of the leg because of a poor outcome of surgical repair of Achilles tendon rupture that had occurred during an automobile accident more than 30 days previously. The patient underwent injury reconstruction with the reverse sural flap of the fasciosubcutaneous pedicle. The postoperative result was favorable, without complications. Conclusion: The surgical technique described here is satisfactory for treating lesions in the lower third of the leg due to Achilles tendon rupture.

Keywords: Surgical flaps; Leg trauma; Reconstructive surgical procedures; Operative surgical procedures; Ankle trauma


INTRODUÇÃO

As perdas de substância no terço inferior da perna costumam exigir elaboradas estratégias cirúrgicas para sua reconstrução1-3. Especialmente os defeitos complexos da região do tendão de Aquiles, intercorrências comuns após cirurgias ortopédicas, figurando como verdadeiros desafios para os cirurgiões plásticos, devido às altas taxas de complicações e intercorrências2-4.

Várias são as opções disponíveis para reconstrução de lesões como essas, sendo sempre preferível o método mais simples1,5. Para a escolha da estratégia de reconstrução, deve-se considerar, entre outros, os seguintes fatores: lesão (localização, tamanho), área doadora, paciente (histórico clínico) e cirurgia (experiência do cirurgião, estrutura hospitalar)1.

Dentre as opções existentes para essa reconstrução, a técnica utilizando o retalho sural reverso de pedículo fasciossubcutâneo3,6,7 ou adipofascial reverso é citada na literatura há mais de 20 anos como interessante alternativa7,8, entretanto, pouco relatada, se comparada às outras técnicas mais utilizadas. As principais vantagens desta abordagem estão na execução, por ser simples e rápida; na vascularização, que é constante e segura; na baixa morbidade da zona doadora, bastante aceitável e que tem excelente arco de rotação9, colocando-a como escolha interessante em diversas oportunidades.

O objetivo deste estudo é apresentar o resultado do tratamento de uma lesão complexa no terço inferior da perna, com exposição do tendão de Aquiles, realizado com retalho sural reverso de pedículo fasciossubcutâneo, associado à enxertia de pele total no mesmo tempo cirúrgico, discutindo as alternativas técnicas e as vantagens do procedimento.

RELATO DO CASO

Paciente A.D., 28 anos, do sexo masculino, branco, sem comorbidades, apresentando lesão com necrose tecidual de aproximadamente 6,0x4,0cm em região de terço distal de perna direita com exposição de tendão no pós-operatório tardio de cirurgia ortopédica para reconstrução de ruptura subtotal do tendão de Aquiles pós-acidente automobilístico. No trigésimo dia de pós-operatório, o paciente foi encaminhado ao serviço de cirurgia plástica, sendo submetido a desbridamento (Figura 1).

Figura 1 - Aspectos do pré-operatório. A: Antes do desbridamento; B: Quinze dias após o desbridamento.

Quinze dias depois, com paciente em decúbito ventral horizontal, sob raquianestesia, após demarcação de sítio operatório na região da panturrilha do membro inferior direito, foi realizada a reconstrução do terço inferoposterior da perna com um retalho sural reverso de pedículo fasciossubcutâneo fixado sem tensão, associada à enxertia de pele total, a qual foi retirada da região poplítea ipslateral no mesmo tempo cirúrgico da confecção do retalho (Figuras 2 e 3).

Figura 2 - Aspectos do transoperatório da confecção do retalho sural com pedículo fasciossubcutâneo. A: Demarcação do sítio operatório; B: Amplo descolamento cutâneo; C: Dissecção da fáscia sobre o músculo sural e rotação do retalho em 180 graus, no eixo do pedículo fasciossubcutâneo, cobrindo a área exposta; D: Fixação do retalho na área receptora, sobre dreno de Penrose; E: Resultado pós-operatório imediato, após enxertia de pele total, no mesmo tempo cirúrgico.

Figura 3 - Ilustração do transoperatório da confecção do retalho sural com pedículo fasciossubcutâneo. A: Demarcação do sitio operatório; B: Amplo descolamento cutâneo; C: Dissecção da fáscia sobre o músculo sural e rotação do retalho em 180 graus, no eixo do pedículo fasciossubcutâneo, cobrindo a área exposta; D: Fixação do retalho na área receptora, sobre dreno de Penrose; E: Resultado pós-operatório imediato, após enxertia de pele total, no mesmo tempo cirúrgico.

O procedimento cirúrgico teve duração de 90 minutos, não sendo encontrada dificuldade na realização da técnica. O paciente recebeu alta médica hospitalar oito horas após o procedimento, sem imobilização gessada, apenas com curativo oclusivo local, sem referir déficit motor, queixas sensitivas ou álgicas relevantes e com orientações para evitar deambulação com carga total por um período de uma semana. O pós-operatório evoluiu sem intercorrências, apenas com curativos ambulatoriais. O resultado cicatricial foi gradualmente alcançando o aspecto esperado (Figura 4).

Figura 4 - Aspectos do pós-operatório. A: 60 dias; B: 120 dias; C: 150; D: 180 dias de pós-operatório.

DISCUSSÃO

Quando abordamos as reconstruções do terço inferior da perna, a necessidade da popularização de alternativas técnicas mais efetivas, menos complexas e com resultados superiores, é referida por diversos autores há anos, especialmente para lesões em terço distal da perna1,7.

A partir da crescente elevação no grau de exigência dos pacientes em relação ao resultado da cirurgia, a determinação da qualidade do desfecho obtido vem ganhando cada vez mais destaque na literatura e incitando grande discussão entre os cirurgiões plásticos e seus pacientes2-4.

O retalho sural reverso de pedículo fasciossubcutâneo ou adipofascial reverso é seguro por nutrição constante dos ramos perfurantes cutâneos das artérias fibular e tibial posterior1, preserva a inervação sensitiva do nervo safeno, fibular superficial e sural, pois apenas uma fina parte do subcutâneo é deixada sob a derme para evitar lesão do plexo subdérmico da região doadora, enquanto a maior parte do subcutâneo facilmente dissecada em um plano cirúrgico garante a viabilidade do retalho, facilitando sua rotação no próprio eixo de forma simples e sem necessidade de liberação do pedículo para regularização das bordas em segundo tempo cirúrgico como no retalho fasciocutâneo2, mantendo baixa morbidade e resultados satisfatórios, sem sequelas funcionais1,6,8.

O retalho sural reverso de pedículo neurocutâneo, descrito inicialmente por Masquelet et al., em 1994, geralmente é uma das opções mais difundidas2 para correções de lesões nessas áreas em casos como o aqui apresentado. No entanto, esta alternativa recebe críticas pela perda da sensibilidade cutânea e cicatriz inestética da área doadora2.

Os retalhos perfurantes também vêm ganhando mais destaque nos últimos anos. Descritos inicialmente por Donski & Fogdestam5, em 1983, entretanto, essa técnica apresenta desvantagens como a grande variação no diâmetro e posição dos vasos perfurantes.

O uso das reconstruções microcirúrgicas, como o retalho miocutâneo livre do grande dorsal, entre outras possibilidades que despontaram há alguns anos como alternativas cirúrgicas para o tratamento de lesões em áreas críticas2,3, são geralmente reservados para lesões mais extensas e necessitam de uma infraestrutura mais sofisticada com equipe altamente experiente.

Em revisão na literatura publicada na Revista Brasileira de Cirurgia Plástica em janeiro de 2017 foram citadas e descritas algumas opções mais utilizadas para reconstrução de lesões complexas dos membros inferiores10, no entanto, o retalho que ressaltamos não foi citado.

O retalho sural reverso de pedículo fasciossubcutâneo ou adipofascial, devido ao bom prognóstico desenhado tanto pela literatura relativamente escassa nos últimos anos quanto pelo nosso caso em questão, mostrou-se eficaz, seguro, com excelente resultado estético, funcional e sem recidivas ao longo do período avaliado. Merece, desta forma, mais atenção dos cirurgiões plásticos devido às possibilidades que vislumbra, especialmente quando comparado com as técnicas alternativas mais utilizadas rotineiramente e aqui citadas.

CONCLUSÃO

O retalho sural reverso de pedículo fasciossubcutâneo, associado à enxertia de pele total no mesmo tempo cirúrgico, apresentou-se como uma boa opção, com resultado satisfatório para reconstrução da lesão complexa no terço inferoposterior da perna com exposição do tendão de Aquiles.

COLABORAÇÕES

DNS

Análise e/ou interpretação dos dados; análise estatística; aprovação final do manuscrito; concepção e desenho do estudo; realização das operações e/ou experimentos; redação do manuscrito ou revisão crítica de seu conteúdo.

MR

Aprovação final do manuscrito; concepção e desenho do estudo; realização das operações e/ou experimentos.

AABMR

Análise e/ou interpretação dos dados; análise estatística; aprovação final do manuscrito; concepção e desenho do estudo; redação do manuscrito ou revisão crítica de seu conteúdo.

ICP

Análise e/ou interpretação dos dados; análise estatística; concepção e desenho do estudo; redação do manuscrito ou revisão crítica de seu conteúdo.

REFERÊNCIAS

1. Braga-Silva J, Martins PDE, Román JA, Gehlen D. Utilização do Retalho Adipofascial Reverso nas Perdas de Substância Cutânea do Terço Distal da Perna e Pé. Rev Bras Cir Plást. 2005;20(3):182-6.

2. Garcia AMC. Retalho sural reverso para reconstrução distal da perna, tornozelo, calcanhar e do pé. Rev Bras Cir Plást. 2009;24(1):96-103.

3. Weber ES, Franciosi LFN, Mueller SF, Dalponte M, Heurich NR, Gonçalves SCS. Retalho sural para reconstrução do pé. ACM Arq Catarin Med. 2007;36(Supl. 1):1-4.

4. Belém LFMM, Lima JCSA, Ferreira FPM, Ferreira EM, Penna FV, Alves MB. Retalho sural de fluxo reverso em ilha. Rev Soc Bras Cir Plást. 2007;22(4):195-201.

5. Donski PK, Fogdestam I. Distally based fasciocutaneous flap from the sural region. A preliminary report. Scand J Plast Reconstr Surg. 1983;17(3):191-6. PMID: 6673085

6. Vendramin FS. Retalho sural de fluxo reverso: 10 anos de experiência clínica e modificações. Rev Bras Cir Plást. 2012;27(2):309-15. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S1983-51752012000200023

7. Gumener R, Zbrodowski A, Montandon D. The reversed fasciosubcutaneous flap in the leg. Plast Reconstr Surg. 1991;88(6):1034-41. DOI: http://dx.doi.org/10.1097/00006534-199112000-00013

8. Franco T, Couto P, Gonçalves LFF, Franco D, Silva CC. Tratamento das exposições ósseas e tendinosas no terço distal da perna e no pé utilizando retalho fasciossubcutâneo reverso de panturrilha. Rev Bras Ortop. 1996;31(3):247-52.

9. Kneser U, Bach AD, Polykandriotis E, Kopp J, Horch RE. Delayed reverse sural flap for staged reconstruction of the foot and lower leg. Plast Reconstr Surg. 2005;116(7):1910-7. DOI: http://dx.doi.org/10.1097/01.prs.0000189204.71906.c2

10. Anlicoara R, Barbosa FAMA, Sá JZ, Braga ACCR, Sá GT. Reconstrução de feridas complexas de membros inferiores com retalhos fasciocutâneos reversos. Rev Bras Cir Plást. 2017;32(1):116-22.











1. Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campo Grande, MS, Brasil.
2. Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, São Paulo, SP, Brasil.

Instituição: Clínica Particular do autor, Campo Grande, MS, Brasil.

Autor correspondente: Daniel Nunes e Silva, Av. Alto Porã, nº 51 - Chácara Cachoeira, Campo Grande, MS, Brasil. CEP 79040-045. E-mail: dermatoeplastica@gmail.com

Artigo submetido: 4/2/2018.
Artigo aceito: 22/6/2018.

Conflitos de interesse: não há.

 

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