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Articles - Year1999 - Volume14 - Issue 1

RESUMO

Observações clínicas realizadas previamente pelo autor senior(23) sugeriram que a injeção local de hialuronidase (HLD) aumenta a sobrevivência de retalhos cutâneos. Neste trabalho experimental, analisamos os efeitos da HLD em retalhos cutâneos de coelhos. Para tanto comparamos, após 7 dias da cirurgia, retalhos dorsolaterais de pedículo craneal, injetados diariamente com 1 ml de HLD (200 U/ml, retalhos tratados, com retalhos injetados diariamente com 1 ml de soro fisiológico (controle 1) e com outros não injetados (controle 2). A eficiência da hialuronidase foi confirmada pela percentagem de necrose nos retalhos (avaliada pela cor e enchimento capilar) que chegou a 1,47% ± 2,91, 27,64% ± 25,89 e 30,14% ± 27,96 nos grupos tratado, controle 1 e controle 2 respectivamente. Concluímos que a HLD é capaz de prevenir necrose em retalhos cutâneos.

Palavras-chave: Hialuronidase e retalhos cutâneos; sobrevivência de retalhos cutâneos; retalhos cutâneos

ABSTRACT

Previously, clinical observations have suggested that local injection of hyaluronidase (HDL) increase skin flaps survival(23). We have now extended these observations, analyzing the effects of HDL in rabbit skin flaps. Therefore, dorso-lateral, cranially pedicled skin flaps were treated with 1 ml HDL (200 U/ml, treated flaps) and compared, after 7 days of surgery, with flaps injected with 1 ml saline (control 1) or no injected at all (control 2). The efficiency of HDL was confirmed by the percentage of necrosis in the flap area (evaluated by tissue color and capillary filling) which achieved 1.47% ± 2.91) 27.64% ± 25.89 and 30.14% ± 27.96 in the treated groups, control 1 and control 2 flaps respectively. We conclude that HDL is capable of preventing skin flaps necrosis.

Keywords: Hyaluronidase and skin flaps; skin flaps survival; skin flaps.


INTRODUÇÃO

Tem sido estudada, por muitos investigadores, a ação de várias substâncias como drogas vasoativas (6,9,10,11,14), antioxidantes (8), corticosteróides(22) e enzimas, inclusive a hialuronidase(16), na sobrevivência de longos retalhos cutâneos.

Desde 1929, quando o "fator de difusão" foi descoberto, as propriedades dessa enzima têm sido intensamente estudadasv(12,21). Foi identificada como enzima mucolítica, que despolimeriza e hidrolisa o ácido hialurônico, polisacarídeo essencial do tecido conjuntivov(20).

No início dos anos 50, foi clinicamente usada pela primeira vez em injeções intravenosas para tratamento do edema cerebral(25). Logo foi usada em casos de infarto agudo do miocardio, agindo aparentemente pela redução do edema intramiocárdico(18,19). Em 1988, ações importante sobre as macromoléculas da matriz extracelular foram demonstradas em um modelo experimental usando a pele de coelhos(15), constatando-se que a injeção intradérmica da enzima degrada proteoglicanos dérmicos e que, devido à atividade da endoglicosaminidase, ocorre dissociação de feixes colágenos seguida por ressíntese dos proteoglicanos inicialmente degradados. Por outro lado, a estrutura das fibras elásticas não é alterada.

A enzima foi usada para hidratação por hipodermóclise, e até mesmo foi publicado um trabalho recente sobre esse uso em pacientes com câncer avançado(50).

Vários estudos, usando tanto por via intradérmica como subcutânea em áreas ou em torno de áreas de extravasamento venoso de substâncias tóxicas como nafcilina (26), CaCl2(24), soro hipertônico e tetradecilsulfato de sódio usados em escleroterapia (27,28), vinca-alcalóides e outras drogas citotóxicas(3,4), demonstraram a efetividade da hialuronidase para preverur necrose.

Neste trabalho, a hialuronidase foi injetada diretamente na pele e tecido subcutâneo de longos retalhos com a finalidade de aumentar a permeabilidade do tecido conjuntivo, supondo que isto aumente o fluxo de líquido intersticial para a base do retalho. Esperamos com isso aumentar a drenagem de metabolitos da extremidade do retalho para áreas mais distantes com vascularização normal, o que pode prevenir sua necrose. No modelo estudado, a hialuronidase representou um tratamento efetivo para a prevenção da necrose.


MATERIAL E MÉTODOS

Dezoito coelhos, fêmeas da raça neozelandesa, brancas, pesando entre 2500 e 3000 gramas foram utilizadas. Todas foram mantidas sob as mesmas condições. Anestesiadas com ketamina intramuscular (25 mg/kg), diazepan (1 mg/kg) e atropina (1 ml) foram submetidas à tricotomia e antissepsia com povidine e álcool. O modelo experimental foi um retalho de pele dorso-lateral com pedículo craneal, medindo 12,5 cm x 2,5 cm. Cada retalho foi descolado e recolocado em seu leito original, por sutura contínua com nylon 3-0 monofilamentar (Figs. 1 e 2).


Fig. 1 - Superfície interna de um retalho descolado.


Fig. 2 - O retalho suturado em seu leito original.



O estudo foi dividido em 2 grupos de 9 animais. No grupo I foram feitos 2 retalhos em cada animal. Um retalho, aleatoriamente selecionado, foi injetado com a enzima (200 U/lml/dia - retalhos tratados) e o retalho contralateral injetado com soro fisiológico (lml/dia - retalhos controle 1) (Figs. 3 e 4). Aproximadamente 1 ml de HLD foi injetado nos dois terços distais do retalho, divididos em injeções intradérmicas de 0,1 ml, uma vez ao dia, durante 7 dias, e da mesma forma com solução salina no retalho do outro lado. No grupo II de animais foi levantado apenas um retalho por animal, observados também por 7 dias, porém sem nenhuma injeção (retalhos controle 2) .


Fig. 3 - Injeção da solução de HLD nos 2 terços distais de um retalho tratado.


Fig. 4 - Injeção de soro fisiológico em um retalho controle-l contralateral.



Foram anotados diariamente a coloração e o enchimento capilar dos retalhos.

As áreas sobreviventes e necróticas foram medidas após o sétimo dia.


ANÁLISE ESTATISTICA

O teste t de Student pareado foi utilizado para a análise comparativa da sobrevivência entre os retalhos tratados e controle 1. Na comparação entre os grupos de retalhos controle 1 e controle 2 aplicou-se o teste t de Student não pareado.

Os resultados foram expressos pela média ± o desvio padrão e foram considerados significantes num nível de 95% de confiança (p < 0,05).


RESULTADOS

O objetivo deste trabalho foi avaliar os efeitos da hialuronidase na sobrevivência de retalhos cutâneos.

Com este propósito foram realizados experimentos controlados em coelhos, e longos retalhos cutâneos foram injetados com concentrações fixas da enzima e observados a intervalos regulares de tempo para verificar a ocorrência de necrose.

Foram adotadas condições de controle diferentes não pareadas: retalhos injetados com soro fisiológico, chamados de retalhos controle 1 (ou Cl) e retalhos não injetados, chamados de controle 2 (ou C2).

A incidência e a extensão de necroses foram indistinguíveis entre C1 e C2, como mostrado na Tabela I e exemplificado na Fig. 5.




Fig. 5 - Taxas diferentes de necrose dos retalhos controle: 5a - Retalho Cl com 25 % de necrose. 5b - Necrose de 75 % de um retalho Cl. 5c - Necrose de 70,3 % de um retalho C2. 5d - Ilhas de necrose focal somando 44,4 % de um retalho C2.



A incidência e a extensão das lesões necróticas naqueles retalhos tratados com a HLD (comparados com C1 e C2) foram dramaticamente reduzidas como exemplificado na Fig. 6 e representado graficamente na Fig. 8 (dados na Tabela I).


Fig. 6 - Formas diversas de evolução dos retalhos tratados (T): 6a - Necrose de 6% no 7º dia pós-operatório. 6b - Necrose de 6,6% após 2 semanas. 6c - Retalho com área de sofrimento na extremidade distal no 3º dia. 6d - Melhora da cor e sobrevivência completa do mesmo retalho de 6c. 6e - Outro retalho T no 3º dia com sofrimento na extremidade. 6f - O mesmo retalho de 6e - normal no 7º dia.


Fig. 8 - Representação gráfica da extensão de necrose, experimentalmente determinada nos retalhos tratados com HLD (T), nos injetados com soro (Cl) e nos controles não injetados (C2). Os parênteses mostram o número dos retalhos. A necrose está virtualmente ausente nos retalhos tratados, em comparação com as taxas de ambas as condições controle (Cl e C2).



Apenas dois coelhos, dos nove testados, apresentaram necrose do terço distal dos retalhos, em aproximadamente 6 % de seu comprimento (Fig. 6). Em outros casos, houve reversão de alterações de cor, seguidas por sobrevivência completa durante a primeira semana (Fig. 6). Foi observado um caso de epidermólise entre os retalhos tratados seguida por reepitelização em 2 semanas (Fig. 7).


Fig. 7 - Epidermólise seguida de cura completa em um retalho tratado: 7a - A epiderme necrosada no terço distal. 7b - A crosta sendo retirada no 14º dia.7c - Epitelizaçâo normal do terço distal já quase totalmente curado.



DISCUSSÃO

Vários estudos experimentais e clínicos continuam sendo realizados à procura de um método seguro e eficaz que garanta a viabilidade de longos retalhos cutâneos. Várias manobras físicas e farmacológicas têm sido tentadas em modelos experirnentais (1, 2, 7, 13, 17). Nenhuma delas provou ainda ser completamente eficiente contra a necrose de retalhos após grandes descolamentos, mas importantes avanços têm sido conseguidos.

A hialuronidase é uma enzima que reduz ou previne a necrose, presumivelmente por causar uma rápida difusão de líquidos extravasados para áreas distantes do ponto de extravasamento, diminuindo a concentração, nesse ponto, de substâncias nocivas (3,4,24,26,27,28), e permitindo então um melhor retorno dos nutrientes. A rápida difusão de líquidos é provocada por uma temporária alteração do cimento intercelular pela ação da enzima(26), o que permite aumentar a superfície absortiva e conseqüentemente a taxa de nutrição celular, melhorando o fluxo capilar e intersticial de nutrientes e metabolitos.

Nosso estudo analisou os efeitos da hialuronidase em retalhos cutâneos de coelhos, após 7 dias da cirurgia. Os dados mostram uma significante redução na incidência de necrose no grupo tratado com a enzima comparado com o grupo Cl , sugerindo que a hialuronidase foi efetiva para aumentar a sobrevivência dos retalhos. A hipótese de que os efeitos protetivos poderiam ser devidos à solução salina de "per si" foi descartada porque os resultados deste grupo, C1, não foram estatisticamente diferentes daqueles do grupo C2, onde nada foi injetado nos retalhos.

Estes resultados confirmam observações preliminares em pacientes(23) mostrando que a hialuronidase foi efetiva para a sobrevivência de longos retalhos cutâneos. Embora as bases bioquímicas e histológicas para os efeitos protetivos da hialuronidase ainda não sejam claras, nós acreditamos que em futuro próximo o emprego clínico dessa enzima na Cirurgia Plástica possa ser seriamente considerado.


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I - Membro Titular da SBCP - Clínica Luiz Pimentel - Niterói, Rio de Janeiro, Brasil.
II - Professor Associado - Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil.

Endereço para correspondência:
Clínica Luiz Pimentel
R. Nilo Peçanha, 59 Niterói - RJ 24210-480
Fone: (021) 620-6018

Trabalho realizado no Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho, UFRJ, Cidade Universitária, Ilha do Fundão - Rio de Janeiro - RJ.

 

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