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Case Reports - Year1998 - Volume13 - Issue 2

INTRODUÇÃO

A Síndrome de Hipertermia Maligna (HM) é um estado hipermetabólico cuja ocorrência é rara, numa incidência de 1:15000 anestesias em crianças e, 1:50000, em adultos. A doença é mais comum em homens adultos, na terceira década de vida, não havendo predileção racial.

Este estado hipermetabólico é caracterizado por taquicardia, pressão arterial instável, rigidez de masseteres (em 25 % dos casos não é observada, são as formas não rígidas), hipertermia (elevação rápida da temperatura, até de 1ºC em 5 minutos, atingindo 42º/43ºC), taquipnéia, hipermetabolismo aeróbico e anaeróbico (com intensa produção de calor, dióxido de carbono, lactato e piruvato), cianose, sudorese ou pele extremamente seca.

Acredita-se que seja uma desordem da musculatura esquelética de herança autossômica dominante, multifatorial, desencadeada por agentes anestésicos (principalmente succinilcolina e halotano) e estresse.

O defeito principal da fibra muscular se concentra na dificuldade do retículo sarcoplasmático (RSP) em recapturar o cálcio liberado durante a contração muscular mantendo, assim, um estado de contratura com conseqüente produção de calor, consumo de oxigênio, metabolismo anaeróbico com produção de ácido láctico e, finalmente, necrose muscular(1, 2, 3, 4).

O diagnóstico é feito pelos quadros clínico e laboratorial que incluem acidose metabólica e respiratória (níveis de pressão arterial de gás carbônico -PaC02 - maiores que 55 mmHg são significativos e de mau prognóstico, ou seja, de HM fulminante), hipercalcemia, hipercalemia, mioglobinúria e aumento de enzimas séricas (principalmente desidrogenase láctica ou DHL, creatinafosfoquinase ou CPK, aldolase).

O diagnóstico diferencial deve ser feito com hipertireoidismo, feocromocitoma, Síndrome Neuroléptica Maligna e quadros infecciosos.

O tratamento consiste em descontinuação dos anestésicos administrados, dantrolene e bicarbonato de sódio, resfriamento das cavidades gástrica, vesical e retal, monitorização do débito urinário e esteróides, bem como acompanhamento laboratorial dos fatores de coagulação para detecção de CIVD (coagulação intravascular disseminada).

O índice de mortalidade logo após a instalação do quadro é de 70%, e nos casos de sobrevida as complicações tardias são edema cerebral, síndrome de angústia respiratória do adulto ou SARA, insuficiência renal aguda ou IRA (pela mioglobinúria), hemólise e CIVD(l, 5, 6).

Relatamos a ocorrência de um caso, instalado logo após o término da cirurgia (mamoplastia redutora), tratado com sucesso com dantrolene.


RELATO DE CASO

SLL, 28 anos, sexo feminino, branca, 61 kg, ASA I, internada para realização de mamoplastia redutora.

Referia antecedentes de crise convulsiva aos 13 e 18 anos desencadeada frente a "estresse" (sic), sendo que vários parentes diretos apresentavam a mesma ocorrência. Nos antecedentes anestésicos se notava peridural para cesárea há 6 e 5 anos, sem intercorrências. Os exames físico e pré-operatórios estavam dentro da normalidade.

A anestesia foi realizada com etomidato, fentanil, succinilcolina e halotano. A cirurgia realizada foi mamoplastia redutora, pela técnica de Pitanguy, com duração de 2,5 horas, com sangramento de aproximadamente 700 ml, calculado pela pesagem das compressas.

Após 30 minutos do término da anestesia a paciente apresentou hipertermia - temperatura axilar (Tax) 38,8º C -, tendo sido tratada com dipirona, por via venosa.

Alguns minutos após, apresentava-se confusa, pulso (P) 140 e Tax 40º C. Foram adotadas as seguintes condutas: monitorização cardíaca, O2 sob cateter, soro gelado por via venosa, compressas de álcool em tórax, abdome e axila, lavagem gástrica e vesical com soro gelado, hidrocortisona, cefalosporina; e colhidos Exames laboratoriais (gasometria arterial, hemoglobina (Hb), hematócrito (Ht), hemocultura).

Minutos após, a paciente permaneceu com confusão mental, P 148, PA 80 x 60 mmHg, Tax 42º C, pele seca, taquipnéia e cianose. As condutas adotadas foram: administração de bicarbonato de sódio, dissecção de veia para introdução de catéter central, controle de pressão venosa central (PVC), administração de furosemide e manitol, manutenção das medidas de resfriamento e oxigenação e colheita de nova amostra para gasometria.

O quadro clínico nas 18 horas subseqüentes à instalação do quadro está resumido na tabela I. As gasometrias estão expostas na tabela II.






Outros exames laboratoriais realizados foram hemograma (Hb 7,3 e Ht 22) e CPK (1.500 V/ml e 18.000 U/ml). Os demais exames, como dosagem de sódio (Na), potássio (K), amilase, cálcio (Ca), coagulograma, contagem de reticulócitos, glicemia, uréia, creatinina, não apresentavam alterações.

A paciente permaneceu, nas 18 horas seguintes à instalação do quadro, consciente, com pressão arterial (PA) em torno de 90 x 50 mmHg, pulso maior ou igual a 130 batimentos por minuto, Tax maior ou igual a 37,8º C, ocorrendo ainda nesse período dispnéia, dados radiológicos compatíveis com congestão pulmonar e mialgia, quando foi instituído tratamento com dantrolene 1 mg/kg por via venosa. Minutos após o uso de dantrolene, o quadro era de PA de 120 x 80 mmHg, P 86 bpm, Tax 36ºC, referia melhora acentuada da mialgia.

A paciente apresentou dispnéia e tosse nos dias seguintes (2º e 3º dias do pós-operatório). Ao raio X de tórax, constatou-se infiltrado pulmonar intersticial. A conduta adotada nesse período foi o uso de diuréticos.

Teve alta hospitalar no 4º pós-operatório, já com melhora do quadro pulmonar, tanto sintomático quanto radiológico.

Exames posteriores mostraram regressão dos níveis séricos enzimáticos da creatinina fosfoquinase. As hemoculturas foram negativas. Questionada a paciente sobre episódios semelhantes na família, relatou que o pai apresentou "febre muito alta" (sic), após ter sido submetido a esofagoplastia.


DISCUSSÃO

O caso apresenta, a nosso ver, quadro compatível com HM, dada a ocorrência súbita de hipertermia após o uso de succinilcolina e halotano, acidose de difícil correção, taquipnéia, cianose, dor muscular, aumento de CPK (que só se encontra alterada em doenças musculares prévias, leptospirose, infarto agudo do miocárdio e HM), melhora acentuada com o uso de dantrolene e, história familiar.

A finalidade deste relato é mostrar o efeito benéfico do dantrolene, mesmo quando administrado horas após a instalação do quadro, prevenindo as complicações tardias mais temíveis como IRA, SARA, CIVD.

Dantrolene é um relaxante muscular, cuja ação principal consiste em promover a recaptura do cálcio pelo RSP. Sua ação é específica na HM, causando a regressão completa do quadro em poucas horas.


BIBLIOGRAFIA

1. XAVIER, L. Síndrome de hipertermia maligna. Rev. Bras. Anest. 1984; 34:61-69.

2. MILLER, R.D. Anesthesia. 2. ed. New York. 1986; 3:1971-1994.

3. SABISTON, D.C. Textbook of Surgery. 14. ed.Philadelphia. 1991; p. 301.

4. CIVETTA, J.M. Critical Care. 2. ed. Philadelphia. 1992; 904-6.

5. COLLINS, V.J. Princípios de Anestesiologia. 2. ed. Rio de Janeiro. 1978; 893-5.

6. BLITT, C.D. Monitoring in Anesthesia and Critical Care Medicine. 2. ed. Churchill Livingstone, 1990; 564-5.





I - Membro Associado da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica.
II - Professor de Cirurgia Plástica da Faculdade de Medicina de Santo Amaro. Assistente do Serviço de Cirurgia Plástica do Hospital do Servidor Público Municipal de São Paulo. Membro Titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica.

Endereço para Correspondência:
Paulo Roberto de Souza Jatene
R. Sergipe, 401 - cj. 207/208
São Paulo - SP - 01243-001

 

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