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Case Reports - Year2000 - Volume15 - Issue 2

RESUMO

O objetivo do presente trabalho é apresentar um caso clínico de síndrome da fissura orbitária superior numa paciente com trauma de face sem fraturas do terço médio e estabelecer uma correlação dessa injúria com o acometimento orbitário, sugerindo que sua etiologia seja a transmissão da força do impacto através dos pilares do esqueleto reticular da face, até a órbita.
Enfatizamos a necessidade do conhecimento desse mecanismo etiopatológico e discutimos aspectos diagnósticos e terapêuticos da referida síndrome.

Palavras-chave: Síndrome da fissura orbital superior; oftalmoplegia; trauma facial; ptose palpebral; midríase

ABSTRACT

The aim of this work is to present a clinical case of the Superior Orbitary Fissure Syndrome in a patient with face trauma without medial third fracture and to establish a correlation of this injury with the orbitary commitment, suggesting that its ethiology is due to the impact force transmission throughout the pillars of the face's reticulated sheleton up to the orbit. The necessity of the knowledge of this ethiopathological mechanism is stressed and the diagnostic and therapeutical of this syndrome are the discussed aspects.

Keywords: Superior orbital fissure syndrome; ophthalmoplegia; facial trauma; palpebral ptosis; mydriasis


INTRODUÇÃO

A Síndrome da Fissura Orbitária Superior (SFOS) foi descrita por Hirchfield em 1858(1), sendo caracterizada por oftalmoplegia, ptose palpebral superior, proptose do olho, midríase e anestesia da região frontal e pálpebra superior, devido a lesão, concomitante ou não, do III, IV e VI pares cranianos, da primeira divisão do V par craniano e da inervação autônoma para o globo ocular e sua musculatura extrínseca(1,2) (Fig. 1). A etiologia dessa entidade nosológica é variável, sendo relatadas fraturas do segmento médio do esqueleto facial, neoplasias, hematomas retrobulbares e infecções do seio cavernoso, das meninges ou do sistema nervoso central(2).


Fig. 1 - Estruturas anatômicas do ápice da órbita, segundo Gardner.



O propósito desse trabalho é relatar um caso clínico de SFOS numa paciente com trauma de face sem fraturas do terço médio e sem evidências clínicas e tomográficas de fratura esfenoidal ou patologias evidentes em ápice de órbita, como hematoma retro-bulbar, e correlacionar a etiopatologia da entidade em questão com a transmissão da força do impacto no esqueleto superficial do terço médio da face para o endocrânio, como apresentado por Sturla(3).


RELATO DE CASO (MATERIAL E MÉTODOS / RESULTADO)

Paciente I.R.S.S., 31 anos, casada, morena, previamente hígida, com história de ter sido vítima de atropelamento em 22/05/99. Relata trauma em hemiface direita e queixa de diplopia. Ao exame clínico, apresentou proptose, oftalmoplegia (excessiva abdução e rotação ínfero-lateral de olho), ptose palpebral, midríase unilateral à direita e estrabismo divergente. Negou parestesia da região frontal (Figs. 2 e 3). Apresentava, também, limitação de abertura bucal, distopia oclusal e edema em região de corpo de mandíbula à direita.


Fig. 2 - Aspecto clínico da paciente; notar a ptose palpebral e o estrabismo divergente à direita.


Fig. 3 - Detalhe da oftalmoplegia à direita (mirada superior).



O exame radiológico revelou fratura do corpo da mandíbula à direita, não sendo evidenciadas fraturas em terço médio da face ou endocrânio, apenas velamento discreto do seio maxilar direito (Fig. 4).


Fig. 4 - Aspecto radiográfico; notar integridade da linha inominada à direita e ausência de sinais de fraturas de terço médio.



As tomografias não evidenciaram fraturas em crânio ou órbita, assim como alterações de partes moles do cone orbitário, exceto por aumento de densidade da musculatura extrínseca do globo ocular. Ausência de sinais de compressão do ápice orbitário (Figs. 5 e 6).


Fig. 5 - Tomografia em corte coronal; notar integridade do ápice da órbita.


Fig. 6 - Tomografia em corte coronal; notar ausência de sinais de compressão direita do ápice orbitário.



Estabeleceu-se o diagnóstico de fratura do corpo da mandíbula à direita e SFOS.

A paciente foi submetida à redução da fratura da mandíbula em 21/07/99, com fixação rígida da mandíbula, sem bloqueio intermaxilar (Fig. 7). Optou-se por tratamento conservador da SFOS, juntamente com acompanhamento oftalmológico seqüencial e administração de prednisona.


Fig. 7 - Aspecto radiográfico do tratamento da fratura da mandíbula.



Na última avaliação, realizada em 30/08/99, já se evidenciou melhora parcial dos sinais e sintomas da SFOS (Figs. 8 e 9)


Fig. 8 - Aspecto clínico da paciente em 30/08/99. Notar melhora da ptose palpebral e da midríase à direita.


Fig. 9 - Detalhe do aspecto clínico da paciente em 30/08/99.




DISCUSSÃO

Com o objetivo de proporcionar uma avaliação adequada dos traumas craniofaciais, STURLA (1980), apoiando-se nos trabalhos de 1901 de René Le Fort(4), desenvolveu um estudo experimental no qual apresentou o esqueleto fixo da face como de estrutura reticular, formado por pilares superficiais e profundos, anéis axiais e cruzes craniofaciais, responsáveis pela sustentação desse esqueleto e passíveis de transmitir forças de impacto superficiais para regiões profundas, sendo, de nosso particular interesse, a órbita(3) (Figs. 10 e 11).


Fig. 10 - Estrutura reticular do esqueleto facial, segundo Sturla.


Fig. 11 - Anéis craniofaciais,segundo Sturla.



As complicações oftalmológicas associadas aos traumas faciais e osteotomias da face são relatadas na literatura(1,2,5,6,7,8,9,10), sendo a SFOS descrita como entidade rara, principalmente quando associada ao trauma(2). Não se observa na literatura uma estatística quanto à presença da síndrome sem fraturas do segmento médio da face e das asas maior e menor do esfenóide. Para tal, infere-se que o mecanismo de injúria seja indireto, como propõe Lanigan(6,10) e o que nos remonta às observações de Sturla(3), previamente citadas, e como é ilustrado pelo caso clínico apresentado. O trauma facial pode ter sua força de impacto transmitida através dos pilares do esqueleto médio da face, acometendo o ápice orbitário e proporcionando compressão das estruturas vasculonervosas dessa topografia, mesmo sem evidências de fraturas ou hematomas retrorbitários.

O diagnóstico dessa patologia é clínico, devendo ser solicitado estudo tomográfico do crânio e órbita para que seja possível surpreender fraturas em ápice orbitário ou outros sinais evidentes de compressão do mesmo(6,7,10,11).

Uma avaliação oftalmológica seqüencial deve ser instituída, uma vez que fenômenos vasculares podem vir a se instalar progressivamente, comprometendo as estruturas nervosas da órbita.

O tratamento para a SFOS em caso de trauma é na maioria das vezes conservador, podendo-se fazer uso de esteróides com melhora clínica em período variável de tempo (3 semanas a 4 meses). Em situações de maior raridade, procede-se à descompressão da órbita por via endocraniana ou transfacial(1,2,8,10).

O caso clínico apresentado enfatiza a necessidade de se conhecer os mecanismos de condução do impacto dos traumas de face, orientando para que se possa exercer um diagnóstico precoce e adequada condução propedêutica e terapêutica das repercussões profundas das injúrias superficiais.


BIBLIOGRAFIA

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I. Médico/Cirurgião-Dentista - Coordenador da Unidade de Cirurgia Bucomaxilofacial da Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais - FHEMIG.
II. Residentes do Serviço de Cirurgia Plástica da FHEMIG.
III. Chefe do Serviço de Cirurgia Plástica da FHEMIG.

Endereço para correspondência:
Av. Contorno, 8000 sl. 507
Belo Horizonte - MG - 30110-120
Fone: (31) 335-4679
Fax: (31) 335-4679

 

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