ISSN Online: 2177-1235 | ISSN Print: 1983-5175

Previous Article Next Article

Original Article - Year2005 - Volume20 - Issue 4

RESUMO

Existe uma grande variedade de fatores que contribuem para o desenvolvimento de infecção nos pacientes queimados. Entre eles, os cuidados e procedimentos realizados nas lesões, os fatores de risco associados à infecção, os agentes infecciosos típicos, as exotoxinas associadas, problemas com a resistência aos antibióticos e as amostras para análise. O tecido queimado é um excelente meio de cultura para o crescimento de uma ampla variedade de bactérias devido à disponibilidade de nutrientes, ao ambiente úmido e à temperatura. A septicemia originada da lesão é, ainda, a causa principal de morbidade e mortalidade em pacientes queimados, conseqüentemente, é de suma importância o diagnóstico correto da natureza e extensão da infecção. Entretanto, é necessário manter o balanço entre procedimentos diagnósticos invasivos e vantagens do diagnóstico preciso. É necessária a obtenção de novos métodos diagnósticos que possam determinar o resultado mais precoce e menos invasivo para a melhoria do tratamento.

Palavras-chave: Queimaduras. Microbiologia. Biópsia

ABSTRACT

A variety of factors contribute to the development of infection in burned patients. The role of wound management procedures, risk factors associated with infection, typical bacterial pathogens and associated exotoxins, current problems with antibiotic resistance wound and sampling. The burn wound is an excellent culture medium for the growth of a wide variety of bacteria, due to the availability of nutrients, the moist environment and the temperature. Wound sepsis is still a leading cause of morbidity and mortality in burn patients, consequently the correct diagnosis of the nature and extent of infection is of prime importance. However, it is necessary to balance the invasiveness of the diagnostic procedures against the advantages of a precise diagnosis. It is necessary to obtain new diagnostic methods that could determine early results and not invasive procedures to improve burn treatment.

Keywords: Burns. Microbiology. Biopsy


INTRODUÇÃO

A taxa de sobrevivência do paciente grande queimado mostra-se elevada se comparada com décadas passadas, por vários avanços no tratamento clínico e cirúrgico. Ainda assim, metade da taxa de mortalidade está relacionada com infecção.

O meio ambiente de uma queimadura é propício ao crescimento de microorganismos e possibilita que uma única bactéria possa transformar-se, num período de 24h, num total de 10 bilhões de células1.

O desbridamento e a auto-enxertia precoce determinam a cobertura definitiva da lesão. Quando isso não é possível, a limpeza e o curativo das lesões previnem a infecção e geram um ambiente úmido que favorece a cicatrização nas lesões mais superficiais. A utilização do antibiótico tópico é rotina e objetiva o controle da presença e crescimento de microorganismos2.

A utilização de antibiótico sistêmico profilático para a prevenção da infecção no queimado é rara e a indicação do uso do antibiótico terapêutico deve ser bem avaliada para não determinar o aumento da resistência microbiana aos antibióticos, a elevação dos custos e o risco de efeitos colaterais3.

Os fatores de risco associados à infecção são próprios do paciente, tais como extensão e profundidade da queimadura, idade, doença preexistente, temperatura e umidade da lesão, ocorrência de choque e acidose; ou relacionados ao microorganismo, como número, virulência, mobilidade, produtos extracelulares, ou seja, enzimas ou exotoxinas e resistência bacteriana. Existe também imunodepressão generalizada nas queimaduras acima de 30% de área, comprometendo a defesa humoral e celular.

Os microorganismos podem ser originários no local do acidente, ou da pele íntegra ao redor das lesões, ou pode ser adquirido de forma endógena, como orofaringe e retal, ou a partir de procedimentos terapêuticos invasivos, ou de translocação bacteriana, ou focos à distância e exógena a partir da equipe e de visitas, quando temos as infecções cruzadas.

Análise qualitativa e quantitativa

A "pega" do enxerto de pele não ocorre, tanto no campo experimental como na clínica, se existir mais do que 105 microorganismos viáveis por grama de tecido. Esse fato determinou o interesse na análise bacteriológica qualitativa e quantitativa.

As técnicas padrão para a detecção microbiológica são a cultura por swab superficial e por biópsia da lesão, cada qual com vantagens e desvantagens.

O swab é relativamente de menor custo, fornece informação qualitativa sobre a bactéria e pode ser quantitativa se for realizada mudança na técnica4. Essa técnica representa unicamente a superfície da escara ou da área desbridada. Agente tópico residual pode ser coletado junto dos microorganismos e inibir o crescimento dos mesmos.

Portanto, o swab pode ser considerado uma cultura semiquantitativa, sendo muito utilizado em unidades de tratamento de queimaduras, podendo ser coletada através de Culturete® da área queimada ou de esfregaço e, pode evidenciar os germes que colonizam a lesão. Tem correlação com a cultura qualitativa e quantitativa por biópsia, mas pode ser falso-negativa, com presença de microorganismos abaixo da escara ou na profundidade da lesão. Os valores são fornecidos em unidades formadoras de colônias (UFC) = [UFC/cm2].

A análise de tecidos cutâneos de pacientes queimados mostra diferenças significativas no tipo de germes isolados à biópsia, em comparação com aqueles obtidos pela cultura da superfície da ferida. Mas, é um método não invasivo e útil para vigilância epidemiológica na Unidade de Queimados.

Embora haja correlação próxima entre a flora da escara e a flora invasiva, esta associação não é obrigatória, já que determinado germe pode ser colonizador da ferida, mas não o invasor. É sabido que o swab pode indicar a presença de Staphilococcus aureus, no interior do tecido queimado, em 95% dos casos, e de Pseudomonas aeruginosa em 92% dos casos, porém o mesmo não ocorre com relação a outros microorganismos.

O diagnóstico diferencial entre uma colonização e infecção da queimadura é fornecido com a realização de biópsia de pele para estudos histológico e bacteriológico.

A biópsia de pele no queimado pode ser realizada uma ou mais vezes por semana ou entre o 7º e 9º dia pós-queimadura5.

A coleta dos fragmentos de pele lesada, ou seja, das áreas suspeitas de infecção invasiva, deve ser feita após a remoção do agente tópico. Sob anestesia local nas margens do local a ser biopsiado, para evitar alterações na arquitetura dos tecidos, e com o auxílio de punch de biópsia de 3mm, são obtidos dois fragmentos próximos, de cerca de 0,5 cm2, em área de queimadura de III grau, abrangendo tecido lesado e tecido viável abaixo dos limites da escara. A presença de sangramento confirma a existência de tecido viável na biópsia obtida. A biópsia deve ser realizada aos pares, em vários pontos da queimadura com suspeita de infecção invasiva6. A coleta de fragmento também pode ser feita com bisturi, em elipse de 0,5 x 1,0 cm, e se necessário com anestesia local nas margens, dividida em dois fragmentos. Por vezes, a biópsia é obtida durante o desbridamento cirúrgico. Os fragmentos são encaminhados rapidamente e de maneira asséptica para a Bacteriologia e a Anatomia Patológica.

No laboratório de Microbiologia, um dos fragmentos é colocado em tubo estéril com solução salina e encaminhado para exame microbiológico. O material deve ser cultivado dentro de uma hora ou, então, deve permanecer imerso em Tioglicolato.

Inicialmente é pesado, triturado para liberar os microorganismos, homogeneizado e semeado em meios de cultura adequados, como placa de ágar-sangue, de ágar-McConkey, de ágar-sal e de manitol hipertônico. Deve ser incubado a 37ºC por 24 horas. Após, é obtida a cultura qualitativa e quantitativa, ou seja, identificado o germe e fornecido o número de germes por grama de tecido e com a determinação da sensibilidade através do antibiograma.

O resultado quanto ao tipo de germe e o número de UFC por grama de tecido já pode ser obtido após 48 horas. A colonização é considerada quando a contagem for menor que 100.000 UFC por grama de tecido, e a infecção, quando a contagem for maior que 100.000 UFC por grama de tecido4.

Na anatomia patológica, o outro fragmento é colocado em solução de formol a 10%, e preparado para o estudo histopatológico por método de coloração com hematoxilina-eosina e gram, determinando-se o seu padrão e o grau de invasão bacteriana quanto à presença de bactérias no tecido necrótico e no tecido viável.

O estudo histológico deve ser feito dentro de 4 a 5 horas após a coleta. Métodos especiais de coloração do tecido adiposo da região abaixo da escara, e técnicas especiais de biópsia de congelação podem fornecer resultados confiáveis em menos de 48 horas5,7,8.

O exame histopatológico de uma amostra de biópsia de queimadura de espessura total é o meio mais confiável para estabelecer a diferenciação entre a colonização microbiana do tecido não viável, presente nas queimaduras, e a presença de microorganismos no tecido viável adjacente que é característica da infecção invasiva por queimadura.

O exame histopatológico pode evidenciar a invasão microbiana no tecido ao redor da escara, o crescimento bacteriano abaixo da escara, a proliferação microbiana perivascular, a vasculite, a trombose de pequenos vasos, a necrose isquêmica em tecido não queimado, a hemorragia focal em tecido são, e a intensidade exagerada da resposta inflamatória em tecido não queimado, entre outros achados.

A densidade e a profundidade da penetração dos microorganismos determina dois estágios. O primeiro é a colonização bacteriana e pode ser dividido em: a) superficial, quando a população microbiana é esparsa na superfície da lesão; b) penetração, quando os microorganismos estão presentes na espessura da escara; e c) proliferação, quando existe densa população de microorganismos na interface entre tecido viável e não viável.

O segundo estágio é o de infecção invasiva e pode ser dividido em: a) microinvasão, onde é encontrado foco microscópico de microorganismos em tecido viável imediatamente abaixo da escara; b) generalizada, na qual a penetração de microorganismos ocorre em profundidade variável no tecido subcutâneo viável; e c) microvascular, onde existe a presença de microorganismos em linfáticos e em pequenos vasos do tecido não queimado.

Somente em 50% dos casos, o diagnóstico de infecção invasiva na microbiologia, quando a cultura quantitativa da biópsia apresenta mais que 100.000 UFC por grama de tecido, confirma-se através do exame histológico, ou seja, é um método que superdiagnostica infecção. Portanto, a microbiologia daria o diagnóstico provável de infecção invasiva na queimadura, mas, o diagnóstico definitivo seria fornecido pelo exame histopatológico, que é considerado padrão-ouro para diagnóstico de infecções invasivas.

Os resultados de exames de biópsias, histopatológico e cultura quantitativa e qualitativa, não podem ser interpretados isoladamente, devendo ser analisados juntamente com achados clínicos, laboratoriais e a observação diária da lesão de queimadura. Nem todos os pacientes com invasão microbiana em tecido viável e com mais de 100.000 bactérias por grama de tecido evoluem com complicações infecciosas e vice-versa. A biópsia de pele em queimados é mais um elemento valioso no arsenal de tratamento de graves queimaduras.

Os critérios para o diagnóstico presuntivo de infecção em queimados são febre ou hipotermia; alterações mentais; taquicardia; hipotensão; oligúria; íleo adinâmico; taquipnéia; SARA; intolerância à glicose; leucopenia ou leucocitose; trombocitopenia; queda aguda de hemoglobina; mudanças no aspecto da queimadura como aprofundamento das lesões de II grau para III grau; celulite com edema; dor e eritema perilesional, podendo comprometer rapidamente áreas doadoras e enxertadas; escurecimento das lesões com áreas de coloração marrom, violácea ou negra; pontos de hemorragia e púrpuras no tecido subescara; aumento da secreção purulenta com alteração de coloração e odor; presença de pigmento esverdeado em escara e subcutâneo; formação de abscessos abaixo da escara; desprendimento precoce das escaras; edema e coloração violácea em tecido são nas margens da queimadura; lesões nodulares inicialmente eritematosas e depois negras em tecido não queimado (ecthyma gangrenoso); formação de neoescara ou pontos necróticos em tecidos já desbridados cirurgicamente e em áreas doadoras de enxerto de pele; impetigo da queimadura em fase de restauração ou após enxertia de pele9.

Considerar ainda outros focos infecciosos suspeitos ou bem definidos em trato urinário, geralmente associados à permanência de sonda vesical de demora, flebites e tromboflebites, broncopneumonias, infecções pelo cateter venoso central, endocardites.

O desbridamento precoce das áreas de necrose, entre o 3º e o 7º dia pós-queimadura, tem reduzido muito o uso de biópsias de tecido. Toda queimadura profunda não desbridada estará obrigatoriamente infectada após o 15º dia pós-queimadura, apesar da utilização de agentes antimicrobianos tópicos adequados. A queimadura com infecção é o foco de septicemia em 52% dos casos se for menor que 20% de área queimada e em 90% dos casos quando for acima de 20% de área queimada.


PERSPECTIVAS

A possibilidade da utilização de novos métodos para a detecção precoce de agentes infecciosos pode mudar o tratamento do paciente queimado em futuro próximo. Dentre essas técnicas, poderemos utilizar a reação em cadeia da polimerase (PCR) com o resultado no mesmo dia do patógeno, com a vantagem de existir a habilidade para neutralizar toxinas. É um método muito acurado e reprodutível, embora de alto custo10.

Entre outras possibilidades, temos a tecnologia aromascan, ou seja, um mapa de aromas que será conferido em relação ao odor da lesão, podendo reconhecer o agente infeccioso rapidamente, aproximadamente em 35 minutos, de maneira não invasiva e análise de amostra do curativo, sem a necessidade de obtenção de tecido. Ainda é fundamental mais pesquisas para elucidação de outros fatores envolvidos no odor, como o tipo de alimentação, o agente tópico, drogas, entre vários que poderiam estar interferindo com a acurácia do diagnóstico do microorganismo11.

A espectometria de massa é usada para a identificação e tipagem de microorganismos e apresenta potencial para a microbiologia clínica. É um método caro e necessita de técnico experiente12.


CONCLUSÃO

Essa futura metodologia de detecção vai permitir o diagnóstico precoce da infecção e a conseqüente melhoria no tratamento da infecção no queimado. Portanto, possibilitará a substituição das técnicas atuais em uso que, como foi demonstrado anteriormente, apresentam pontos a favor e contra quanto à sua eficácia.

A detecção precoce da infecção do paciente queimado permitirá a melhoria no seu tratamento, associada aos outros avanços no aspecto clínico e cirúrgico e determinará o aumento ainda maior nas taxas atuais de sobrevivência.

Com esses avanços, o foco maior ao tratamento será dado na reabilitação do paciente, para obtermos uma melhoria definitiva na qualidade de vida das vítimas de queimaduras. E, com a conseqüente diminuição dos custos que esses avanços determinarão, será possível o gasto maior em campanhas e com o treinamento efetivo da população para a prevenção desse tipo de acidente.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Edwards-Jones V, Greenwood JE. What´s new in burn microbiology? James Laing Memorial Prize Essay 2000. Manchester Burns Research Group. Burns. 2003;29(1):15-24.

2. Barret JP, Herndon DN. Effects of burn wound excision on bacterial colonization and invasion. Plast Reconstr Surg. 2003;111(2):744-52.

3. Edwards-Jones V, Dawson MM, Childs C. A survey into toxic shock syndrome (TSS) in UK Burns Units. Burns. 2000;26(4):323-33.

4. Steer JA, Papini RPG, Wilson APR, McGrouther DA, Parkhouse N. Quantitative microbiology in the management of burn patients. I. Correlation between quantitative and qualitative burn wound biopsy culture and surface alginate swab culture. Burns. 1996;22:173-6.

5. Lemos T, Costa DM, Guedes AC, Salles PGO, Lamounier JA, Goulart EMA et al. Valor do estudo histopatológico do fragmento de pele no diagnóstico precoce de infecção da criança queimada. Rev Bras Queim. 2003;3(1):13-25.

6. Araújo AS. Infecção no paciente queimado. In: Maciel E, Serra MC, eds. Tratado de queimaduras. São Paulo: Atheneu;2004. p.149-58.

7. Loebl EC, Marvin JA, Heck EL, Curreri PW, Baxter CR. The method of quantitative burn-wound biopsy cultures and its routine use in the care burned patients. Am J Clin Pathol. 1974;61(1):20-4.

8. McManus AT, Kim SH, McManus WF, Mason Jr. AD, Pruitt Jr. BA. Comparison of quantitative microbiology and histopathology in divided burn-wound biopsy specimens. Arch Surg. 1987;122(1):74-6.

9. Pruitt BA, McManus AT, Kim SH, Goodwin CW. Burn wound infections: current status. Word J Surg. 1998;22(2):135-45.

10. Heid CA, Stevens J, Livak KJ, Williams PM. Real-time quantitative PCR. Genome Res. 1996;6(10):986-94.

11. Buettner JA, Glusman G, Ben-Arie N, Ramos P, Lancet D, Evans GA. Organization and evolution of olfactory receptor genes on human chromosome 11. Genomics. 1998;53(1):56-68.

12. Fenselau C. Mass spectrometry for the characterization of microorganisms. ACS symposium series. Washington: ACS;1994. p.541.










I. Doutor em Cirurgia Plástica da Universidade Federal de São Paulo.
II. Chefe da Clínica de Queimados do Hospital Municipal Cármino Caricchio.
III. Médico Residente da Universidade Federal de São Paulo.
IV. Professora Titular e Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Cirurgia Plástica Reparadora da UNIFESP/EPM ; na época era a chefe da disciplina.

Correspondência para:
Alfredo Gragnani
Disciplina de Cirurgia Plástica da UNIFESP-EPM
Rua Napoleão de Barros, 715, 4º andar
São Paulo - SP - CEP: 04024-900
Tel: 0xx11 5576-4118 Fax: 0xx11 5571-6579
E-mail: gragnani.dcir@epm.br

Trabalho realizado no Hospital Municipal Carmino Caricchio (Hospital do Tatuapé) São Paulo, SP.

Artigo recebido: 08/07/2005
Artigo aprovado: 10/09/2005

 

Previous Article Back to Top Next Article

Indexers

Licença Creative Commons All scientific articles published at www.rbcp.org.br are licensed under a Creative Commons license