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Review Article - Year2021 - Volume36 - Issue 2

http://www.dx.doi.org/10.5935/2177-1235.2021RBCP0067

RESUMO

Introdução: O tratamento de câncer de mama através de mastectomia causa grande impacto na qualidade de vida dos pacientes, ocasionando um número crescente de buscas por procedimentos reconstrutivos. O enxerto de gordura, também conhecido como lipoenxertia, foi descrito pela primeira vez em 1893, por Neuber, tendo aumentado o seu uso e aceitação no decorrer dos anos. De acordo com a Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, as cirurgias reparadoras correspondem a 39,7% dos procedimentos plásticos realizados no Brasil, com as reconstruções mamárias sendo 6,1% desse número, configurando parte do tratamento do câncer de mama. O presente estudo objetivou revisar o uso de lipoenxertia na reconstrução mamária após tratamento do câncer de mama.
Métodos: Foi realizada uma revisão da literatura utilizando os bancos de da-dos PubMed, MEDLINE, LILACS e SciELO, através dos descritores: "breast reconstruction"; "fat grafting"; and "breast cancer".
Resultados: No total, foram encontrados 838 artigos nas bases de dados pesquisadas, dos quais 20 foram selecionados para a extração dos dados após a aplicação dos critérios de inclusão e exclusão.
Conclusão: Constatou-se que a gordura autóloga é um procedimento bem estabelecido para reconstrução mamária, apesar de apresentar algumas possíveis complicações. Ademais, mais estudos a longo prazo devem ser realizados visando conso-lidar o entendimento e segurança do procedimento.

Palavras-chave: Mamoplastia; Transplante autólogo; Mastectomia; Neoplasias da mama; Tecido adiposo

ABSTRACT

Introduction: The treatment of breast cancer through mastectomy greatly impacts patients' quality of life, causing an increasing number of searches for reconstructive procedures. The fat graft, also known as lipografting, was described by Neuber in 1893, and has increased its use and acceptance over the years. According to the Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (Brazilian Society of Plastic Surgery), reconstructive surgeries correspond to 39.7% of plastic procedures performed in Brazil, with breast reconstructions being 6.1% of this number, constituting part of breast cancer treatment. The present study aimed to review the use of lipografting in breast reconstruction after breast cancer treatment.
Methods: A review of the literature was carried out using the databases of PubMed, MEDLINE, LILACS and SciELO, using the descriptors: "breast reconstruction"; "fat grafting"; and "breast cancer".
Results: In total, 838 articles were found in the databases searched, of which 20 were selected for data extraction after applying the inclusion and exclusion criteria.
Conclusion: It was found that autologous fat is a well-established procedure for mammary reconstruction, despite presenting some possible complications. Furthermore, more long-term studies should be conducted to address the understanding and safety of the procedure.

Keywords: Mammoplasty; Autologous transplantation; Mastectomy; Breast neoplasms; Adipose tissue.


INTRODUÇÃO

No Brasil, em 2020, a incidência estimada pelo Instituto Nacional de Câncer (INCA) em relação ao câncer de mama em mulheres foi de 66.280 casos, conforme a localização primária do tumor e sexo, correspondendo a 29,7% das neoplasias estimadas para o ano, o que reforça a posição de câncer mais prevalente em mulheres. Entre 2015 e 2018, ocorreram 66.532 óbitos por câncer de mama no território nacional, afetando 65.768 mulheres (98,85%) e 764 homens (1,15%)1.

Assim, o diagnóstico de câncer de mama produz um considerável impacto psicológico nos pacientes, podendo causar transtornos depressivos, amplificação dos sintomas físicos, comprometimento funcional e diminuição da adesão aos tratamentos propostos2. Dessa forma, o tratamento do câncer de mama através da realização de mastectomia exerce importante influência na qualidade de vida dos pacientes, o que tem ocasionado um número crescente de buscas por procedimentos reconstrutivos após a mastectomia, seja de maneira imediata ou tardia3.

Em 1893, o enxerto de gordura foi descrito por Neuber4, tendo aumentado o seu uso e aceitação no decorrer dos anos. A partir de 1990, em conjunto com o avanço de técnicas e extensos estudos experimentais e clínicos, houve um aumento no número de cirurgiões plásticos utilizando enxerto de gordura autólogo como técnica para reconstrução mamária3.

Com esses avanços, em 1997, foi decidido através da resolução do Conselho Federal de Medicina nº 1.483/97 que a reconstrução mamária constitui parte do tratamento da enfermidade, quando houver indicação para correção de deformidades geradas pela mastectomia5. Ademais, em 2018, a lei nº 13.770 foi sancionada, assegurando às mulheres com câncer de mama o direito à cirurgia plástica reparadora nos dois seios, mesmo que o tumor só se manifeste em um deles, garantindo o direito à simetrização da mama contralateral e reconstrução do complexo areolopapilar6.

Em 2005, Spear7 relatou que transplantes autólogos de gordura, também conhecidos como lipoenxertia, constituem uma técnica segura, capaz de corrigir ou melhorar deformidades em reconstruções mamárias7. Desde 2007, a Sociedade Francesa de Cirurgia Plástica e Reconstrutiva aconselhava o uso de enxerto de gordura autólogo estritamente. Entretanto, em 2011 mudou o seu posicionamento, sugerindo que o procedimento passasse a fazer parte de um protocolo clínico8,9. Já a Sociedade Americana de Cirurgiões Plásticos desestimulou o uso de enxerto de gordura durante anos. Porém, em 2015, a sociedade relatou evidências em apoio ao uso de enxerto de gordura, a fim de maximizar os resultados estéticos da reconstrução mamária pós- mastectomia10.

No Brasil, entre 2015 e 2019, de acordo com o Departamento de Informática do Sistemática Único de Saúde (DATASUS), ocorreram 51.269 internações para a realização de mastectomias, incluindo mastectomia radical com linfadenectomia, simples, radical com linfadenectomia axilar em oncologia e mastectomia simples em oncologia11. Ademais, de acordo com o censo realizado em 2018 pela Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, as cirurgias reparadoras correspondem à 39,7% dos procedimentos plásticos realizados no Brasil, com as reconstruções mamárias sendo 6,1%12.

Assim, tendo em vista a quantidade de procedimentos de mastectomias realizados no território nacional, bem como as vantagens psicológicas da realização de reconstruções mamárias e a porcentagem que essas intervenções cirúrgicas representam dentro da cirurgia plástica, torna-se importante entender mais sobre as opções terapêuticas disponíveis.

OBJETIVO

Realizar uma revisão da literatura sobre o uso de lipoenxertia na reconstrução mamária após o tratamento do câncer de mama.

MÉTODOS

Realizou-se uma revisão da literatura pautada na: 1) elaboração de uma questão a ser pesquisada; 2) escolha das fontes de dados; 3) eleição das palavras-chaves para a busca; 4) busca e armazenamento dos resultados; 5) seleção de artigos de acordo com critérios de inclusão e exclusão; 6) extração dos dados dos artigos selecionados; 7) síntese e interpretação dos dados.

A questão norteadora da busca foi: “qual é a aplicação do enxerto de gordura autólogo na reconstrução mamária após a realização de mastectomia em pacientes acometidos por câncer de mama?”. O levantamento dos artigos foi realizado com o uso dos bancos de dados PubMed, MEDLINE, LILACS e SciELO, em julho de 2020, sendo os descritores empregados: “breast reconstruction”; “fat grafting”; “breast cancer”, usando o operador booleano “AND”.

Para serem incluídos nesta revisão de literatura, os estudos deveriam conter informações sobre o uso de lipoenxertia na reconstrução mamária após mastectomia realizada para tratamento de câncer.

Os critérios de inclusão utilizados foram: artigos publicados entre 2010 e 2020; artigos completos disponíveis gratuitamente; artigos em português ou inglês; ensaios clínicos, ensaios clínicos controlados randomizados e relatos de casos. Já os critérios de exclusão foram: artigos duplicados e artigos fora do tema abordado.

RESULTADOS

Foram encontrados 838 artigos nas bases de dados pesquisadas, dos quais 20 foram selecionados para a extração dos dados, com a sintetização e interpretação dos mesmos (Figura 1).

Figura 1 - Fluxograma da seleção dos artigos para análise.

As informações extraídas foram separadas nos seguintes tópicos: autor; ano; objetivo; considerações finais (Quadro 1).

Quadro 1 - Sumário dos artigos incluídos.
Autores Ano Objetivo Considerações finais
Kolasinski13 2019 Apresentar um conceito de reconstrução mamária com enxerto de gordura combinado com expansão interna do tecido. A reconstrução mamária com enxerto de gordura combinada com a expansão tecidual é um método promissor de reconstrução total da mama após a mastectomia.
Sowa et al.14 2019 Descrever o caso de uma paciente portadora de carcinoma ductal invasivo, tratada com mastectomia com posterior reconstrução mamária com uso de retalho e enxerto de gordura. O enxerto de gordura retirada da zona IV em um retalho de DIEP é uma opção ideal para o aumento cosmético da mama em pacientes que desejam obter um aumento natural e moderado da linha de decote na parte superior do tórax.
Fujiwara et al.15 2018 Descrever os detalhes de um caso de reconstrução mamária usando um expansor e implante de tecido, combinados com enxerto de gordura em um paciente com deformação depressiva grave da mama, após terapia de conservação da mama. Os resultados mostraram que o método apresentando pode ser uma opção para reconstrução tardia após terapia conservadora de mama.
Skendelas et al.10 2018 Apresentar um caso de uma paciente com mutação na variante T37K BRCA e padrão incomum de recorrência do câncer de mama após mastectomia, reconstrução e enxerto precoce de gordura. O diagnóstico foi complicado pelos efeitos colaterais antecipados do enxerto de gordura, que é um procedimento reconstrutivo bem estabelecido. Como as pacientes BRCA- positivas e variantes são geralmente pacientes mais jovens que podem buscar opções de reconstrução mamária para fins estéticos, acreditamos que a possibilidade de recorrência do câncer de mama deve sempre permanecer na vanguarda do diagnóstico diferencial, no caso de uma apresentação clínica incomum.
Bennet et al.4 2017 Determinar se o enxerto de gordura está associado aos resultados relatados em pacientes submetidos à reconstrução mamária. O enxerto de gordura pode melhorar a satisfação em relação à mama, bem-estar psicossocial e sexual em pacientes submetidas à reconstrução mamária.
Stumpf et al.16 2017 Avaliar recorrência local e sistêmica do câncer de mama em pacientes submetidas ao enxerto autólogo de gordura na reconstrução imediata após cirurgia conservadora para o câncer de mama. Não houve diferença significativa para recorrência local ou sistêmica de câncer de mama nos grupos estudados. O enxerto autólogo imediato de gordura parece ser um procedimento seguro.
Cheng et al.17 2016 Descrever um caso de uma mulher de 36 anos com carcinoma mucinoso na mama direita descoberta 2 meses após o enxerto de gordura. Este caso levanta novamente a questão sobre os possíveis vínculos entre câncer de mama e enxertos de gordura.
Al-Kalla et al.2 2014 Descrever um caso de um paciente masculino, de 68 anos de idade submetido à reconstrução unilateral de mama, bem-sucedida apenas com a técnica de enxerto de gordura. Embora o comportamento da gordura transferida não seja bem compreendido, o enxerto de gordura é uma modalidade reconstrutiva muito poderosa para recriar o formato exclusivo da mama masculina após a mastectomia.
Daye e Conant18 2014 Destacar os achados mamográficos e tomossintéticos observados após o lipomodelismo que podem apresentar desafios diagnósticos nessa população de pacientes. Em conclusão, com o crescente uso do enxerto de gordura autólogo em sobreviventes de câncer de mama, os radiologistas devem adquirir um conhecimento profundo das alterações de imagem que seguem esse procedimento. É recomendada a realização de imagens pré e pós- lipomodelagem para restabelecer uma linha de base para pacientes submetidos a esse procedimento.
Howes et al.19 2014 Avaliar a viabilidade da reconstrução da mama apenas por enxerto autólogo de gordura, no contexto da mastectomia RoFA. Este caso demonstra o potencial para o uso de enxerto de gordura na reconstrução. Resultados em populações maiores de pacientes são necessários para confirmar esses achados.
Mestak et al.3 2013 Descrever um caso de reconstrução mamária após mastectomia usando transferência autóloga de gordura combinada com o sistema de expansão de tecido externo BRAVA. O uso do sistema de expansão externa BRAVA para o aprimoramento do enxerto de gordura é uma técnica adequada para reconstrução mamária após uma mastectomia. Essa técnica produz mamas macias e naturais em menos sessões operatórias, com um risco mínimo de complicações. A adesão do paciente, no entanto, é extremamente necessária para alcançar os resultados desejados.
Alharbi et al.9 2013 Discutir a possível relação entre a lipoenxertia e a recorrência de câncer. Foi levantada, mais uma vez, a questão dos riscos do câncer de mama e encorajando que as pessoas continuem sendo cuidadosas.
Bezerra et al.7 2013 Validar uma forma de corrigir defeitos de contorno de mamas após a realização de reconstrução prévia através de técnicas convencionais com enxerto de gordura, após 8 anos de prática. A lipoenxertia é uma técnica segura, cursando com baixa morbidade, além de elevados índices de satisfação dos envolvidos, mesmo sendo necessária a realização de múltiplos procedimentos cirúrgicos, a fim de atingir um bom resultado.
Chaput et al.8 2013 Relatar a recorrência de um carcinoma invasivo ductal após 4 meses da realização de enxerto autólogo de gordura. Esse caso, atípico em sua cronologia e histologia, permite levantar novamente as questões sobre esse procedimento e suas características controversas sobre o câncer de mama.
Hoppe et al.20 2013 Descrever um tratamento otimizado e um protocolo de acompanhamento para uma nova reconstrução mamária após mastectomia total apenas com lipotransferência. Uma reconstrução completa da mama com enxerto de gordura de grande volume é, alternativamente, possível às técnicas padrão, em casos selecionados. São necessários pelo menos 4 a 6 lipotransferências ao longo de 2 anos. Pacientes com radioterapia prévia podem precisar de até 8 sessões em quase 3 anos de tratamento.
Kim et al.21 2012 Descrever pseudocistos liponecróticos bilaterais após injeção de gordura na mama. O enxerto de gordura autólogo na mama não é um procedimento simples e deve ser realizado por cirurgiões plásticos bem treinados e qualificados. Durante a cirurgia, deve-se ter cuidado.
Mojallal
et al.22
2012 Apresentar um caso de tumores filódicos bilaterais em uma mulher de 28 anos com síndrome de Poland e discutem (1) a relação entre a condição e o câncer de mama, (2) os modos de vigilância em pacientes com síndrome da Poland e (3) seu impacto na reconstrução mamária. Pacientes com síndrome de Poland têm o mesmo risco de câncer de mama ou tumores limítrofes que a população em geral. Portanto, quando um paciente com essa síndrome se apresenta para tratamento, uma mamografia bilateral e um ultrassom devem ser realizadas antes de prosseguir com a reconstrução mamária. O possível desenvolvimento de câncer de mama em pacientes com a anomalia deve influenciar a escolha do cirurgião das técnicas de reconstrução, inclusive no uso de enxerto de gordura.
Panettiere et al.23 2011 Descrever a reconstrução de uma mama irradiada usando lipoenxertia após falha de reconstrução com prótese. O transplante de enxerto de gordura pode ser uma opção confiável e segura para reconstrução mamária em pacientes selecionadas.
Rigotti et al.24 2010 Comparar a incidência de recorrência local e regional do câncer de mama entre duas janelas de tempo contíguas em uma população homogênea de 137 pacientes submetidas ao transplante de tecido adiposo, após mastectomia radical modificada. Embora seja necessária uma confirmação adicional a partir de ensaios clínicos randomizados multicêntricos, nossos resultados corroboram com a hipótese de que o transplante autólogo de lipoaspirado combina impressionantes propriedades regenerativas com efeitos nulos ou marginais na probabilidade de recorrência locorregional pós-mastectomia do câncer de mama.
Salgarello et al.25 2010 Apresentador os resultados preliminares de um tratamento cirúrgico alternativo na cirurgia oncoplástica da mama, consistindo em injeções de gordura antes da colocação do implante. Os resultados preliminares mostram que a injeção de gordura no tecido irradiado antes da reconstrução aloplástica da mama pode reduzir as complicações relacionadas a radiação nos implantes. Os benefícios do enxerto de gordura estão de acordo com a base teórica desta cirurgia. Estudos maiores são necessários para confirmar nossas observações.
Quadro 1 - Sumário dos artigos incluídos.

Além disso, entre os principais pontos descritos nos artigos analisados, 17 apontaram benefícios do procedimento de enxerto de gordura autóloga, 13 comentaram sobre haver ou não correlação entre o procedimento e a recorrência de câncer, 12 falaram sobre a questão dos achados radiológicos e a sua diferenciação, e 2 apresentaram casos clínicos especiais, sendo um de reconstrução mamária masculina e outro de reconstrução após mastectomia em paciente com síndrome de Poland.

DISCUSSÃO

A gordura autóloga possui capacidade revitalizante em tecidos afetados pelo tratamento do câncer de mama, favorecendo sua restauração biológica e mecânica10,25. Esse material possui propriedades ideais, pois se integra aos tecidos de forma natural, visto que é autólogo, sendo biocompatível3.

Dessa forma, o transplante de tecido adiposo é uma boa forma de tratar os efeitos ocasionados pelas terapias oncológicas mamárias, bem como doenças crônicas e insatisfações cosméticas, podendo ser feito de maneira única ou combinada com outras abordagens13,15,24.

Na reconstrução mamária por lipoenxertia, o procedimento produz mamas macias com sensação tátil suave, melhora da textura da pele, aumento da camada subcutânea e simetria superior, com recuperação do contorno natural3,14,20. Seus resultados incluem cicatrizes mínimas e eficácia na restauração simultânea de múltiplas irregularidades14.

O procedimento pode ser realizado em quase todos os pacientes, visto que as contraindicações significativas são apenas para pacientes com neoplasias locais ativas ou radiodermite, podendo ser feito com anestesia local ou geral. A técnica é considerada relativamente fácil e de baixo custo, podendo ser utilizada após falha terapêutica com outros tipos de reconstrução23.

Entretanto, como todo procedimento cirúrgico, algumas complicações podem ocorrer, sendo elas: pseudocistos liponecróticos, infecção, granuloma, hematoma, necrose gordurosa e fibrose10,20,21. Dentre essas complicações, as taxas de ocorrência são baixas, com a maioria podendo ser controlada por imagem de mama, evoluindo com resolução espontânea18,20.

Ademais, o procedimento de lipoenxertia apresenta perda estimada de volume após a realização do enxerto entre 25 a 43,5%, variando os resultados de acordo com diversos estudos19. Caso uma segunda sessão seja realizada, os índices de absorção são entre 20% e 30%7. Outrossim, o advento da técnica de Coleman permitiu a diminuição de taxas de reabsorção de gordura e complicações4,16.

Em relação à questão levantada nos estudos sobre a existência ou não de correlação entre uso de gordura autóloga e recorrência de câncer, estima-se que a cada 1.000 mulheres que realizam lipoenxertia, após um ano, 7 podem desenvolver uma recaída local, enquanto a cada 1.000 que não realizam lipoenxertia, 9 podem apresentar recorrência, ou seja, ainda não se sabe o real impacto do enxerto autólogo de gordura no ressurgimento de câncer de mama, não havendo indícios significativos para ligar a lipoenxertia a novos casos de neoplasia17,24.

Após a realização da lipoenxertia, alguns relatos descreveram achados radiológicos que sugerem a formação de calcificações e nódulos nas mamas, que em um primeiro momento poderiam ser confundidos com câncer de mama14,19. Entretanto, estudos mais recentes mostram que os radiologistas não devem ter dificuldades para distinguir entre calcificações tumorais e pós-enxerto de gordura, sendo possível tratar as complicações sem a ocorrência de deformidades pós-operatórias e preocupação com malignidade dos achados3,19. Além do mais, a USG possui um importante papel no acompanhamento de pacientes após a realização de lipoenxertia23.

O enxerto autólogo de gordura também se mostra apropriado para restaurar a mama de pacientes do sexo masculino após mastectomia para retirada de câncer de mama. Devido às características da parede torácica masculina, esse procedimento pode oferecer resultados mais satisfatórios e naturais, uma vez que as próteses são desenhadas para pacientes femininas2.

Além disso, em pacientes com síndrome de Poland associada à câncer de mama, a lipoenxertia deve ser reservada para restaurar defeitos infraclaviculares e do pilar axilar anterior, devendo ser realizada apenas após um cuidadoso exame pré e pós-operatório, com a realização de exames de mamografia, ecografia e ressonância magnética, se indicado22.

CONCLUSÃO

Através da revisão foi possível constatar que o uso de gordura autóloga na reconstrução mamária é um procedimento bem estabelecido, consistindo em uma boa técnica, gerando bons resultados, como mamas suaves, melhora na textura da pele, aumento da camada subcutânea, simetria e recuperação do contorno natural. Esses resultados auxiliam na melhora da qualidade de vida dos pacientes submetidos ao procedimento, visto que possuem benefícios psicossociais.

Entretanto, a lipoenxertia pode causar complicações como pseudocistos, infecção, granuloma, hematoma, fibrose, necrose gordurosa e isquemia local. Assim, é importante que o cirurgião plástico tenha experiência na realização do procedimento, a fim de aplicar a técnica correta, diminuindo os riscos de complicações. Além disso, é importante que os radiologistas que acompanhem o caso sejam bem treinados, podendo interpretar os achados radiográficos com maior acurácia.

Outrossim, é importante que haja a realização de mais estudos a longo prazo, com apoio das Sociedades de Cirurgia Plástica, a fim de entender se existe uma real correlação entre ressurgimento de câncer de mama com o uso de gordura autóloga em reconstruções mamárias, garantindo maior entendimento e segurança sobre o procedimento.

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1. Universidade de Vassouras, Curso de Medicina, Vassouras, RJ, Brasil.
2. Hospital Universitário de Vassouras, Cirurgia Plástica, Vassouras, RJ, Brasil.

Instituição: Universidade de Vassouras, Curso de Medicina, Vassouras, RJ, Brasil.

Autor correspondente: Thaís Moreira Lara Rua Benedito Pereira Rocha, 304, Parque das Palmeiras, Angra dos Reis, RJ, Brasil. CEP: 23906-485. E-mail: thais.lara@hotmail.com

Artigo submetido: 02/09/2020.
Artigo aceito: 23/04/2021.

Conflitos de interesse: não há.

COLABORAÇÕES

TML Análise e/ou interpretação dos dados, Aprovação final do manuscrito, Coleta de Dados, Conceitualização, Concepção e desenho do estudo, Gerenciamento do Projeto, Investigação, Metodologia, Redação - Preparação do original, Redação - Revisão e Edição, Visualização

VRPP Análise e/ou interpretação dos dados, Aprovação final do manuscrito, Coleta de Dados, Conceitualização, Concepção e desenho do estudo, Gerenciamento do Projeto, Investigação, Metodologia, Redação - Preparação do original, Redação - Revisão e Edição, Visualização

LALP Aprovação final do manuscrito, Conceitualização, Gerenciamento do Projeto, Redação - Revisão e Edição, Supervisão, Visualização

 

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