ISSN Online: 2177-1235 | ISSN Print: 1983-5175

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Articles - Year1997 - Volume12 - Issue 3

RESUMO

O autor estudou 33 pacientes que apresentaram nariz em sela. O tratamento foi realizado com a inclusão de enxerto de cartilagem homógena conservada em álcool absoluto. O enxerto de cartilagem homógena foi colocado em 11 pacientes (30%). Quatro pacientes (12%) apresentaram fratura da inclusão. Todos implantes na região columelar sofreram completa absorção. Após três anos, 30% das inclusões no dorso nasal foram reabsorvidas.

Palavras-chave: Enxerto cartilaginoso; inclusão de cartilagem, nariz em sela

ABSTRACT

The authors studied 33 patients who presented saddle nose. Treatment was done through implantation of homogenous cartilage graft conserved in absolute alcohol. Homogenous cartilage graft occurred in 11 patients (30%). Four patients (12%) showed implant fracture. Ali implants in the collumelar region underwent complete resorptum. After three years a resorption of 30% was noticed in the homogenous cartilage grafts implanted in the nasal dorsum.

Keywords: Cartilage graft, cartilage implant, saddle nose


INTRODUÇÃO

As deformidades faciais são freqüentemente objeto de estudo do cirurgião plástico. Enxertos ósseos, cartilaginosos, de hidroxiapatita e de silicone têm sido utilizados com sucesso relativo para a correção das mais variadas formas de deformidades.

O'CONNOR & PIERCE(7) em 1938 foram os primeiros autores a sugerir o uso de cartilagem conservada em merthiosalina.

CRUZ(1) em 1986 nos comunicou o uso de cartilagem conservada em álcool absoluto para ser utilizada em assoalho de órbita.

STRAITH(11) relatou o uso de silicone para correção de nariz em sela e que, na sua experiência, a cartilagem homógena conservada em merthiolato apresentava reabsorção inviabilizando seu uso clínico.

Nosso estudo pretende avaliar o comportamento (reabsorção; infecção; extrusão) da cartilagem conservada em álcool absoluto, conforme preconizado por CRUZ, em um estudo experimental e em deformidades ósseas faciais, principalmente nasais.


ESTUDO EXPERIMENTAL

Estudamos a fixação de cartilagem homógena em coelhos.


Método

Inicialmente obtivemos fragmentos de cartilagens da região costal de um coelho adulto, que foram mantidos em álcool absoluto por 30 dias, quando era feita cultura do material. Após este período, e com o resultado negativo da cultura, estes fragmentos foram implantados em outros coelhos, conforme a descrição.


Cirurgia

Coelho sob anestesia geral, decúbito ventral incisão na região do couro cabeludo, descolamento da musculatura até se chegar ao plano periostal. Nesta situação os coelhos foram divididos em dois grupos:


1º grupo - S

A cartilagem era implantada sobre o periósteo.

Em 05 coelhos um fragmento de 1(um) cm de comprimento da cartilagem costal homógena era implantado no osso frontal da calota craniana sobre o periósteo, sendo fixado na posição com fio de nylon 5-0.


2º grupo - P

A cartilagem era implantada sob o periósteo.

Em 05 coelhos um fragmento de 1(um) cm de comprimento da cartilagem costal foi implantada sobre o osso frontal da calota craniana sob o periósteo, portanto em contato direto com o osso, e mantida em posição através de um túnel de periósteo.

Após 60 dias o local operado foi inspecionado, anotando-se: aderência do implante ao osso/leito; tamanho do implante. O fragmento implantado foi levado para exame histológico.


Resultados

Clinicamente se observava que a cartilagem implantada no grupo P (sub-periostal) se mostrava com o mesmo comprimento que quando implantada, notando-se em todos os casos uma firme aderência ao leito ósseo. No grupo S (supra-periostal) a cartilagem também se mostrava com o mesmo comprimento que quando implantada, mas em todos estes casos estava solta em relação ao leito.

Histologicamente se notou que em ambos os grupos havia sinais de degeneração regressiva da cartilagem com sinais de calcificação.


Conclusão

A cartilagem colocada sub-periostalmente não apresentou nenhuma alteração de forma e comprimento, aderindo firmemente ao leito ósseo, enquanto o fragmento de cartilagem colocado sobre o periósteo apresentou ao fim de 60 dias o mesmo comprimento e a mesma forma iniciais, contudo sem fixação ao leito ósseo.


ESTUDO CLÍNICO


Método

No período de maio de 1990 a maio de 1993 operamos 33 pacientes com deformidade em sela do nariz para implante de cartilagem costal homógena no nariz conservada em álcool absoluto. Dentre estes pacientes, 19 (15 mulheres e 4 homens) puderam ser acompanhados através de xero-radiografias.



Fig. 1. Cartilagem colocada sobre o periósteo do coelho.



Fig. 2. Cartilagem colocada sob o periósteo do coelho.



Fig. 3b. Fragmentos de cartilagem após a inclusão em álcool.



Figs. 3a e 3c. Visão transoperatória após incisão médio-columelar e descolamento do dorso nasal. Implante de cartilagem colocado no dorso nasal e columela.



Como causas das deformidades nasais encontramos:

- nariz em sela (computados os negróides): 16
- sequela de trauma nasal: 2
- sequela de fissura lábio-palatina: 1

Os pacientes todos foram informados do caráter experimental do uso do material implantado.

Avaliamos clinicamente a estabilidade e a fixação da cartilagem implantada e, através de xero-radiografia, a reabsorção a que este implante estava sujeito quando colocado no dorso nasal.

A padronização para realização da xeroradiografia foi a seguinte: distância focal de 1,0 metro; potência de 70 Kw e 60 miliampéres/segundo. Quando a distância focal foi de 1,2 metros a potência foi de 10 Kw e 60 miliampéres/segundo.


Técnica Cirúrgica

Os pacientes foram submetidos à cirurgia sob anestesia local: xilocaína a 2% com adrenalina a 1:200.000. A abordagem foi por exo-rinoplastia; incisão medio-columelar em todos os casos, com exceção de um em que se aproveitou uma cicatriz que existia na região da ponta nasal. A cartilagem homógena era retirada do recipiente com álcool absoluto em que se encontrava e colocada em cuba com soro fisiológico por, aproximadamente, 30 minutos, quando se notava a sua consistência bastante semelhante à de uma cartilagem normal. Após este tempo a cartilagem era banhada novamente com soro fisiológico, para retirar o álcool absoluto que ainda pudesse ter restado.

A seguir o fragmento de cartilagem era esculpido para se adaptar à região do dorso nasal do paciente, desde o ângulo fronto-nasal até a ponta (não se pretendia dar nenhuma sobrecorreção). Outro fragmento de cartilagem era colocado na columela com apoio na espinha nasal para dar projeção à ponta do nariz. A cartilagem era introduzida no dorso nasal e a seguir na columela, suturando uma à outra com Vicryl 4-0.

Após inspeção clínica da posição e do volume proporcionados pelos implantes, a ferida cirúrgica era fechada com mononylon 6-0. Um curativo "modelador" com micropore era colocado e deixado por 7 dias. Era solicitado ao paciente que voltasse após 2 dias para inspeção do nariz e, após esta data, no 7º, 30º, 180º dias e 1º, 2º e 3º anos P.O., ocasiões em que eram solicitadas xero-radiografias.


Resultados

Os pacientes foram seguidos por um período que variou de 9 meses a 3 anos. Neste período foram realizadas xero-radiografias e radiografias convencionais para avaliação dos implantes de cartilagem.


Avaliação Clínica

O pós-operatório imediato de todos os pacientes transcorreu sem intercorrências. Observou-se boa projeção do dorso nasal e principalmente da ponta.

Em nenhum paciente notamos a presença de infecção ou extrusão do implante.

As xeroradiografias mostraram em 11 casos (58%), uma calcificação do implante de cartilagem. Contudo, independentemente desta calcificação, os implantes mostraram um grau de reabsorção lento e progressivo. Em quatro pacientes houve fratura do implante, levando à sua substituição: em uma paciente por outro implante, nas outras duas por silicone e em um paciente permaneceu o mesmo implante.


Figs. 4a e 4b. Paciente pré-operatóio e 3 anos após a cirurgia.



Figs. 4c e 4d. Xero-radiografia mostrando calcificação da inclusão seis meses após a cirurgia e dois anos após a cirurgia.



Em três pacientes (16%) houve integração completa do implante, não se distingüindo do osso nasal sem sinais de reabsorção, enquanto nos outros 16 casos (84%) havia pequena mobilidade. Em nenhum paciente a mobilidade do implante era total como se observa nas inclusões de silicone.

Foi difícil precisar a presença de absorção nos oito implantes em que não houve calcificação, contudo, por medida indireta da distância do osso nasal à pele, pudemos notar que houve reabsorção moderada e constante, de 15% a 30%, que se evidenciava 6 meses após o implante. Em três pacientes o implante se mostrava fixo, sem reabsorção e em cinco, com pequena mobilidade.

Nos pacientes em que houve calcificação do implante se notava reabsorção após 6 meses de 5 a 10% do volume inicial. Após 2 anos a reabsorção era de 20% a 30%. Esta reabsorção ocorria tanto na porção distal quanto na proximal do implante. Todos os implantes colocados na columela sofreram reabsorção total.


DISCUSSÃO

Enxertos de cartilagem autógena apresentam indicação para correção de pequenos defeitos faciais e as principais áreas doadoras são a orelha e o septo nasal. O volume de cartilagem proporcionado por estas regiões, entretanto, é pequeno. A remoção de cartilagem torácica, que permite obtenção de grandes volumes, tem na maioria das vezes a desaprovação dos pacientes, principalmente do sexo feminino.

Tendo em vista as desvantagens de utilização de enxertos, diversas pesquisas têm sido realizadas para se conseguir um tecido ou um material que possa exercer a função do enxerto sem os seus inconvenientes. Os implantes de cartilagem têm apresentado, nos diversos estudos realizados, opiniões contraditórias.

Para rinoplastia em nariz não caucasiano Matory & Falces(5) relataram um caso de uso de enxerto ósseo no dorso nasal e descreveram a relação base/altura do nariz e como ela deve ser alterada particularmente em cada caso. REES comentou este trabalho salientando sua preferência por aloplásticos (silicone) no dorso nasal desde que não exerçam força na ponta, o que poderia provocar sua exposição. Straith(11) salientou bons resultados com uso de silicone para correção de nariz em sela.

Ponti et col.(8) utilizaram, para correção de deformidades em sela do nariz (congênitas e adquiridas), um retalho osteocartilaginoso das estruturas de suporte do nariz. Relataram boa experiência estética e funcional com o uso deste retalho. O uso da cartilagem homógena conservada por cobalto tem o grande inconveniente de deixar a cartilagem extremamente dura e portanto de difícil manipulação.

A conservação em álcool mostrou que há uma esterilização da peça, conquanto as culturas feitas tardiamente no material não mostraram crescimento de germes.

Observamos em nosso trabalho que a cartilagem homógena conservada em álcool absoluto, quando utilizada no dorso nasal, sofre um processo lento e constante de reabsorção. Em 58% dos casos houve calcificação do implante, o que segundo alguns autores é indicativo de regressão e reabsorção da cartilagem. No entanto, estes implantes, mesmo calcificados, apresentaram estabilidade em alguns casos, enquanto implantes não calcificados demonstraram reabsorção significativa. A impressão foi de que, nos casos em que não houve calcificação do implante, a reabsorção se processava mais rapidamente.

Em alguns casos, entretanto, houve uma fixação total do implante no leito receptor, enquanto que na maioria dos casos notava-se uma mobilidade, mesmo que pequena, do implante. Nestes casos se notou que havia uma reabsorção menor do implante. A utilização do implante para projetar a ponta nasal não se mostrou uma boa alternativa, uma vez que em todas as oportunidades houve reabsorção total do fragmento de cartilagem.

Gunter & Rohrich(3) utilizaram enxerto autógeno de cartilagem septal para correção de pequenos defeitos em sela do nariz, com bons resultados.

Nós também utilizamos este tipo de cartilagem para correção de pequenos defeitos, contudo, para defeitos maiores, mesmo as cartilagens das duas orelhas são insuficientes para correção adequada da deformidade.

Gibson(2) enfatizou que o implante de cartilagem perde qualquer tendência de se deformar, o que acontece freqüentemente com o enxerto de cartilagem.

O trabalho de Straith & Slaughter(10) é muito importante como seguimento a longo prazo. Estes autores observaram implantes de cartilagem conservada em merthiolate em um seguimento de 5 anos em 49 pacientes. Segundo este estudo, 32% dos pacientes não mostraram perda do volume colocado inicialmente. O merthiolate nos parece, entretanto, não manter uma esterilização segura das peças.

MIKHELSON(6) observou em 1819 boa preservação do volume do implante de cartilagem quando conservado em soro fisiológico à temperatura de 3ºC a 6ºC. Pode ser que este autor estivesse trabalhando com células cartilaginosas vivas, tratando-se portanto de um enxerto homógeno de cartilagem e não de um implante.


CONCLUSÃO

A cartilagem homógena conservada em álcool absoluto e implantada na face, para corrigir defeitos como nariz em sela e nariz negróide, mostrou calcificação em 30% dos casos após três anos de uso e reabsorção lenta do implante calcificado ou não.


BIBLIOGRAFIA

1. CRUZ, G. A. O.- Fraturas do terço superior da face. IN MANGANELLO,L.C. & BARRROS, J. J. Traumatismo bucomaxilofacial. Ed. Roca, São Paulo 1993 p.295-308.

2. GIBSON, T. - Transplantation of cartilage in: J. M. Converse, Reconstructive Plastic Surgery. W. B. Saunders Co. 1977 pp 301-311.

3. GUNTER, J. P. & ROHRING, R. J.- Augmentation Rhinoplasty:Dorsal Onlay Grafting Using Shaped Autogenous Septal Cartilage. Plast Reconstr Surg 86:39-45,1990.

4. MANGANELLO-SOUZA, L. C. -Órbita-Fraturas Orbitais. In BARROS, J. J. & MANGANELLO, L. C. Traumatismo Bucomaxilofacial. 1a. Edição. Roca, São Paulo 1993 P.309-324.

5. MATORY, JR.; W. E. & FALCES, E.- NON-CAUCASIAN RHINOPLASTY: A 16 Year Experiences. Plast. Reconstr. Surg. 77:239-251, 1986.

6. MIKHELSON, N. M.- Homogenous Cartilage in Maxillofacial Surgery. Acta Chir Plast (Praga) 4:3, 1962.

7. O'CONNOR, G. B. & PIERCE, G. W.- Cartilage Grafts. Surg. Gynec. Obstetr. 67,796,1938.

8. PONTI, L.; PONTI, G.; SERAFINI ,P.- Osteocartilaginous Flap Technique for Acquired and Congenital Saddle Nose Deformities. Plast. Reconstr. Surg. 92:431-442,1993.

9. REES,T.- Discussion. Non-caucasian Rhioplasty: A 16-year Experience. Plast Reconstr Surg 77: 252,1986.

10. STRAITH, C. L. & SLAUGHTER, W. B. - Grafts of Preserved Cartilage in Restoration of Facial Contour. J. A. M. A. 116:2008,1941.

11. STRAITH, R. E. - Five Long-term Case Reports(average 15 Years) of Saddle Nose Correction Using Cast Implants. Plast. Reconstr. Surg. 88:1064-1069,1991.










I - Cirurgião Plástico, Titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica. Cirurgião do Hospital Albert Einstein.
II - Mestrando em cirurgia, ex-residente de cirurgia da Santa Casa de São Paulo.

Trabalho realizado na Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, Setor de Cirurgia Maxilofacial, Depto. de Cirurgia

Endereço para Correspondência:
Luiz Carlos Manganello-Souza, MD
Rua Itapeva, 500 Conj. 1-C
01332-000 - São Paulo - SP

 

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