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Case Report - Year2021 - Volume36 - Issue 3

http://www.dx.doi.org/10.5935/2177-1235.2021RBCP0101

RESUMO

A reação cutânea induzida por radiação (RCIR) é geralmente caracterizada por edema, hiperemia, fibrose, ulceração, dor e prurido na pele. Sabe-se que a radiação interrompe o processo normal de divisão e regeneração celular, resultando em dano que pode envolver prejuízo na função das células endoteliais, inflamação e até morte celular. A recuperação do dano tecidual pela radiação depende de múltiplos fatores relativos ao procedimento realizado e também intrínsecos ao paciente. Apresentamos caso atípico de RCIR, cujas lesões apresentaram comportamento muito imprevisível e de difícil manejo clínico. Além disso, ressalta-se a importância da intervenção cirúrgica neste caso, fundamental para o tratamento adequado do paciente.

Palavras-chave: Cirurgia plástica; Radiação ionizante; Necrose; Fluoroscopia; Retalhos cirúrgicos.

ABSTRACT

The radiation-induced skin reaction (RCIR) is usually characterized by edema, hyperemia, fibrosis, ulceration, pain and itching on the skin. It is known that radiation disrupts the normal process of cell division and regeneration, resulting in damage that may involve impairment in the function of endothelial cells, inflammation and even cell death. The recovery of tissue damage by radiation depends on multiple factors related to the procedure performed and intrinsic to the patient. We present an atypical case of RCIR, whose lesions presented very unpredictable behavior and difficult clinical management. In addition, it is emphasized the importance of surgical intervention in this case, fundamental for the patient's proper treatment.

Keywords: Plastic surgery; Ionizing radiation; Necrosis; Fluoroscopy; Surgical flaps.


INTRODUÇÃO

Um dos eventos adversos mais frequentes da irradiação são as reações cutâneas, ocorrendo em até 95% dos pacientes. Sua evolução depende tanto de características relativas ao tratamento em si quanto de fatores de risco intrínsecos ao paciente1.

A patogênese da radiodermatite envolve lesão direta por radiação e resposta inflamatória subsequente, afetando elementos celulares na pele. A energia da radiação ionizante produz danos imediatos nos tecidos através da produção de elétrons secundários e espécies reativas de oxigênio. Cada fração subsequente de radiação gera maior recrutamento de células inflamatórias, e o dano à derme interrompe o processo normal de regeneração cutânea2,3. Dessa forma a pele danificada por radiação tem baixo poder curativo.

Comparados com outras intervenções guiadas fluoroscopicamente, os procedimentos de cardiologia intervencionista são associados a altas doses de radiação direcionadas à pele, gerando, portanto, superdosagens em fluoroscopias prolongadas4.

Os efeitos da radiação na pele podem ser classificados em agudos, nos primeiros 6 meses, e tardios, após esse período. Os efeitos agudos ocorrem predominantemente em tecidos com alto nível de atividade mitótica, e normalmente desaparecem em até 4 semanas. Já os efeitos tardios são secundários ao comprometimento vascular induzido por radiação e fibrose estromal. Pode ocorrer hiper/hipopigmentação da pele, fibrose, telangiectasias e disfunção das glândulas sebáceas e sudoríparas5.

No presente artigo, relatamos um caso atípico de radiodermatite, visando discutir a abordagem de áreas irradiadas e suas dificuldades de restauração por consequência da radiação.

RELATO DE CASO

Paciente caucasiano, do sexo masculino, 61 anos, hipertenso, dislipidêmico, obeso, diabético, portador de hipotireoidismo e tabagista. Histórico de hérnia discal, dois IAM (infarto agudo do miocárdio) prévios. Atualmente em uso de AAS, clopidogrel, enalapril, selozok, levotiroxina e atorvastatina. Foi admitido no serviço de cirurgia plástica do Hospital Monte Sinai de Juiz de Fora/MG para reconstrução torácica devido à lesão extensa em dorso torácico à direita por radiação fluoroscópica.

Submetido à angioplastia em junho de 2018, colocados quatro stents. Em agosto, notou surgimento de rubor e calor em dorso à direita, topografia coincidente à ocupada pelo fluoroscópio dos procedimentos hemodinâmicos (Figura 1).

Figura 1 - Lesão cutânea inicial em dorso 2 meses após angioplastia.

Em setembro, progrediu para lesão ulcerada de coloração amarelo- esverdeada, medindo 12x8cm, localizada na área da placa de radioscopia para cateterismo (Figura 2). Houve aumento progressivo em tamanho, atingindo planos profundos.

Figura 2 - Lesão cutânea e subcutânea em dorso 3 meses após angioplastia.

Ainda em setembro foi realizada biópsia, que evidenciou fibroesclerose dérmica com fibroblastos reativos, esteatonecrose, necrose tecidual com formação de abcesso e ausência de malignidade nos planos de corte examinados: alterações compatíveis com efeito de radioterapia.

Neste momento, foi realizado desbridamento, com fechamento primário da lesão, porém sem sucesso. Ao final do mês de setembro de 2018 (Figura 3) apresentava necrose extensa e deiscência da cicatriz. A lesão foi deixada aberta, sendo orientado curativos diários e cicatrização por segunda intenção.

Figura 3 - Lesão cutânea e subcutânea em dorso 4 meses após angioplastia.

Em 26 de fevereiro de 2019, apresentando melhora importante da ferida, foi submetido à exérese de lesões actínicas remanescentes e nova biópsia, sem intercorrências. O laudo histopatológico evidenciou ulceração, epiderme hiperplásica com corpos apoptóticos, derme com bandas de colágeno espessas, fibroblastos reativos, reatividade intensa do epitélio glandular, ausência de malignidade, alterações compatíveis com efeito da radioterapia, ultrapassando as margens de ressecção (necrose por radiodermatite). Novamente, foi orientado cicatrização por segunda intenção.

Devido à demora na cicatrização da ferida, em 22 de outubro de 2019 foi submetido à cirurgia reparadora com descolamento de retalho dermogorduroso para cobrir a lesão (Figura 4). Evoluiu de forma satisfatória, recebendo alta no terceiro dia de pós-operatório (DPO) para acompanhamento ambulatorial, após integração total da ferida operatória.

Figura 4 - Lesão cutânea e subcutânea em dorso 1 ano e 5 meses após angioplastia.

Entretanto, apresentou pequena deiscência com 1 mês de pós-operatório, evidenciando seu alto déficit de cicatrização. Foi optado pelo fechamento por segunda intenção desde o dia 25 de novembro de 2019 (Figura 5). A ferida apresentou grande dificuldade em seu processo cicatricial, sendo detectada a completa epitelização da ferida operatória somente no dia 07 de abril de 2020 (Figura 6).

Figura 5 - Deiscência de ferida operatória em dorso após avanço de retalho dermogorduroso randomizado.

Figura 6 - Ferida operatória em processo de epitelização com ausência de sinais flogísticos.

DISCUSSÃO

As RCIR são efeitos dependentes da dose da radiação ionizante e geralmente ocorrem quando são excedidos os limites da dose da radiação6.

Estudos prévios indicam que tempos de procedimentos prolongados, procedimentos múltiplos cumulativos, oclusão total da artéria coronária direita, obesidade, hipotireoidismo e diabetes são fatores de risco para a RCIR7. Além disso, a dose de radiação real necessária para causar lesão cutânea determinística é específica para cada paciente e pode variar amplamente com base na variação biológica individual, na sensibilidade à radiação e na presença ou ausência de certas condições coexistentes8,9.

Até o momento, não há fortes evidências para apoiar a superioridade de qualquer intervenção preventiva ou terapêutica específica no tratamento da RCIR. Portanto, uma avaliação cuidadosa dos fatores de risco relacionados ao desenvolvimento de toxicidade cutânea permanece uma prioridade10.

É importante ressaltar a grande fragilidade do tecido irradiado, que permanece mesmo após a aparente epitelização da ferida advinda da RCIR. Em nosso caso, o paciente foi submetido à pequena biópsia em ferida bem epitelizada, porém tal estímulo traumático foi suficiente para agravar novamente uma área crítica. Dessa forma, o tecido irradiado pode permanecer intacto até por décadas, porém, qualquer forma de estresse ou lesão tecidual pode gerar uma ferida crônica, com exposição de estruturas nobres. O tratamento dessas feridas geralmente requer amplo desbridamento da pele necrótica, tecidos moles e ossos afetados, resultando em uma ferida complexa, geralmente com exposição de planos profundos.

Em vista da grande demora no processo de reparação por segunda intenção, optamos pela cobertura com retalho dermogorduroso, o que vai de acordo com o preconizado na literatura. Retalhos musculares e dermogordurosos provenientes de regiões não afetadas pela radiação podem ser úteis para sua cobertura e reconstrução11. Consideramos que a confecção do retalho foi essencial para o adequado tratamento desse paciente, inclusive para seu conforto psicológico, visto que o mesmo já se encontrava em tratamento com curativos diários por tempo prolongado.

No caso apresentado, a persistência na evolução da necrose de tecidos do dorso se deu por longo período, mesmo após desbridamentos cirúrgicos, tendo as comorbidades apresentadas pelo paciente prejudicado a cicatrização da ferida. Devido à persistência da agressão tecidual pela radiação, nosso paciente evoluiu para uma perda tecidual maciça, que poderia acometer toda a espessura da parede torácica e até haver comprometimento pulmonar ou mesmo o óbito.

Dessa forma, a intervenção da cirurgia plástica reparadora foi essencial para a melhora da qualidade cicatricial da ferida, através de desbridamentos e confecção do retalho. O acompanhamento contínuo do paciente associado ao controle clínico de suas comorbidades foram medidas fundamentais para a delimitação e controle da progressão da necrose tecidual, que evoluiu para uma boa cicatrização.

CONCLUSÃO

As lesões cutâneas provenientes de exposição à radiação ionizante estão associadas a múltiplos fatores. No caso demonstrado, está relacionada ao tipo de procedimento realizado, a fluoroscopia, e as comorbidades (obesidade, diabetes e tireoideopatias).

Mesmo tendo sido tomados todos os cuidados para restauração da integridade do tórax do paciente, evidenciamos a perpetuação da lesão por radiação, fato incomum de ser observado mesmo após sucessivas abordagens cirúrgicas.

REFERÊNCIAS

1. Hegedus F, Mathew LM, Schwartz RA. Radiation dermatitis: an overview. Int J Dermatol. 2017 Set;56(9):909-14.

2. Chan RJ, Webster J, Chung B, Marquart L, Ahmed M, Garantziotis S. Prevention and treatment of acute radiation-induced skin reactions: a systematic review and meta-analysis of randomized controlled trials. BMC Cancer. 2014 Jan;14:53.

3. Singh M, Alavi A, Wong R, Akita S. Radiodermatitis: a review of our current understanding. Am J Clin Dermatol. 2016 Jun;17(3):277-92.

4. Vance AZ, Weinberg BD, Arbique GM, Guild JB, Anderson JA, Chason DP. Fluoroscopic sentinel events in neuroendovascular procedures: how to screen, prevent, and address occurrence. AJNR Am J Neuroradiol. 2013;34(8):1513-5.

5. Pruitt LG, Rogers W, Byarlay JA, Google PB. Subacute radiation dermatitis after fluoroscopy. J Cutan Pathol. 2016 Dez;43(12):1091-5.

6. Guesnier-Dopagne M, Boyer L, Pereira B, Guersen J, Motreff P, D'Incan M. Incidence of chronic radiodermatitis after fluoroscopically guided interventions: a retrospective study. J Vasc Interv Radiol. 2019 Mai;30(5):692-8.e13.

7. Weiss DJ, Pipinos II, Longo GM, Lynch TG, Rutar FJ, Johanning JM. Direct and indirect measurement of patient radiation exposure during endovascular aortic aneurysm repair. Ann Vasc Surg. 2008 Nov;22(6):723-9.

8. Kirkwood ML, Arbique GM, Guild JB, Timaran C, Valentine RJ. Radiation-induced skin injury after complex endovascular procedures. J Vasc Surg. 2014 Set;60(3):742-8.

9. Aragüés IH, Pérez AP, Fernández RS. Inflammatory skin conditions associated with radiotherapy. Actas Dermosifiliogr. 2017 Abr;108(3):209-20.

10. Iacovelli NA, Galaverni M, Cavallo A, Naimo S, Facchinetti N, Iotti C, et al. Prevention and treatment of radiation-induced acute dermatitis in head and neck cancer patients: a systematic review. Future Oncol. 2018 Fev;14(3):291-305.

11. Strojan P, Hutcheson KA, Eisbruch A, Beitler JJ, Langendijk JA, Lee AWM, et al. Treatment of late sequelae after radiotherapy for head and neck cancer. Cancer Treat Rev. 2017 Sep;59:79-92.











1. Hospital e Maternidade Therezinha de Jesus, Juiz de Fora, MG, Brasil.
2. Hospital Monte Sinai, Juiz de Fora, MG, Brasil.
3. Faculdade de Ciências Médicas e da Saúde de Juiz de Fora, Faculdade de Medicina, Juiz de Fora, MG, Brasil.

Instituição: Hospital e Maternidade Therezinha de Jesus, Juiz de Fora, MG, Brasil.

COLABORAÇÕES

LPF Aprovação final do manuscrito, Coleta de Dados, Redação - Preparação do original, Redação - Revisão e Edição

TGC Análise e/ou interpretação dos dados, Aprovação final do manuscrito, Redação - Revisão e Edição, Supervisão

MTS Aprovação final do manuscrito, Coleta de Dados, Redação - Revisão e Edição

LFA Coleta de Dados, Redação - Preparação do original, Redação - Revisão e Edição

Autor correspondente: Iarley Peron Faria Rua Aníbal Maurício de Oliveira , nº 50, Centro, São João do Oriente, MG, Brasil CEP 35146-000 E-mail: iarleyperon@gmail.com / casalithais@hotmail.com

Artigo submetido: 22/05/2020.
Artigo aceito: 23/04/2021.

Conflitos de interesse: não há.

 

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