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Case Reports - Year2007 - Volume22 - Issue 3

RESUMO

Introdução: O tofo gotoso é uma rara, porém reconhecida, causa de síndrome de compressão do túnel do carpo no sexo masculino. Objetivo: Descrever a evolução e o tratamento de um caso de disfunção das mãos devido à associação de gota, tenossinovite dos flexores e síndrome do túnel do carpo bilateral. Relato do caso: Paciente do sexo masculino, portador de gota tofácea. Apresentava grave compressão do nervo mediano no canal do carpo bilateral e associação de tenossinovite estenosante do terceiro quirodáctilo à esquerda e do segundo à direita. Realizou-se a retinaculotomia dos flexores, tenossinovectomia e a reconstrução tendínea com enxerto de tendão em tempo único. O paciente evoluiu com a recuperação da função das mãos, controle dos sintomas de gota e da compressão do nervo mediano. Conclusão: Os autores recomendam o diagnóstico precoce desta associação e o tratamento clínico como primeira escolha, indicando-se a cirurgia para as complicações.

Palavras-chave: Síndrome do túnel do carpo. Gota. Tenossinovite

ABSTRACT

Introduction: Despite being a rare condition, the tophaceous gout is recognized as one possible cause of carpal tunnel syndrome in male subjects. Objective: Report the evolution and treatment of a bilateral carpal tunnel syndrome, associated with tenosynovitis and gout. Case report: Male patient with gout, a significant bilateral compression of the median nerve in the carpal tunnel, and tenosynovitis of the left middle and right index fingers. The patient was submitted to a carpal release, tenosynovectomy and primary reconstruction with tendon graft, and evolved with recovery of hand function, relief of gout and nerve symptoms. Conclusion: The authors recommend early diagnosis of the described combinations and clinical treatment as first choice. Surgery intervention is prescribed for cases with complications.

Keywords: Carpal tunnel syndrome. Gout. Tenosynovitis


INTRODUÇÃO

O tofo gotoso é uma causa reconhecida de síndrome de compressão do túnel do carpo1-6. Tem uma incidência de 0,6%, principalmente no sexo masculino6. A gota pode se manifestar por meio de depósitos tofáceos no canal do carpo, tenossinovite dos tendões flexores, ocasionando a compressão do nervo mediano e a síndrome do túnel do carpo3-6.

Embora 50% dos casos de síndrome do túnel do carpo sejam de natureza idiopática, existem os casos relacionados a infiltração, edema, inflamação ou hemorragia tissular e as variações congênitas, incluindo tendões e músculos aberrantes, ou artéria mediana persistente6.

O tofo gotoso, raramente, causa a síndrome do túnel do carpo6. Todas as referências descritas na literatura são relatos de casos.

O objetivo deste artigo é descrever a evolução de um caso de associação de síndrome do túnel do carpo, tenossinovite e gota.


RELATO DO CASO

Paciente do sexo masculino, 49 anos. Procurou o serviço de cirurgia plástica do Hospital Sarah Brasília, em 2004, com história de gota associada à disfunção das mãos. Apresentava sintomas e sinais sugestivos de síndrome de compressão do túnel do carpo, tumorações nos punhos, ausência de extensão ativa e passiva do III quirodáctilo (QRD) à esquerda e do II quirodáctilo à direita (Figura 1).


Figura 1 - À esquerda: pré-operatório; Centro e à direita: pós-operatório de retinaculotomia dos flexores + tenossinovectomia do flexor do II dedo à direita e III dedo à esquerda.



Os exames laboratoriais revelaram a elevação do ácido úrico (11,4mg/dL), velocidade de hemossedimentação, proteína Creativa, colesterol e glicemia, com níveis de ácido úrico na urina de 24h normal. À eletromiografia, observava-se síndrome do túnel do carpo de grau acentuado e, à ressonância magnética nuclear, sinais de espessamento dos tendões, tenossinovite e compressão do nervo mediano no canal do carpo bilateral (Figura 2).


Figura 2 - À esquerda apresenta corte axial de exame de ressonância magnética, evidenciando-se aumento descontínuo do tendão flexor do III dedo à esquerda no punho e no canal do carpo. À direita apresenta o achado transoperatório dos tendões flexores do III dedo e do nervo mediano.



Foi realizado o tratamento clínico com alopurinol 200 mg via oral, colchicina 0,5 mg via oral, duas vezes ao dia, e o procedimento cirúrgico, descompressão do nervo mediano no canal do carpo e a tenossinovectomia bilateralmente. À esquerda, foi necessária a reconstrução do tendão flexor do III QRD com enxerto de tendão palmar longo, seguido de programa de mobilização passiva precoce com o uso de órtese dinâmica7 (Figura 3).


Figura 3 - Órtese dinâmica para programa de mobilização passiva precoce pós-operatória.



O intervalo entre os procedimentos cirúrgicos foi de seis meses e o tempo de seguimento de um ano. Na primeira semana de pós-operatório, apresentou quadro de agudização da gota e drenagem de material tofáceo através da incisão cirúrgica. Houve remissão dos sintomas de compressão do nervo mediano e a recuperação de 75% da flexão das articulações interfalangianas proximal e distal à esquerda e, de 100%, à direita, conforme classificação de Strickland e Glogovac8.


DISCUSSÃO

Diversos autores1-6 descreveram essa rara associação de gota, tenossinovite dos flexores e síndrome do túnel do carpo, todavia, é a principal causa de compressão aguda do nervo mediano em pacientes do sexo masculino6. Em alguns casos, diagnosticou-se previamente e outros desenvolveram gota aguda após o procedimento cirúrgico.

O diagnóstico de gota foi sugerido pelo quadro clínico, achado de hiperuricemia e de depósitos tofáceos no canal do carpo e tendões flexores durante o ato cirúrgico. Segundo Ferraso e Goldenberg9, considera-se o nível sérico de normalidade do ácido úrico entre 6,5-7 mg% para os homens e para as mulheres, em torno de 1 mg% a menos. Vale ressaltar que, apesar da hiperuricemia ser um pré-requisito para gota, este achado isolado não autoriza este diagnóstico9.

Quanto aos exames de imagem, Che et al.10, em estudo retrospectivo, observaram tofos no assoalho do canal do carpo, ossos do carpo, articulação radiocárpica, tendões extensores e bainha dos tendões, com sinais característicos coincidindo com a imagem visualizada no caso descrito.

O tratamento da gota visa ao controle da crise aguda, normalização das concentrações séricas do ácido úrico, prevenção da recorrência de novos surtos e dos fatores associados. Emprega-se o alopurinol, inibidor da enzima xantino-oxidase, na dose de 100 a 300 mg/dia para doença moderada, podendo chegar a 600 mg/dia para pacientes com doença tofácea grave. Na crise aguda, associa-se a colchicina (0,5 a 1 mg/dia) e os antiinflamatórios não-hormonais por dois a 12 meses9.

Assim como neste artigo e segundo os autores pesquisados1-4, o tratamento cirúrgico pode ser necessário para as complicações. Indica-se a remoção de depósitos tofáceos para melhora do deslizamento tendíneo, descompressão nervosa, ganho de amplitude de movimentos e alívio da dor.

Observaram-se, neste caso, a recuperação da função das mãos e o alívio dos sintomas relacionados à compressão do nervo mediano.

Com a experiência demonstrada, constatou-se que o diagnóstico deve ser clínico e precoce, para prevenção das complicações. Nas complicações, a abordagem cirúrgica, principalmente na síndrome do túnel do carpo, pode fornecer bons resultados.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Gonzalez MH, Cooper ME. Gouty tenosynovitis of the wrist. Am J Orthop. 2001;30(7):562-5.

2. Schuind FA, Clermon D, Stallenberg B, Remmelink M, Pastels JL. Gouty involvement of flexor tendons. Chir Main. 2003;22(1):46-50.

3. Mockford BJ, Kincaid RJ, Mackay I. Carpal tunnel syndrome secondary to intratendinous infiltration by tophaceous gout. Scand J Plast Reconstr Surg Hand Surg. 2003;37(3):186-7.

4. Tan G, Chew H, Lai CH. Carpal tunnel syndrome due to gouty infiltration of the lumbrical muscles and flexor tendons. Hand Surg. 2003;8(1):121-5.

5. Rich JT, Bush DC, Lincoski CJ, Harrington TM. Carpal tunnel syndrome due to tophaceous gout. Orthopedics. 2004;27(8):862-3.

6. Phalen GS. The carpal-tunnel syndrome. Seventeen years' experience in diagnosis and treatment of six hundred fiftyfour hands. J Bone Joint Surg Am. 1966;48(2):211-28.

7. Kleinert HE, Kutz JE, Cohen MD. Primary repair of zone II flexor tendon lacerations. In: AAOS Symposium on Tendon Surgery in the Hand. St Louis:CV Mosby;1975.p.91-104.

8. Strickland JW, Glogovac SV. Digital function following flexor tendon repair in zone II: a comparison of immobilization and controlled passive motion techniques. J Hand Surg [Am] 1980;5(6):537-43.

9. Ferraso AJL, Gonldenberg J. Doenças microcristalinas: hiperiuricemia. In: Prado EC, Ramos J, Valle JR, eds. Atualizações terapêuticas: manual prático de diagnóstico e tratamento. 18ª ed. São Paulo:Artes Médicas;1998.

10. Chen CK, Chung CB, Yeh L, Pan HB, Yang C, Lai PH, et al. Carpal tunnel syndrome caused by tophaceous gout: CT and MR imaging features in 20 patients. AJR Am J Roentgenol. 2000;175(3):655-9.










I. Membro Titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica.

Correspondência para:
Kátia Tôrres Batista
SQN 115 bloco I Apto 205 - Asa Norte - Brasília - DF
Brasil - CEP: 70772-090
E-mail: katiatb@terra.com.br

Trabalho realizado na Rede SARAH de Hospitais de Reabilitação em Brasília, DF.

Artigo recebido: 22/03/2007
Artigo aprovado: 30/05/2007

 

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