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Case Report - Year2022 - Volume37 - Issue 1

http://www.dx.doi.org/10.5935/2177-1235.2022RBCP0021

RESUMO

Úlceras por pressão são lesões ocasionadas na pele e tecidos subjacentes devido à força de pressão local, geralmente em pontos de proeminências ósseas. Cita-se aqui o caso de uma paciente acamada devido à lesão medular por mielomeningocele que evoluiu com úlcera em região isquiática à direita, tratada com técnica de retalhos muscular e fasciocutâneo de face posterior da coxa. Por ser lesão rotineiramente encontrada nesses pacientes portadores de limitações funcionais, é fundamental a realização de tratamentos adequados que visem a melhora clínica do paciente e minimizar índice de recidivas. Além disso, é de suma importância a implementação de novas técnicas cirúrgicas, haja vista a enorme variedade de lesões por pressão.

Palavras-chave: Úlcera por pressão; Meningomielocele; Espinha bífida cística; Retalho miocutâneo; Imobilização

ABSTRACT

Pressure ulcers are lesions caused on the skin and underlying tissues due to local pressure force, usually at points of bony prominences. Here, we mention the case of a bedridden patient due to a spinal cord injury caused by myelomeningocele who developed an ulcer in the right ischial region, treated with the technique of muscular fasciocutaneous flaps on the posterior aspect of the thigh. As it is a lesion routinely found in these patients with functional limitations, it is essential to carry out adequate treatments aimed at the patient's clinical improvement and minimizing the rate of relapses. In addition, the implementation of new surgical techniques is extremely important, given the enormous variety of pressure injuries.

Keywords: Pressure injury; Meningomyelocele; Spina bifida cystica; Myocutaneous flap; immobilization.


INTRODUÇÃO

A mielomeningocele, ou espinha bífida cística, caracteriza-se por defeito do fechamento do tubo neural durante a vigésima semana de gestação. O líquido amniótico exerce efeitos deletérios sobre o tecido neural desprotegido. Trata-se do defeito do tubo neural mais comum e a segunda causa de deficiência crônica do sistema locomotor na faixa pediátrica. Sua causa é multifatorial, tendo como fatores de risco a deficiência de ácido fólico, hipertermia materna durante os primeiros estágios da gestação, uso de drogas antiepilépticas1,2.

No Brasil a incidência de mielomeningocele é de 2,28 para cada 1000 nascimentos. É altamente incapacitante, uma vez que resulta em tetraparesia ou paraparesia, bexiga neurogênica e alterações cognitivas. Estima-se que dentre os portadores de lesão medular 85% irão desenvolver úlceras por pressão. Estas se formam devido à pressão constante exercida por proeminências ósseas sobre a pele, levando à isquemia local e formação de lesão ulcerada.

O tratamento desse tipo de lesão visa manter a funcionalidade do tecido, eliminar tecidos desvitaliz­ados e processos infecciosos, evitar complicações secundárias e possibilitar melhora estética da região acometida quando possível3.

A técnica apresentada utiliza dois tipos de retal­hos locorregionais para correção de úlceras em região isquiática. O primeiro trata-se de retalho muscular confeccionado com os músculos semimembranoso e bíceps femoral, que geram coxim protetor, além de evitar espaço morto local. Para recobrir a área de fixação do retalho muscular, opta-se pela utilização de retalho fasciocutâneo da face posterior da coxa.

Devido à alta incidência de lesões por pressão em paciente acamados e por gerar agravos à saúde e piora da qualidade de vida desses pacientes, necessita-se implementação de profilaxias e tratamentos mais adequados e com menor índice de recidiva.

OBJETIVO

Sendo assim, esse trabalho abrange a experiên­cia inicial com a técnica de duplo retalho, muscular e fasciocutâneo, do serviço de Cirurgia Plástica do Hospital São Paulo de Muriaé, MG, Brasil.

RELATO DO CASO

Mulher, 23 anos, portadora de múltiplas sequelas devido à mielomeningocele, com cistostomia e presença de úlcera profunda em região isquiática à direita. Segundo relatos da mãe, a lesão possui cerca de sete anos de evolução, com várias tentativas malsucedidas de tratamentos. Há aproximadamente um ano e meio, a paciente iniciou quadros de febre vespertina diária e hiperemia em glúteo direito. Desde então, implementou-se, por orientação de infectologista, tratamento com ciprofloxacino 500 mg, via oral, duas vezes ao dia e alginato de cálcio tópico.

A paciente possuía lesão profunda e extensa em região isquiática à direita, com cerca de oito centímet­ros em seu maior diâmetro e com exposição muscular subjacente, sem sinais de tecidos desvitalizados ou secreções, porém com evolução crônica e sem possibilidade de cicatrização sem intervenção cirúrgica apropriada. Não apresentava anemia e nem leucocitose aos exames laboratoriais (Figura 1).

Figura 1 - Úlcera por pressão isquiática.

O procedimento foi realizado em 8 de abril de 2020.

Paciente em decúbito ventral sob anestesia geral, realizou-se assepsia e antissepsia, marcação cirúrgica com azul de metileno, infiltração de solução anestésica contendo epinefrina e debridamento com ressecção completa da bursa subjacente, uma vez que a permanência da mesma está associada a alto índice de recidiva da lesão (Figura 2).

Figura 2 - Bursectomia total.

Procedeu-se com incisão que se estendia da margem inferior do glúteo direito à face lateral da coxa ipsilateral e posterior confecção de retalho muscular utilizando-se os músculos semimembranoso e bíceps femoral. Realizou-se rotação do retalho de forma a acomodar tecido redundante em proeminência trocanteriana a fim de se evitar úlcera trocantérica. Durante todo o procedimento, manteve-se hemostasia cuidadosa. Não havia proeminências ósseas com necessidade de remoção. Após, fixou-se o retalho muscular sobre a região isquiática (Figura 3).

Figura 3 - Rotação do retalho muscular.

Para o revestimento da área exposta, utilizou-se retalho fasciocutâneo por avançamento da região posterior da coxa. Optou-se por inserção de dreno de Hemovac 4,8 mm com fixação do mesmo por contra-abertura em face medial da coxa direita. A síntese foi realizada por planos e finalizou-se com curativo local (Figura 4).

Figura 4 - À esquerda, avanço de retalho fasciocutâneo. À direita, síntese por planos e posicionamento do dreno de sucção.

Manteve-se antibioticoterapia profilática dura­nte a internação com cefazolina venosa e a otimização do fluxo vascular foi feita com administração de pentoxifilina 400 mg via oral duas vezes ao dia.

No primeiro dia pós-operatório a paciente apresentava ferida operatória em bom aspecto, sem sinais de hematoma ou secreções, débito de 250 ml em dreno, exames laboratoriais sem queda significativa do hematócrito. No segundo dia pós-operatório recebeu alta e a família foi orientada a manter o dreno em domicílio e retirar após oito dias em ambiente hospi­talar. A secreção pelo dreno apresentou queda progressiva e este foi retirado com débito de 25 ml de secreção serosa em 24 horas no oitavo dia pós-operatório. O orifício de exteriorização do dreno cicatrizou-se por segunda intenção. A paciente apresentou adequada cicatrização de ferida operatória e sem necessidade de retirar fios de sutura, já que a síntese foi realizada com fios absorvíveis.

DISCUSSÃO

Pacientes com sequelas de mielomeningocele são, na maioria das vezes, restritos ao leito com comprometimentos neurológico e ortopédico graves. Dessa forma, estão mais propícios ao desenvolvimento de úlceras por pressão. Dentre os locais acometidos, a região isquiática é a mais frequente4.

São vários os procedimentos utilizados para o manejo cirúrgico desse tipo de lesão. No entanto, a mobilidade diminuída dos pacientes acamados, além de técnicas, por vezes, inadequadas, contribuem para a alta taxa de recidiva5,6.

Até o momento, a técnica demonstrada foi utilizada em dois pacientes, sendo o caso descrito o mais recente. Na primeira experiência, o paciente tinha condições clínicas semelhantes, como o fato de não deambularem, e seus resultados, em um ano e meio de seguimento, foram satisfatórios.

Podemos citar como ponto fundamental para o sucesso a longo prazo o debridamento adequado, com ressecção de tecidos até osso viável. Deve-se atentar para a ressecção total da bursa subjacente às úlceras de pressão, uma vez que a permanência da mesma é fator favorável à recidiva local. Também, o fato de se realizar hemostasia cuidadosa é fundamental para a boa evolução dos retalhos e para não ocasionar um quadro anêmico em pacientes já debilitados. Além disso, essa técnica conta com a associação de dois tipos de retalhos, o muscular e o fasciocutâneo. Por se tratar de uma paciente acamada, que não deambula e, dessa forma, mantém pressão constante sobre as superfícies de pele, optou-se por uma técnica cirúrgica que fornece proteção muscular, preservando-se sua irrigação arterial, associada ao retalho fasciocutâneo por formar um coxim maior, aumentando a barreira de contato entre proeminência óssea e pele7.

CONCLUSÃO

A técnica cirúrgica acima, utilizando-se retalho muscular duplo e retalho fasciocutâneo, concomitante à ressecção total da bursa sob a úlcera isquiática, é eficaz e reprodutível, com resultados satisfatórios em curto e longo prazo.

Um maior número de pacientes está sendo submetido à mesma técnica para aprimorar as estatísticas e confirmar os resultados aqui dispostos.

REFERÊNCIAS

1. Batista KT, Pereira ICC, Romano ACL. Tratamento cirúrgico de úlcera por pressão na unidade de Pediatria de hospital de reabilitação. Rev Bras Cir Plást. 2017;32(4):570-8.

2. Borghardt AT, Prado TN, Bicudo SDS, Castro DS, Bringuente MEO. Úlcera por pressão em pacientes críticos: incidência e fatores associados. Rev Bras Enferm. 2016;69(3):460-7.

3. Ferreira FR, Bexiga FP, Martins VVM, Favero FM, Sartor CD, Artilheiro MC, et al. Independência funcional de crianças de um a quatro anos com mielomeningocele. Fisioter Pesqui. 2018;25(2):196-201.

4. Flávio Júnior WF, Bernardes BR, Silva TAS, Capanema HXM, Nishimoto F, Costa PR. Reconstrução complexa de regiões glútea e perineal após ressecção de extenso carcinoma escamocelular de borda anal: relato de caso. Rev Bras Cir Plást. 2016;31(4):586-90.

5. McKinley WO, Jackson AB, Cardenas DD, DeVivo MJ. Long-term medical complications after traumatic spinal cord injury: a regional model systems analysis. Arch Phys Med Rehabil. 1999;80(11):1402-10.

6. Milchelski DA, Mendes RRS, Freitas FR, Zaninetti G, Moneiro Júnior AA, Gemperli R. Protocolo de internação breve para tratamento cirúrgico de lesões por pressão: preparo ambulatorial e cobertura em tempo único. Rev Col Bras Cir. 2017;44(6):574-81.

7. Salomão RM, Cervante TP, Salomão JF, Leon SV. The mortality rate after hospital discharge in patients with myelomeningocele decreased after implementation of mandatory flour fortification with folic acid. Arq Neuropsiquiatr. 2017;75(1):20-4.











1. Hospital São Paulo, Departamento de Cirurgia Plástica, Muriaé, MG, Brasil

COLABORAÇÕES
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RBC Conceituação, Aprovação do manuscrito final, Investigação, Recursos, Supervisão, Validação, Visualização

Autor correspondente: Flávia Mesquita Soares, Rua João Marcelo Santoni, 296, Parque Renato Maia, Guarulhos, SP, Brasil., CEP: 07114-120, E-mail: flavia.soares.m93@gmail.com

Artigo submetido: 11/09/2020.
Artigo aceito: 15/10/2021.

Conflitos de interesse: não há.

 

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