ISSN Online: 2177-1235 | ISSN Print: 1983-5175

Previous Article Next Article

Case Report - Year2022 - Volume37 - Issue 4

http://www.dx.doi.org/10.5935/2177-1235.2022RBCP.627-pt

RESUMO

Introdução: A reconstrução do couro cabeludo após a ressecção oncológica continua sendo um desafio para o cirurgião, especialmente considerando a incidência crescente de câncer de pele entre pacientes idosos. A matriz dérmica (MD) é um grupo heterogêneo de materiais de cobertura de feridas que auxiliam no fechamento da ferida e substituem algumas das funções da pele, temporária ou permanentemente. Pacientes com maior risco cirúrgico podem se beneficiar do uso de MD, que ajuda a gerar uma nova derme, oferecendo grandes melhorias na cobertura de defeitos complexos e extensos.
Métodos: É um trabalho retrospectivo com análise de prontuário e relato de dois casos de pacientes do A.C.Camargo Cancer Center-SP, Brasil.
Resultados: Relatamos dois casos de defeitos complexos e extensos de couro cabeludo em um centro único usando MD associada a enxerto cutâneo e terapia de pressão negativa (TPN) na cirurgia reconstrutiva após ressecção de neoplasia maligna da pele com resultados funcionais e estético satisfatório.
Conclusões: As lesões extensas do couro cabeludo são um desafio na prática clínica e um tratamento multidisciplinar é fundamental. Os resultados obtidos indicam que a MD associada com a enxertia de pele parcial e com a TPN tem enorme potencial para aumentar as opções terapêuticas disponíveis para o cirurgião e possivelmente beneficiando os pacientes, especialmente aqueles que não têm condições clínicas para uma cirurgia extensa de cobertura com retalho microcirúrgico.

Palavras-chave: Pele artificial; Cicatrização; Tratamento de ferimentos com pressão negativa; Couro cabeludo; Neoplasias cutâneas.

ABSTRACT

Introduction: Scalp reconstruction after cancer resection remains a challenge for surgeons, especially considering the increasing incidence of skin cancer among elderly patients. Dermal matrix (DM) is a heterogeneous group of wound covering materials that aid in wound closure and replace some of the skins functions, either temporarily or permanently. Patients at higher surgical risk can benefit from the use of DM, which help to generate a new dermis, offering great improvements in coverage of complex and extensive defects
Methods: It is a retrospective study with analysis of medical records and report of two cases of patients at the A.C.Camargo Cancer Center-SP, Brazil.
Results: We report two cases of complex and extensive scalp defects at a single center using DM associated with skin grafting and negative pressure therapy (NPT) in reconstructive surgery after resection of malignant skin neoplasm with satisfactory functional and esthetic results.
Conclusions: Extensive lesions of the scalp are a challenge in clinical practice and a multidisciplinary treatment is essential. The results obtained indicate that DM associated with partial skin grafting and NPT have enormous potential to increase the therapeutic options available to the surgeon and possibly benefit patients, especially those who do not have the clinical conditions for extensive coverage surgery with microsurgical flap.

Keywords: Skin, artificial; Wound healing; Negative-pressure wound therapy; Scalp; Skin neoplasms.


INTRODUÇÃO

A reconstrução do couro cabeludo após a ressecção oncológica continua sendo um desafio para o cirurgião, especialmente considerando a incidência crescente de câncer de pele entre pacientes idosos. A reconstrução do couro cabeludo pode ser desafiadora devido à agressividade local, com invasão de estruturas adjacente, extensão da ressecção, possibilidade de recorrência tumoral e necessidade de radioterapia adjuvante1.

As opções de tratamento após a ressecção do tumor são o enxerto de pele, retalhos locais pediculados e axiais, ou retalho microcirúrgico para correção de feridas complexas e extensas2. O enxerto de pele pode ser uma opção muito interessante em grandes ressecções, porém sempre que ossos, nervos e tendões são expostos, enxertos de pele não podem ser utilizados. Retalhos cutâneos são boas opções para reconstrução, porém são limitados pelo tamanho do defeito. A matriz dérmica (MD) têm sido usada em tratamento de queimaduras na fase aguda e no manejo das sequelas e na cirurgia reconstrutiva por muitos anos3.

A MD é um grupo heterogêneo de materiais de cobertura de feridas que auxiliam no fechamento da lesão e substituem algumas das funções da pele, temporária ou permanentemente, dependendo das características do produto. Eles fornecem várias propriedades biológicas e fisiológicas da derme humana que permitem e/ou promovem novos crescimentos do tecido e otimizam as condições para a cicatrização4. Pacientes com maior risco cirúrgico podem se beneficiar do uso da MD, que ajuda a gerar uma nova derme, oferecendo grandes melhorias na cobertura de defeitos complexos e extensos5. O objetivo deste estudo é relatar dois casos complexos de lesão extensa em couro cabeludo, com fechamento completo da lesão.

RELATO DE CASO

Este estudo trata-se de relato de caso de dois pacientes, com autorização da comissão ética institucional, n° RC 103/21. Paciente do sexo masculino, de 74 anos, foi diagnosticado com carcinoma sarcomatoide extenso acometendo a região parietal bilateral, medindo 12x9cm de diâmetro. Ele fez sua primeira cirurgia em outro hospital, com histórico de 3 ressecções prévias. Foi encaminhado para nós porque apresentou recidiva tumoral após a última ressecção. O paciente apresentava múltiplas comorbidades. Levado caso em Tumor Board, com a equipe multidisciplinar, sendo discutido entre radioterapia ou ressecção cirúrgica, optando-se pela ressecção de lesão, pois a radioterapia acarretaria em um alto risco de exposição de calota craniana e evolução para meningite fulminante.

Uma ampla excisão local foi realizada, em conjunto com a equipe da neurocirurgia que drilou o osso, retirou toda a área do vértix craniana (com diâmetro de 8cm). Colocada MD no local com tamanho de 20 x 30 cm. Um curativo com terapia por pressão negativa (TPN) foi feito para cobertura da MD, sendo removido 14 dias após a cirurgia. Houve boa integração da MD. Realizado novo procedimento cirúrgico (2 meses após primeiro procedimento) para enxertia de pele de espessura parcial. A ferida com enxerto de pele foi coberta com TPN por 7 dias. Manteve acompanhamento ambulatorial por pelo menos 1 ano após o procedimento cirúrgico inicial, sem sinais de recidiva (Figura 1).

Figura 1 - A - Pré-operatório. B - Intraoperatório, colocação de matriz dérmica. C - Curativo por pressão negativa. D - Pós-operatório tardio.

Relatamos outro caso de paciente do sexo masculino, 64 anos, lesão em couro cabeludo, na região parietal direita, medindo 8x5cm de diâmetro, com o diagnóstico de angiossarcoma. Possuía hipertensão arterial sistêmica e dislipidemia como comorbidades. Lesão sem acometimento ósseo da calota craniana. Foi identificada linfonodomegalia cervical, PAAF (punção aspirativa por agulha fina) inconclusivo. Discutido caso em reunião Tumor Board, sendo indicada quimioterapia neoadjuvante (pela velocidade de crescimento do tumor e provável metástase cervical), seguida de exérese cirúrgica e radioterapia adjuvante. Realizada ressecção cirúrgica, drilagem óssea, fixação de MD e cobertura com curativo de TPN. Com 1 mês de pós-operatório, realizada enxertia de pele espessura parcial e TPN. Retirado o curativo no 7° dia de pós-operatório. Paciente evoluiu com recidiva tumoral em algumas áreas do couro cabeludo, sendo realizada ressecção de recidivas com fechamento primário, posteriormente, encaminhado para radioterapia. Paciente seguiu o tratamento de radioterapia de couro cabeludo com oclusão total de todas as feridas cutâneas (Figura 2).

Figura 2 - A - Lesão pré-operatória. B - Após exérese da lesão. C - Enxertia de pele parcial. D - Integração do enxerto.

DISCUSSÃO

A reconstrução de defeitos no couro cabeludo após a ressecção de tumores malignos representa um desafio considerável que requer experiência e bom julgamento cirúrgico. O reparo de defeito no couro cabeludo não deve apenas fornecer proteção mecânica e aparência esteticamente aceitável, mas também facilitar o rápido retorno ao convívio social6.

A MD é uma alternativa para o tratamento de feridas complexas, pois permite seu fechamento com menor morbidade e tempo cirúrgico. Também é um procedimento simples quando comparado ao retalho microcirúrgico e pode ser realizado em áreas irradiadas, permitindo a cobertura da ferida em ressecções complexas, melhor controle local da doença e detecção precoce de recorrência2. Nos casos relatados foi utilizada a MD de camada única.

Quando a MD é usada em conjunto com enxerto de pele parcial, a pele resultante tem menor formação de cicatriz hipertrófica e contraturas, sendo de melhor qualidade, espessura e flexibilidade do que reconstruções usando enxerto de pele de espessura parcial isolado1,4.

A TPN pode ajudar a remover substâncias deletérias da ferida, aliviar edema, e estimular a proliferação celular, promovendo assim granulação e inibição da inflamação crônica. Além disso, a TPN também parece auxiliar na neovascularização de enxertos de pele e MD e pode melhorar a taxa de sucesso do enxerto de pele, fortalecendo a união entre o enxerto de pele e a área receptora. Ao mesmo tempo, o advento de um dispositivo portátil permite que os pacientes se mobilizem mais cedo e acelerem o retorno ao convívio social7.

CONCLUSÃO

As lesões extensas do couro cabeludo são um desafio na prática clínica e um tratamento multidisciplinar é fundamental. A presença de uma equipe de enfermagem acostumada com as trocas do curativo na TPN e manejo da MD é uma pedra angular de todo o tratamento. Os resultados obtidos indicam que a MD associada com a enxertia de pele parcial e com a TPN tem enorme potencial para aumentar as opções terapêuticas disponíveis para o cirurgião e possivelmente beneficiando os pacientes.

REFERÊNCIAS

1. Komorowska-Timek E, Gabriel A, Bennett DC, Miles D, Garberoglio C, Cheng C, Gupta S. Artificial dermis as an alternative for coverage of complex scalp defects following excision of malignant tumors. Plast Reconstr Surg. 2005;115(4):1010-7.

2. Campagnari M, Jafelicci AS, Carneiro HA, Brechtbühl ER, Bertolli E, Duprat Neto JP. Dermal Substitutes Use in Reconstructive Surgery for Skin Tumors: A Single-Center Experience. Int J Surg Oncol. 2017;2017:9805980.

3. Bertolli E, Campagnari M, Molina AS, Macedo MP, Pinto CA, Cunha IW, et al. Artificial dermis (Matriderm®) followed by skin graft as an option in dermatofibrosarcoma protuberans with complete circumferential and peripheral deep margin assessment. Int Wound J. 2015;12(5):545-7.

4. Rehim SA, Singhal M, Chung KC. Dermal skin substitutes for upper limb reconstruction: Current status, indications, and contraindications. Hand Clin. 2014;30(2):239-52.

5. Magnoni C, De Santis G, Fraccalvieri M, Bellini P, Portincasa A, Giacomelli L, et al. Integra in Scalp Reconstruction After Tumor Excision: Recommendations From a Multidisciplinary Advisory Board. J Craniofac Surg. 2019;30(8):2416-20.

6. Gurtner GC, Evans GR. Advances in head and neck reconstruction. Plast Reconstr Surg. 2000;106(3):672-82.

7. Zhang C, Liu D, Liang Z, Liu F, Lin H, Guo Z. Repair of refractory wounds through grafting of artificial dermis and autologous epidermis aided by vacuum-assisted closure. Aesthetic Plast Surg. 2014;38(4):727-32.











1. ACCamargo Cancer Center, Cirurgia plástica, São Paulo, SP, Brasil
2. ACCamargo Cancer Center, Departamento de Câncer de Pele, São Paulo, SP, Brasil
3. ACCamargo Cancer Center, Ambulatório de curativo- Enfermagem, São Paulo, SP, Brasil

Autor correspondente: Ana Carolina V.G. Otsuka Av. da Aclimação, 314, São Paulo, SP, Brasil. CEP: 01531-000, E-mail: ac.otsuka@gmail.com

Artigo submetido: 30/08/2021.
Artigo aceito: 07/04/2022.

Conflitos de interesse: não há.

 

Previous Article Back to Top Next Article

Indexers

Licença Creative Commons All scientific articles published at www.rbcp.org.br are licensed under a Creative Commons license