ISSN Online: 2177-1235 | ISSN Print: 1983-5175

Previous Article Next Article

Original Article - Year2004 - Volume19 - Issue 1

RESUMO

Os autores tiveram como objetivos: Traduzir para a língua portuguesa, adaptar ao contexto cultural brasileiro e validar a escala de auto-estima de Rosenberg para uma população de pacientes que irão submeter-se à cirurgia plástica. CONCLUSÃO - A versão para a língua portuguesa da escala de auto-estima de Rosenberg (EPM/Rosenberg) apresentou bons índices de reprodutibilidade e validade no nosso meio, podendo ser usada como instrumento para medir a auto-estima de pacientes brasileiros que irão submeter-se à cirurgia plástica.

Palavras-chave: Auto-estima; qualidade de vida; questionários; testes psicológicos; cirurgia plástica

ABSTRACT

The authors had as objectives: to translate into Portuguese, culturally adapt and validate the Rosenberg self-esteem scale to be used in a population which will be submitted to plastic surgery. Conclusion: The Portuguese version of the Rosenberg Self-Esteem scale (UNIFESP-EPM/Rosenberg) proved reliable and valid and can be used as an instrument to measure the self-esteem of patients who will be undergoing cosmetic surgery.

Keywords: Self-esteem; quality of life; questionnaires; psychological tests; self-image; plastic surgery


INTRODUÇÃO

Os cirurgiões plásticos possuem a capacidade de alterar a aparência dos pacientes e, deste modo, influenciá-los quanto à sua auto-imagem e auto-estima. A auto-estima pode ser definida como o sentimento, o apreço e a consideração que uma pessoa sente por si própria, ou seja, o quanto ela gosta de si, como ela se vê e o que pensa sobre ela mesma. A auto-imagem é o centro da vida subjetiva do indivíduo, determinando seus pensamentos, sentimentos e comportamento.

Faz parte da rotina em cirurgia plástica a documentação fotográfica pré e pós-operatória como meio para comparar resultados. Goldwyn(2) chega a comparar a importância dessa documentação para o cirurgião plástico à do eletrocardiograma para o cardiologista. Dados objetivos que geram evidências concretas acerca dos resultados em cirurgia plástica são escassos. Medir resultados, portanto, é uma necessidade para que seja possível gerar evidências e comparar dados obtidos de maneira uniforme. Como poderemos, então, obter números objetivos a partir dessas medidas?

A análise e a quantificação do auto-retrato que a pessoa faz de si própria são uma medida objetiva baseada em suas experiências sociais(1). Alguns padrões de comportamento e aparência são determinados pela sociedade, pela mídia e pela própria pessoa. A consciência sobre a própria aparência pode afetar fortemente a autoconfiança e a auto-estima.

Nos últimos anos, instrumentos de medida de qualidade de vida vêm sendo largamente utilizados para medir resultados em medicina de forma objetiva em escala mundial, incluindo estudos internacionais multicêntricos. Para podermos comparar dados obtidos em estudos semelhantes realizados em populações cultural e lingüisticamente distintas, é necessária a padronização dos processos de tradução e adaptação cultural dos instrumentos utilizados. São também necessários testes de validação das suas propriedades de medida.

Não há instrumentos válidos e adaptados ao contexto cultural brasileiro para medir e avaliar as possíveis alterações na auto-estima de pacientes submetidos à cirurgia plástica. O objetivo do presente estudo foi traduzir para a língua portuguesa as medidas (reprodutibilidade e validade) da escala de auto-estima de Rosenberg, adaptá-las ao contexto cultural brasileiro e testar suas propriedades de medida.


CASUÍSTICA E MÉTODOS


Tradução e Adaptação Cultural

Para a tradução e adaptação cultural da escala de auto-estima de Rosenberg, utilizamos a metodologia proposta por Guillemin; Bombardier; Beaton (3), que consistiu em:

1. Tradução inicial do questionário original para a língua portuguesa por dois tradutores independentes que conheciam os objetivos do estudo, ou seja, a tradução conceitual e não a estritamente literária.

Essas duas traduções foram por sua vez comparadas por um grupo multidisciplinar composto por cinco médicos (4 cirurgiões plásticos e 1 epidemiologista clínica), sendo criada por consenso uma única versão do questionário (versão N°1 em português).

Durante a tradução dos instrumentos, foram avaliadas a equivalência semântica, idiomática, experimental ou cultural e conceitual.

2. Com a versão N° 1 em português foram realizadas duas novas traduções para a língua inglesa por outros dois tradutores independentes, não conhecedores do questionário original em língua inglesa ou dos objetivos deste trabalho. Processo este denominado backtranslation.

Novamente o mesmo grupo multidisciplinar reuniu-se para discutir as diferenças e discrepâncias originadas no processo de tradução. Dessa reunião resultou, por consenso, uma nova versão do questionário em língua portuguesa (versão N° 2).

3. Adaptação cultural, quando a versão N°2 foi submetida a uma avaliação da equivalência cultural denominada de pré-teste. Nela, o paciente era solicitado a:

a) Explicar a questão segundo suas próprias palavras.

b) Propor mudanças se achasse que elas tornariam o sentido das questões mais claro.

c) Dar notas de importância para cada uma das questões.

A relevância de cada questão foi calculada através de um índice de relevância, o qual consistiu na multiplicação da percentagem de indivíduos que atribuíram a mesma nota de importância, que variou de 1 a 5.

Foram consideradas relevantes as questões que atingiram um valor acima de 3. A equipe multidisciplinar reuniu-se a cada etapa de mudança necessária. A avaliação de equivalência cultural foi considerada completa quando um grupo de 10 pacientes consecutivos compreendeu corretamente o sentido das questões, não sendo mais necessárias quaisquer modificações no questionário, gerando-se a versão UNIFESP-EPM/Rosenberg.


Validação: Teste para Verificar a Reprodutibilidade e a Validade

A reprodutibilidade foi testada por meio de três entrevistas. A escala de auto-estima EPM/Rosenberg foi aplicada a uma população de 32 indivíduos com idade média inferior a 40 anos, de qualquer raça, que iriam se submeter à cirurgia plástica, selecionados consecutivamente no ambulatório de cirurgia plástica da Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina. Foram eles entrevistados por um mesmo observador em tempos diferentes (com espaço de 2 semanas entre as entrevistas e por um segundo observador independente no tempo 1, com espaço de 3 horas entre as entrevistas). Com isso obtivemos três grupos de resultados. Com esses dados, calculamos o índice de correlação intraclasse, determinando a reprodutibilidade inter e intra-observador.

Foram testados três tipos de validade: validade de face; validade de conteúdo, e validade de construção.

Para a avaliação dos dados demográficos da população de pacientes, foram utilizados métodos de estatística descritiva (média e desvio- e freqüência). As reprodutibilidades intra e inter-observadores foram estabelecidas calculando-se a análise de variância do observador 1 no tempo 1 do 02T1 01T2, e, a partir desta, o coeficiente intraclasse. A validade de construção foi obtida por testes de correlação (Pearson e Spearman) e regressão múltipla, o que possibilita explicar o quanto cada aspecto contribui para o escore obtido com a escala de auto-estima.


RESULTADOS

A escala de auto-estima de Rosenberg em sua forma original na língua inglesa e sua versão após finalizado o processo de tradução e adaptação cultural (versão EPM/ Rosenberg) encontram-se nas Tabelas I e II. A Tabela III representa o cálculo do escore da escala.










A reprodutibilidade entre observadores distintos após análise estatística demonstrou um "p" estatístico, ou seja, a significância menor que 0,516. A reprodutibilidade entre o mesmo observador em termos distintos demonstrou um "p" menor que 0,5.

Entraram no modelo final de regressão os seguintes aspectos: Aspecto emocional, dor, vitalidade, estado geral de saúde e capacidade funcional do instrumento de qualidade de vida -Short Form-36 e o instrumento SRQ-20 (Self Reporting Questionnaire).

Após efetuarmos os cálculos estatísticos, pudemos observar que o instrumento SRQ-20 contribuiu com 56,98% para explicar os resultados obtidos com a escala de auto-estima UNIFESP- EPM/ Rosenberg. A dimensão Estado Geral do Paciente contribuiu com 19,40%, a dor com 47,8% e a capacidade funcional com 10,32%.


DISCUSSÃO

Após ampla revisão da literatura com o objetivo de identificar todos os instrumentos disponíveis para a medida direta ou indireta da auto-estima, a escala de Rosenberg foi a escolhida, por ser a que mais se aproximou dos nossos objetivos, que era uma escala amplamente aceita na comunidade científica internacional (4, 5, 6) e que fosse de rápida e fácil aplicação. Rejeitamos a construção de um novo questionário em razão da não uniformidade dos dados obtidos, impedindo a comparação internacional entre eles. Como a escala foi desenvolvida para a população americana, houve necessidade de traduzir o instrumento, adaptá-lo ao contexto brasileiro e testar suas propriedades de medida. Com base em estudos de psicologia, sociologia e epidemiologia, Guillemin et al. (3) desenvolveram a metodologia por nós adotada, que é aceita atualmente como o melhor conjunto de métodos de validação de instrumentos de qualidade de vida. Atualmente, este é o método mais confiável para manter-se as propriedades de medida do instrumento original.

Na avaliação da equivalência cultural ou pré-teste, observamos uma grande dificuldade por parte dos pacientes em expressar-se.

A avaliação da relevância mostrou que todas as questões foram consideradas aplicáveis para a população estudada, isto é, não houve necessidade de anular nenhum dos testes originais. Isso aproxima a versão brasileira da original. Provavelmente a auto-estima tem um significado universal. Observamos durante o pré-teste uma grande dificuldade, por parte dos pacientes, no entendimento semântico das perguntas, necessitando maiores ajustes e maior opção sinonímica para clarear as questões, fato que encontra embasamento nas substanciais taxas de analfabetismo, repetência e evasão escolar em nosso meio.

Embora as frases pareçam redundantes (pleonásticas), a idéia da metodologia é utilizar, na adaptação cultural, uma linguagem que possa ser compreensível até por uma criança. Conforme orientação da metodologia adotada, incluímos sentenças curtas e palavras-chave, além de evitar a voz passiva, pronomes ou termos gerais. Isso tornou a escala muito mais confiável, evitando que alguns pacientes que não entendessem o sentido da frase optassem por qualquer uma das alternativas devido à timidez para solicitar esclarecimentos.

Finalizada a adaptação, procedemos à avaliação da reprodutibilidade da escala EPM/Rosenberg. Liang & Jette(7) relataram que a reprodutibilidade entre o mesmo observador (intra-observador) em tempos diferentes é importante para questionários auto-aplicáveis, enquanto a reprodutibilidade entre observadores diferentes (inter-observador) é importante para questionários aplicáveis por meio de um entrevistador. Jenkinson(8) relatou ser a reprodutibilidade importante para todos os instrumentos. A escala deve ter resultados iguais ou muito semelhantes, em duas ou mais administrações para o mesmo paciente, considerando que seu estado clínico não tenha sido alterado. A análise dos escores obtidos com as aplicações do questionário evidenciou altos índices de correlação entre as observações do mesmo pesquisador, bem como dos observadores distintos.

A hipótese teórica na qual se constituíram as correlações para medida de validade de construção foi baseada em trabalhos da literatura mostrando largamente que muitos pacientes de cirurgia plástica experimentam altos níveis de ansiedade, depressão e isolamento social relacionados à sua queixa, havendo uma melhora desses sintomas e melhora da auto-estima no período pós-operatóriov(9-16).

Deste modo, correlacionamos a escala de auto-estima EPM/ Rosenberg com o questionário para triagem de ansiedade/depressão (SRQ-20), com os componentes mentais do SF-36 (ambos traduzidos e validados para a língua portuguesa), além de escalas numéricas por nós criadas.

Inicialmente, analisamos todos os resultados das dimensões e escalas de forma descritiva, examinando-as através das suas distribuições, medidas de posição, dispersão e associação. Posteriormente, foi realizada uma análise inferencial para estabelecermos as associações e efeito destes itens na escala Rosenberg. A correlação de Pearson é um método paramétrico, ou seja, aplicável às variáveis contínuas ou intervalares, e a correlação de Spearman, não paramétrica, ou seja, aplicável às variáveis categóricas. Ao realizarmos o método estatístico da regressão, pudemos analisar o quanto cada aspecto compunha percentualmente a auto-estima. Pudemos verificar que a ordem de importância para a escala Rosenberg é: a dimensão Estado Geral do SF-36, SRQ-20, as dimensões Capacidade Funcional, Dor, Vitalidade e Aspecto Emocional do SF-36. Desse modo, a reprodutibilidade e a validade do instrumento foram demonstradas, portanto, o instrumento está apto a ser utilizado para a medida da auto-estima.

É de grande importância a posse de um instrumento confiável para avaliarmos a auto-estima das pessoas. Em procedimentos cirúrgicos em que haverá alterações nas formas corporais é essencial que o médico tente descobrir quais são as aspirações e fantasias que o paciente tem a respeito dos resultados, e que avaliemos sua saúde mental. Deve-se tomar muito cuidado com a real queixa do paciente, pois, muitas vezes, ele procura no tratamento a resolução de problemas e conflitos de relacionamento. As motivações mais confiáveis e seguras são aquelas relacionadas com a auto-imagem e auto-estima. Esperanças de que a cirurgia provoque um efeito nos outros são pouco razoáveis e refletem ilusões em relação ao tratamento(9). A habilidade de se triar adequadamente esses pacientes surge com a experiência, maturidade cirúrgica e persistente observação (17).

A utilização de instrumentos de medida de qualidade de vida precisos e acurados é o passo inicial para uma abordagem não só científica como também humana.

A tradução para o português da escala de auto-estima de Rosenberg e sua adequação ao contexto cultural e socioeconômico de nossa população, bem como a demonstração de sua reprodutibilidade e validade, tornam este instrumento um parâmetro adicional importante na avaliação de resultados em cirurgia plástica ou em outros estudos em que seja necessário avaliar a auto-estima.


BIBLIOGRAFIA

1. Rosenberg M. Society and the adolescent self image. Princeton: Princetan University Press; 1965.

2. Goldwyn RM. The patient and the plastic surgeon. 2. ed. Bostan: Little, Brown; 1991. 359p.

3. Guillemin F, Bombardier C, Beaton D. Cross-culrural adaptation of the health-related quality of life measures: literature review and proposed guidelines. J Clin Epidemiol, 1993; 46:1417-32.

4. Faria FS, Guthrie E, Bradbury E, Brain AN. Psy-chosocial outcome and patient satisfaction follow-ing breast reduction surgery. Br J Plast Surg. 1999; 52:448-52.

5. Shakespeare V & Cole RP. Measuring patient based outcomes in a plastic surgery service: breast reduction surgical patients. Br J Plast Surg. 1997; 50:242-8.

6. Ranzijn R, Keeves J, Luszcz M, Feather NT. The role of self perceived usefulness and competence in the self-esteem of elderly adults: Confirmatory factor analyses of the Bachman revision of Rosenberg's self-esteem scale. J Gerontol Psychol Sci. 1998; 53B:96-104.

7. Liang MH & Jette AM. Measuring functional ability in chronic arthritis. Arthritis Rheum. 1981; 24:80-5.

8. Jenkinson C, Coulter A, Wright L. Short form 36 (SF-36) health survey questionnaire: normative data for adults of working age. B M J. 1993; 306:1437-40.

9. Goin MK & Goin JM. Psychological effects of aesthetic facial surgery. Adv Psychosom Med. 1986; 15:84-108.

10. Meyer L & Ringber GA. Augmentation mamma-plasty - psychiatric and psychosocial characteristics and outcome in a group of swedish women. Scand J Plast Reconstr Surg. 1987; 21:199-208.

11. Kilmann PR, Sattler JI, Taylor J. The impact of augmentation manunaplasty: A follow-up study. Plast Reconstr Surg. 1987; 80:374-8.

12. Hong SM & Giannakopoulos E. The relationship of satisfaction with life to personality characteristics. J Psychol. 1994; 128:547-58.

13. Klassen A, J enkinson C, Fittzpatrick R, Goodacre T. Patient's health related quality of life before and after aesthetic surgery. Br J Plast Surg. 1996; 49:439-41.

14. Klassen A, Fittzpatrick R, Jenkinson C, Goodacre T. Should breast reduction surgery be rationed? A comparison of the health status of patients before and after treatment: postal questionnaire survey. Br Med J. 1996; 313:454-7.

15. Klassen A, Jenkinson C, Fittzpatrick R, Goodacre T. Measuring quality of life in cosmetic surgery patients with a condition-specific instrument: the Derriford Scale. Br J Plast Surg. 1998; 51:380-4.

16. Klassen A. Quality of life outcomes after cosmetic surgery. Plast Reconstr Surg. 1999; 104: 1209-10.

17. Baker TJ. Patient selection and psychological evaluation. Clinics in Plast Surg. 1978; 5:03-14.







I - Mestre em Cirurgia Plástica Reparadora pela Universidade Federal de São Paulo -Escola Paulista de Medicina, TSBCP.
II - Mestre em Epidemiologia Clínica pela Universidade McMaster do Canadá.
III - Titular e Chefe da Disciplina de Cirurgia Plástica Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Cirurgia Plástica Reparadora da UNIFESP/EPM, TSBCP.

Trabalho realizado na Disciplina de Cirurgia Plástica da Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina - São Paulo - Brasil

Endereço para correspondência:
Gal Moreira Dini
R. Oscar Freire, 715
São Paulo - SP 01426-000
e-mail: dr.gal@uol.com.br

 

Previous Article Back to Top Next Article

Indexers

Licença Creative Commons All scientific articles published at www.rbcp.org.br are licensed under a Creative Commons license