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Special Article - Year2023 - Volume38 - Issue 1

http://www.dx.doi.org/10.5935/2177-1235.2023RBCP0642-PT

RESUMO

Introdução: Como ciência da saúde, a Odontologia busca elevar a autoestima e melhorar a qualidade de vida dos pacientes. Entretanto, o surgimento do procedimento estético "ear shut", que propõe a correção da orelha em abano sem cirurgia, gerou dúvidas de ordem ética e legal na classe odontológica, sobretudo no que diz respeito aos limites de atuação profissional.
Objetivo: Realizar o levantamento das leis, normativas e resoluções sobre a área de atuação dos cirurgiões-dentistas, bem como discutir os limites e as consequências de sua extrapolação sob a perspectiva do procedimento propagado como "ear shut".
Método: Foi realizada uma busca de normas administrativas nos sites do Conselho Federal de Odontologia (CFO) e do Conselho Federal de Medicina, bem como de dispositivos legais no site Portal da Legislação.
Resultados: Em âmbito cível, a divulgação de procedimentos como o "ear shut" pode caracterizar promessa de resultado e levar à responsabilização judicial. Ultrapassar os limites profissionais constitui exercício ilícito e constitui crime segundo o Código Penal Brasileiro. Além de não abranger a área de atuação clínica dos cirurgiões-dentistas, no âmbito administrativo, as Resoluções do CFO N° 198/2019 e N° 230/2020 enfatizam que procedimentos na orelha não compõem o escopo de procedimentos pertinentes à Odontologia, podendo levar a infrações éticas e consequente processo administrativo.
Conclusão: No momento atual, com base nas competências, vedações, direitos e deveres dos cirurgiões-dentistas, pode-se afirmar que a realização do "ear shut" por estes profissionais confronta obrigações de ordem cível, penal e administrativa.

Palavras-chave: Orelha; Orelha externa; Cirurgia plástica; Odontologia; Procedimentos cirúrgicos reconstrutivos; Ética odontológica; Odontologia legal; Legislação odontológica

ABSTRACT

Introduction: As a health science, dentistry seeks to raise self-esteem and improve patients' quality of life. However, the emergence of the aesthetic procedure "ear shut," which proposes correcting protruding ears without surgery, has raised ethical and legal doubts in the dental profession, especially concerning the limits of professional activity.
Objective: To conduct a survey of the laws, norms, and resolutions on the area of performance of dental surgeons, as well as to discuss the limits and consequences of their extrapolation from the perspective of the procedure propagated as "ear shut."
Method: A search was carried out for administrative norms on the Federal Council of Dentistry (CFO) websites and the Federal Council of Medicine and legal provisions on the Portal da Legislação website.
Results: In the civil sphere, the disclosure of procedures such as the "ear shut" can characterize a promise of result and lead to judicial accountability. Exceeding professional boundaries constitutes an illegal exercise and a crime under the Brazilian Penal Code. In addition to not covering the area of clinical practice of dentists, at the administrative level, CFO Resolutions No. 198/2019 and No. 230/2020 emphasize that ear procedures are not part of the scope of procedures relevant to Dentistry and may lead to ethical infractions and consequent administrative proceedings.
Conclusion: At present, based on the skills, prohibitions, rights, and duties of dentists, it can be stated that performing the "ear shut" by these professionals confronts civil, criminal, and administrative obligations.

Keywords: Ear; Ear, external; Surgery, plastic; Dentistry; Reconstructive surgical procedures; Ethics, dental; Forensic dentistry; Legislation, dental


INTRODUÇÃO

A Odontologia consiste em uma ciência da saúde que visa elevar a autoestima e aprimorar a qualidade de vida do paciente. Esses resultados podem ser alcançados em razão do caráter salutar e estético-funcional que determinados procedimentos odontológicos detêm1. Contudo, a busca por procedimentos na face com finalidade estética tem se tornado corriqueira, o que resulta em dilemas morais, éticos e legais no que diz respeito à área de atuação dos cirurgiões-dentistas.

Dessa forma, limites da atuação profissional entre diferentes profissões da área da saúde, tais como a Medicina e a Odontologia, têm sido motivo de debates e, até mesmo, demandas judiciais, quando ambas as profissões não chegam a um pacto administrativo mediado pelos conselhos de classe. Assim, contestações com esse enfoque já ocorreram, como é o caso da remoção do corpo adiposo da bochecha (bichectomia) pelos cirurgiões-dentistas, que devem executá-la, exclusivamente, com finalidade estético-funcional2.

Todavia, o surgimento de novos procedimentos clínicos em diversas regiões da face levanta dúvidas e debates no que diz respeito ao limite da área de atuação dos cirurgiões-dentistas. Nessa seara, enquadrase a intervenção na orelha denominada “ear shut”, procedimento divulgado pela classe odontológica e que promete a correção da orelha em abano sem cirurgia3.

OBJETIVO

Realizar o levantamento das leis, normativas e resoluções que incumbem a área de atuação dos cirurgiõesdentistas, bem como discutir os limites e as consequências de sua extrapolação sob a perspectiva do procedimento propagado como “ear shut”.

PROCEDIMENTOS CORRETIVOS DA ORELHA EM ABANO NA MEDICINA E NA ODONTOLOGIA

A prominauris, popularmente conhecida como orelha em abano ou orelha de abano, é uma das anomalias congênitas mais comuns na região de cabeça e pescoço, que pode se apresentar por fatores genéticos, influências ambientais durante o desenvolvimento e migração auricular no segundo trimestre de gestação4,5.

Caracteriza-se pela proeminência anterior da orelha, geralmente de forma bilateral e, apesar de não acarretar alterações funcionais, pode afetar a autoestima dos indivíduos, principal motivo da busca por cirurgias corretivas, pois pode gerar impactos psicossociais, principalmente na infância e adolescência, quando a ridicularização de características físicas tende a influenciar negativamente, causando quadros de estresse, ansiedade e dificuldade de integração social6.

A orelha é formada por regiões anatômicas diretamente relacionadas ao diagnóstico da prominauris (Figura 1). Desta forma, são três as causas mais frequentes da orelha em abano: subdesenvolvimento da anti-hélice, que irá aumentar o ângulo escafoconchal; proeminência da concha, que irá incrementar o ângulo auriculocefálico; e a protrusão do lóbulo, podendo ainda, haver associação entre essas causas7.

Figura 1 - Regiões anatômicas da orelha em norma frontal (à esquerda) e posterior (à direita).

O ângulo auriculocefálico, em geral, mede entre 25° e 30°; e pode atingir mais de 40° de angulação. Já o ângulo escafoconchal, de aproximadamente 90°, pode atingir valores superiores a 150° de angulação8,9. Isto posto, a realização de procedimentos na região da orelha requer conhecimento abrangente da sua anatomia, englobando anatomia superficial e profunda, inervação, vascularização, origem embrionária e formação6.

Nesse contexto, a otoplastia – cirurgia plástica das orelhas – engloba variadas técnicas para a correção da prominauris, e a escolha da técnica apropriada depende da análise de vários fatores. Logo, a intervenção que visa a correção estética dessa condição deve ser planejada de forma individualizada, sendo possível ainda a associação entre técnicas para se obter melhores resultados8.

Além disso, a utilização de técnicas cirúrgicas deve considerar a idade em que o ouvido tem seu desenvolvimento finalizado, o qual ocorre por volta dos 6 anos, para que a partir de então um procedimento cirúrgico de correção das orelhas em abano possa ser executado, sendo esse procedimento realizado sob anestesia geral ou sob sedação e anestesia local, a depender da idade e do nível de colaboração do paciente9.

Quanto às técnicas cirúrgicas propriamente ditas, essas variam de acordo com sua invasividade, descolamento tecidual e incisões de áreas estratégicas em cartilagem, com suturas que permitirão a criação de uma nova curvatura9. Por outro lado, técnicas menos invasivas permitem acesso à cartilagem por meio de pequenas incisões empregadas com o intuito de criar zonas de enfraquecimento na cartilagem, onde ocorrerá sua remodelação8. Apesar de não haver uma técnica padrãoouro, todas apresentam vantagens e desvantagens, convergindo para um mesmo objetivo estético10.

A otoplastia fechada consiste em uma abordagem minimamente invasiva, que a partir da infiltração e fixação transcutânea de fios não absorvíveis propõe o tratamento de orelhas em abano. As principais intercorrências da técnica são: desenvolvimento de edema, equimose, recidiva, exposição de pontos e assimetria entre as orelhas11.

Atualmente, na Odontologia, procedimentos relacionados à correção de orelhas em abano surgiram como novidade no mercado, prometendo sua execução sem a necessidade de cortes, utilizando apenas a sutura, com pontos transcutâneos. Esse procedimento, que ficou conhecido como “ear shut”, vem sendo comercializado como uma técnica inovadora, rápida, eficaz e que não deixa cicatrizes3.

A técnica “ear shut” reproduz os passos da otoplastia fechada e não existem trabalhos na literatura abordando diretamente o tema com essa nomenclatura. Apesar da promessa de resultado, Janis et al. (2005)12 afirmam que técnicas não cirúrgicas para a correção de orelhas proeminentes demonstravam, até aquela época, resultados insatisfatórios na maioria dos casos.

“EAR SHUT”, FAZER OU NÃO FAZER? ABORDAGEM LEGISLATIVA

Cuidar adequadamente e com diligência da saúde dos seus pacientes é dever de todo e qualquer cirurgiãodentista13. Condutas abusivas e lesivas que infrinjam este bem estão descritas em diferentes normas legais brasileiras14. E, nesse sentido, o exercício profissional da Odontologia deve ser praticado com elevado grau de zelo e com bases científicas confiáveis; de tal forma que os cirurgiões-dentistas devem conhecer a fundo os procedimentos, além de praticá-los na medida certa para cada paciente e sua condição clínica15.

A Organização Mundial da Saúde define saúde como um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não apenas como a ausência de doença ou enfermidade16. Desta forma, a prevenção, recuperação e conservação da saúde bucal é função basilar da Odontologia, mantendo a integridade e funcionalidade adequada do sistema estomatognático, devolvendo a saúde ou mesmo evitando o agravamento de certos problemas.

Questões morais, éticas e legais não devem ser desprezadas pelos cirurgiões-dentistas durante a execução de qualquer tratamento ou procedimento odontológico, pois, além do ato clínico, este abrange igualmente a relação profissional-paciente em todas as suas minúcias17. O profissional, além do conhecimento teórico e a habilidade clínica, deve estar bem esclarecido sobre as suas obrigações de ordem cível, penal, ética e administrativa, às quais todos estão sujeitos nesta íntima relação com seus pacientes18.

O artigo 5º da Constituição Federal promulgada em 1988, inciso XIII, estabelece como direito à liberdade de trabalho ou liberdade do exercício de qualquer ofício ou profissão, que pode ser definida como a soberania do ser humano em desempenhar profissionalmente qualquer atividade laborativa, desde que atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer. Como a literalidade do dispositivo constitucional sugere, há possibilidade de que, por meio de lei, sejam impostas certas restrições ao exercício de qualquer atividade profissional19.

Já no inciso XXXIII, do mesmo artigo, encontra-se a defesa do consumidor como garantia constitucional ao afirmar que: “O Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”. Para assegurar a importância da saúde sob o enfoque da Constituição Federal, o artigo 6º ainda estabelece a saúde como um dos direitos fundamentais, inserida no título destinado à ordem social, que visa o bem-estar e a justiça social. A partir desta avaliação, o Estado passou a formular políticas sociais e econômicas voltadas à proteção específica da saúde19.

Com a promulgação da Constituição Federal e na esteira dos seus artigos, publicou-se o Código de Defesa do Consumidor, que abrange toda a sociedade como uma coletividade de pessoas indeterminadas, em todas as suas relações, sendo destinado à defesa da pessoa que adquire ou utiliza produto ou serviço, materializando uma relação de consumo. Em destaque, o seu artigo 2º define o consumidor como “toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço com destinatário final”. Neste diapasão, qualquer usuário de serviços odontológicos é um consumidor para o qual se presta um serviço, sendo fornecedor o profissional que desenvolve sua atividade de forma remunerada. Dessa forma, salienta-se que o cirurgião-dentista é profissional liberal e a relação com o seu paciente tem natureza consumerista20.

Preliminarmente, tem-se que pontuar que o paciente dará a última palavra sobre a sua própria saúde. Se não for caso de emergência, só este pode decidir sobre o interesse ou não de implementar certo tratamento, ponderando riscos e benefícios. Sobre este raciocínio, o artigo 94 do Código Civil Brasileiro afirma que, em atos bilaterais, o silêncio intencional de uma das partes a respeito de fato ou qualidade que a outra parte haja ignorado constituirá em omissão dolosa, evidenciando que sem ela não se teria celebrado o contrato. Assim, é imperativo que o paciente seja prévia e devidamente esclarecido, em linguagem compreensível, sobre sua enfermidade, limites do tratamento indicado, efeitos colaterais e possíveis complicações21.

Sob o enfoque da natureza jurídica da responsabilidade civil, o Código Civil Brasileiro, Lei N° 10.406, de 10 de janeiro de 2002, nos artigos 186, 187, 927, 949, 950 e 951, estabelece que o profissional deve ter formação acadêmica correspondente à ciência e à ética da profissão que ele abraçou, exercendo-a dentro de elevados padrões científicos, com prudência e perícia. Tal formação deve ser aceita pelas academias e instituições regulares e reconhecidas. Nunca é demais reforçar que tais artigos apresentam repercussões sobre a negligência, a imprudência ou a imperícia21.

Ao avaliarmos a responsabilidade penal do cirurgião-dentista no exercício profissional, sob a luz do Código Penal Brasileiro, Decreto-Lei N° 2.848 de 7 de dezembro de 1940, deve-se reforçar que este atuar é invasivo por excelência, por manusear instrumento cortante, contundente e cortocontundente; podendo provocar diversas lesões e que poderão acarretar denúncia de infração ao artigo 129 e seu 6º parágrafo22:

“Decreto-Lei Nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal

Capítulo II

Das lesões corporais

Lesão corporal

Art. 129. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem:

Pena - detenção, de três meses a um ano. (...)

Lesão corporal culposa

§ 6° Se a lesão é culposa:

Pena - detenção, de dois meses a um ano. (...)”

Em seu artigo 132, o Código Penal é transparente ao explicitar que a exposição da vida ou da saúde de outrem a perigo iminente poderá levar à pena de detenção, de três meses a um ano, isso se o fato não constituir crime mais grave. Tal citação caracteriza o delito de periclitação da vida e da saúde. Imagina-se ao considerar que o cirurgião-dentista agirá sem intenção dolosa, partindo da sua boa-fé. Com este princípio em mente, a condenação criminal surgirá quando demonstrada a culpa do profissional na sua prática clínica. Neste raciocínio deverá ficar caracterizada a imperícia, imprudência ou negligência por parte do profissional, já que estes são os elementos caracterizadores de culpa, e em decorrência disto produziu uma lesão durante ou como consequência do seu atuar22.

Já a mesma norma legal reforça no artigo 282 que a atuação profissional ilícita está prevista e discorre que exercer, ainda que a título gratuito, a profissão de médico, dentista ou farmacêutico, sem a devida autorização legal ou ultrapassando seus limites, sujeitase a pena de detenção, de seis meses a dois anos22. O descumprimento da autorização legal caracteriza-se pela inexistência do título idôneo e os respectivos registros legais. Quanto ao excesso de limites citado na redação do artigo, é definido quando o crime for cometido por um dos profissionais referidos, exercendo atos típicos da profissão de outro campo do saber23.

“EAR SHUT” NA ODONTOLOGIA: NORMAS ADMINISTRATIVAS VIGENTES

No Brasil, a Odontologia é regulamentada pela Lei Nº 5.081, de 24 de agosto de 1966, que dita as qualificações, competências e vedações dos cirurgiõesdentistas. Em seu artigo 6°, inciso I, a referida lei dispõe que compete aos cirurgiões-dentistas a prática de todos os atos pertinentes à Odontologia, sejam de conhecimentos adquiridos em nível de graduação ou pós-graduação. Entretanto, a Lei não especifica as áreas de atuação dos cirurgiões-dentistas de forma detalhada, com descrição de procedimentos ou delimitações anatômicas24.

Nesse sentido, na tentativa de dirimir tais dúvidas, a Resolução Nº 176/2016, publicada pelo Conselho Federal de Odontologia (CFO), no parágrafo 1°, discorreu sobre o uso de toxina botulínica nas áreas anatômicas de atuação clínica-cirúrgica. Tais limites consistem entre a porção superior ao osso hioide à porção inferior aos ossos próprios do nariz (ponto násio); e, lateralmente, à porção anterior ao tragus, abrangendo o que foi descrito na referida normativa como estruturas anexas e afins. Quando na condição de procedimentos não cirúrgicos, incluise também o terço superior da face, do ponto násio à linha de inserção do cabelo. No entanto, a delimitação anatômica apresentada nessa norma define que a parte posterior ao tragus não é área de atuação dos cirurgiões-dentistas, de tal maneira que não compete a esse profissional realizar qualquer procedimento para tratamento da orelha em abano, quer seja cirúrgico ou não (Figura 2)25.

Figura 2 - Delimitação anatômica da área de atuação dos cirurgiões-dentistas de acordo com a Resolução Nº 176/2016 do Conselho Federal de Odontologia.

Em conformidade com a Resolução CFO Nº 198/2019, a harmonização orofacial foi reconhecida como especialidade odontológica, incluindo entre os procedimentos o uso de toxina botulínica, preenchedores faciais, biomateriais indutores percutâneos de colágeno, a realização de intradermoterapia, procedimentos biofotônicos, laserterapia, lipoplastia, bichectomia e liplifting. Verifica-se nessa pauta que não há inclusão de qualquer procedimento que vise intervenção em orelhas26.

Assim, com o intuito de normatizar, estabelecer critérios e elucidar os limites da atuação dos cirurgiõesdentistas, o CFO editou a Resolução Nº 230/2020, que veda a realização de determinados procedimentos em áreas anatômicas de cabeça e pescoço, elencando, entre estes, a otoplastia. Além disso, a mesma norma proíbe a publicidade e propaganda de procedimentos não odontológicos e alheios à formação superior em Odontologia21,27.

Ademais, com a Resolução CFO Nº 237/2021, infere a “suspensão cautelar de cirurgião-dentista cuja ação, decorrente do exercício profissional, coloque em risco a saúde e/ou a integridade física dos pacientes, ou que esteja na iminência de fazê-lo”. O artigo 2º da referida Resolução apresenta diversas situações em que a suspensão cautelar poderá ser aplicada e, dentre estas, quando o cirurgião-dentista extrapola os limites da sua competência legal28.

Além da região anatômica, por possuir caráter estritamente estético, o procedimento de “ear shut” afronta diretamente a Resolução CFO Nº 63/2005, que em seu artigo 48 prevê a realização de cirurgia estética apenas pela classe médica, com ressalva para as de caráter estético-funcional do aparelho estomatognático29. E, nesse ponto, importante observar que o Conselho Federal de Medicina emitiu a Resolução Nº 2.272 de 2020, que coloca, em seu artigo 1°, que é de competência exclusiva do médico “a prática de cirurgia e procedimentos com finalidade estética e/ ou funcional, ressalvando, não de forma exclusiva, a cirurgia reparadora e com finalidade estético-funcional do aparelho estomatognático”30, ou seja, indicando uma interface de atuação com a Odontologia, mas no caso do procedimento “ear shut”, não há o entendimento nessa norma de realização por cirurgião-dentista.

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1. Universidade de São Paulo. Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Departamento de Patologia e Medicina Legal, Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil
2. Universidade de São Paulo. Faculdade de Odontologia de Ribeirão Preto, Departamento de Odontologia Restauradora, Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil
3. Universidade Federal da Paraíba, Hospital Regional da Asa Norte, Brasília, Distrito Federal, Brasil
4. Universidade de São Paulo. Faculdade de Odontologia de Ribeirão Preto, Departamento de Estomatologia, Saúde Coletiva e Odontologia Legal, Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil

Autor correspondente: Ricardo Henrique Alves da Silva USP – Faculdade de Odontologia de Ribeirão Preto. Área de Odontologia Legal. Av. do Café, s/n, Bairro Monte Alegre, Ribeirão Preto, SP, Brasil. CEP: 14040-904 E-mail: ricardohenrique@usp.br

Artigo submetido: 07/10/2021.
Artigo aceito: 07/04/2022.

Conflitos de interesse: não há.

 

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