ISSN Online: 2177-1235 | ISSN Print: 1983-5175

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Original Article - Year2023 - Volume38 - Issue 1

http://www.dx.doi.org/10.5935/2177-1235.2023RBCP0666-PT

RESUMO

Introdução: O câncer de pele não melanoma é a neoplasia mais frequente no Brasil, com uma estimativa de 176.930 novos casos durante o triênio 2020-2022, tendo o carcinoma basocelular (CBC) e o carcinoma espinocelular (CEC) como subtipos mais presentes. O tratamento cirúrgico das lesões é efetivo, apresentando taxa de recorrência variando entre 3 e 23%, sendo o comprometimento de margens importante fator prognóstico para essa recorrência, aumentando a importância da excisão completa do tumor.
Método: Para a elaboração deste trabalho, foram analisadas 1127 lesões abordadas no Hospital de Amor Amazônia, buscando quantificar casos e analisar margens cirurgicamente comprometidas por meio de um estudo descritivo analítico retrospectivo. Para isso, foram revisados laudos histopatológicos dos pacientes operados, dividindo-os de acordo com sexo, idade, topografia da lesão, data de excisão, diâmetro da lesão, profundidade da lesão, presença de ulceração, comprometimento de margens e tipo histológico.
Resultados: Dentre as lesões abordadas, 65% eram CBC e 35% CEC, ambos os tipos histológicos apresentando baixa incidência de margens comprometidas. Nos casos de comprometimento em CEC, optou-se pelo tratamento via exérese em 100% dos casos. Já em relação ao comprometimento em CBC, optou-se majoritariamente pelo acompanhamento clínico, com reabordagem em apenas 9% dos casos.
Conclusão: Este estudo demonstra que os casos abordados no Hospital de Amor Amazônia vão ao encontro dos dados epidemiológicos presentes nas principais literaturas, com ressalva, apenas, ao encontrar uma maior incidência de câncer de pele não melanoma em homens. Além disso, esse trabalho demonstra bons resultados na abordagem clínica de margens comprometidas em lesões de CBC.

Palavras-chave: Neoplasias cutâneas; Carcinoma basocelular; Carcinoma de células escamosas; Margens de excisão; Reoperação

ABSTRACT

Introduction: Non-melanoma skin cancer is the most frequent neoplasm in Brazil, with an estimated 176,930 new cases during the 2020-2022 period, with basal cell carcinoma (BCC) and squamous cell carcinoma (SCC) as the most common subtypes. Surgical treatment of the lesions is effective, with a recurrence rate varying between 3 and 23%, with compromised margins being an important prognostic factor for this recurrence, increasing the importance of complete excision of the tumor.
Method: To prepare this work, 1127 lesions treated at the Hospital de Amor Amazônia were analyzed, seeking to quantify cases and analyze surgically compromised margins through a retrospective analytical descriptive study. For this, histopathological reports of the operated patients were reviewed, dividing them according to sex, age, lesion topography, date of excision, lesion diameter, lesion depth, presence of ulceration, compromised margins, and histological type.
Results: Among the lesions treated, 65% were BCC and 35% SCC, both histological types presenting a low incidence of compromised margins. In cases of CPB impairment, treatment via exeresis was chosen in 100% of cases. Concerning BCC impairment, the majority opted for clinical follow-up, with reapproach in only 9% of cases.
Conclusion: This study demonstrates that the cases treated at the Hospital de Amor Amazônia align with the epidemiological data in the main literature, except for finding a higher incidence of non-melanoma skin cancer in men. This work demonstrates good results in the clinical approach to compromised margins in BCC lesions.

Keywords: Skin neoplasms; Carcinoma, basal cell; Carcinoma, squamous cell; Margins of excision; Reoperation


INTRODUÇÃO

O câncer de pele não melanoma é a neoplasia mais frequente no Brasil, com estimativa de novos casos para o triênio 2020-2022 de 83.770 em homens e 93.160 em mulheres, sendo o risco estimado na Região Norte de 21,28/100 mil habitantes homens e 39,24/100 mil habitantes mulheres1. Os dois subtipos mais frequentes são o Carcinoma Basocelular (CBC) e o Carcinoma Espinocelular (CEC).

O tratamento por excisão cirúrgica é altamente eficaz para as neoplasias de pele não melanoma, sendo a taxa de recorrência variável na literatura - entre 5 e 14% após excisão de CBC2 e entre 3 e 23% para CEC primário3. A excisão completa do tumor, macroscopicamente e microscopicamente, é importante fator prognóstico, uma vez que o comprometimento de margens está associado a uma maior chance de recorrência4.

No tratamento cirúrgico do CBC, a taxa de resultados do anatomopatológico que mostra margens comprometidas varia entre 5,5 e 12,5%2. Entretanto, observa-se na literatura uma discrepância na taxa de recorrência tumoral em margens positivas, que varia de 10 a 67%2; logo, a necessidade de uma nova intervenção cirúrgica pode não ser mandatória, podendo-se optar pelo seguimento clínico.

O CEC apresenta um padrão de maior agressividade quando comparado ao CBC. Cerca de 5% dos casos evoluem para quadros localmente avançados ou metastáticos, com crescimento incontrolável e desfiguração substancial5. No tratamento cirúrgico excisional, o índice de cura fica em torno dos 92%, e cai para 77% no caso de tumores recorrentes6.

OBJETIVO

Avaliar a incidência de CBC e CEC no Hospital de Amor Amazônia, em Porto Velho/RO, bem como quantificar os casos, a presença de margens positivas em lesões excisadas, índices de reabordagens cirúrgicas nesses casos e seus resultados.

MÉTODO

Trata-se de um estudo descritivo analítico retrospectivo realizado a partir de revisão dos laudos histopatológicos de pacientes operados por carcinoma basocelular e/ou carcinoma espinocelular no Hospital de Amor Amazônia de Porto Velho entre janeiro de 2016 e dezembro de 2019. As variáveis analisadas foram sexo, idade, topografia da lesão, data da excisão, tipo histológico, maior diâmetro, profundidade de invasão, presença de ulceração, quantidade de lesões excisionadas e situação das margens de excisão. Foram excluídas as biópsias incisionais e os casos de neoplasia de pele não CBC e não CEC, totalizando-se 1127 lesões em 487 pacientes.

Para fins de análise estatística, os tipos histológicos foram divididos em CBC e CEC e avaliados separadamente.

A análise estatística foi realizada com auxílio do software STATA9.2 e utilizado o teste de Qui- quadrado de Pearson para estudar a associação do comprometimento de margens cirúrgicas ao exame anatomopatológico e a presença de lesões positivas na reabordagem cirúrgica. O nível de significância adotado foi de 5% (p<0,05).

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos, com o número 67100417.3.0000.543, do Hospital de Câncer de Barretos.

RESULTADOS

Durante o estudo, foram analisados 487 pacientes, totalizando 1127 lesões de CBC e/ou CEC. Dentre esses pacientes, 236 (48%) eram mulheres e 251 (52%) eram homens. A idade dos estudados variou entre 29 e 102 anos, sendo a média de 66 anos. Dentre os 487 indivíduos, 321 (66%) apresentavam apenas CBC, 92 (19%) apenas CEC, 74 (15%) possuíam CBC e CEC. Com relação às lesões, dentre as 1127 totais, 738 (65%) eram CBC e 389 (35%) eram CEC.

Em relação às margens nas 389 lesões de CEC, as margens profundas se apresentaram comprometidas em 32 (8%), exíguas em 13 (3%), livres em 327 (84%) e não informadas em 17 (4%). Nas margens laterais, 34 (9%) estavam comprometidas, 7 (2%) exíguas, 331 (85%) livres e 17 (4%) não informadas. Todos os casos de margens comprometidas ou exíguas de CEC foram tratados novamente via exérese.

Os tipos histológicos e a gradação histopatológica encontrados no trabalho podem ser vistos nos Quadros 1 e 2.

Quadro 1 - Padrões de CEC encontrados ao exame histopatológico.
Padrões histológicos do CEC Total de lesões
Acantolítico 4
Basaloide 1
Ceratoacantoma 18
Convencional 4
Crateriforme 1
In situ 57
Infiltrativo 59
Superficialmente invasivo 19
Verrucoso 3
Nodular 1

CEC: Carcinoma espinocelular

Fonte: Autores

Quadro 1 - Padrões de CEC encontrados ao exame histopatológico.
Quadro 2 - Gradação histopatológica do CEC.
Gradação histopatológica do CEC Total de lesões
Bem diferenciado 115
Moderadamente diferenciado 184
Pouco diferenciado 18
Não informado 72

CEC: Carcinoma Espinocelular

Fonte: Autores

Quadro 2 - Gradação histopatológica do CEC.

Quanto ao CBC, das 738 lesões, as margens profundas estiveram comprometidas em 77 (10%), exíguas em 19 (3%), livres em 631 (86%) e não informadas em 11 (1%). Nas margens laterais, 115 (16%) estavam comprometidas, 34 (5%) exíguas, 578 (78%) livres e 11 (1%) não informadas.

Considerando-se as margens exíguas e/ou comprometidas do CBC, sem diferenciá-las em profundas ou laterais, obteve-se um total de 177 lesões. Dessas, 17 (9%) foram reabordadas, observando-se 11 (64%) comprometidas e 6 (35%) livres de neoplasia. O intervalo de tempo entre a primeira excisão e a reabordagem das margens foi variável, sendo 9 (52%) de abordagem imediata, 2 (12%) com intervalo inferior a 30 dias de pós-operatório, 1 (6%) em um intervalo de 30 a 60 dias, e 5 (29%) com intervalo superior a 60 dias. Os tipos histológicos encontrados estão ilustrados no Quadro 3.

Quadro 3 - Subtipos histopatológicos de CBC encontrados na amostra.
Subtipos Histológicos do CBC Total de lesões
Infiltrativo 1
Esclerodermiforme 24
Superficial 22
Nodular 187
Micronodular 30
Adenoide 8
Mistos 383
Áreas de diferenciação escamosa 2
Basoescamoso 3
Multicêntrico 1
Sólido 13
Não informado 64

CBC: Carcinoma Basocelular

Fonte: Autores

Quadro 3 - Subtipos histopatológicos de CBC encontrados na amostra.

Nos casos identificados de CBC com margens comprometidas optou-se preferencialmente pelo acompanhamento clínico longitudinal. Em uma minoria realizou-se a reabordagem cirúrgica das margens positivas (9%).

DISCUSSÃO

Em nosso estudo, observou-se o predomínio de casos no sexo masculino (52%), diferentemente da estimativa casuística do INCA1, que estipulava aproximadamente 53% dos casos em mulheres no triênio 2020-2022. Com relação à idade, a média foi de 66 anos, o que vai ao encontro das informações disponibilizadas pelo INCA1, as quais mostram maior incidência a partir dos 40 anos de idade. Houve predomínio, no CBC, de casos com apresentação mista (51%), ou seja, apresentando mais de um de subtipo histológico. No entanto, separadamente, dentre os subtipos histológicos, o mais frequente foi o subtipo histológico nodular (25%), assim como o encontrado no estudo de Rossato et al.7. Quanto ao CEC, 47% tiveram padrão de moderada diferenciação.

Não há um consenso na literatura quanto à melhor terapêutica a ser adotada em casos de margens comprometidas no CBC. No entanto, sabe-se que o CBC apresenta uma íntima relação com o estroma peritumoral, sendo o desenvolvimento deste na constituição e interação com os carcinomas basocelulares visto por Pinkus em 1962 e em 19678.

O tumor recidivado apresenta pior prognóstico que o primário, porque a relação do tumor com seu estroma pode ser alterada em decorrência do tratamento primariamente instituído, facilitando sua disseminação9. Além disso, pode apresentar exulcerações, displasia celular mais evidente, afrouxamento dos cordões de células tumorais, fibrose do estroma e diminuição de reação inflamatória peritumoral, aumentando a difusão de células neoplásicas10. Dessa forma, pode-se querer optar por uma abordagem mais invasiva.

Todavia, de acordo com Rodrigues et al.11, nas ampliações realizadas, somente um terço dos pacientes apresentará doença residual. Em nosso estudo obtivemos um total de 64% dos casos reabordados com doença residual na ampliação de margem, entretanto, acreditamos haver um viés pelo baixo número amostral (17 pacientes reabordados) ou pela técnica cirúrgica usada na primeira excisão. Quando comparamos o número de margens comprometidas, temos 177 casos, com reabordagem de aproximadamente 9% dos casos, e se compararmos com o número total de lesões com margens comprometidas temos apenas 6,3% de lesões com presença de tumor nas lesões excisadas, o que se encontra abaixo dos indicadores existentes na literatura.

Num estudo sobre margens cirúrgicas de câncer de pele em nonagenários na Inglaterra, realizado por Rollett et al.12, encontraram-se taxas de excisão incompletas em CBC de 24%, e com índices de reoperação necessárias em apenas 21,7% dos casos. De acordo com a Associação Britânica de Dermatologia, a conduta expectante é apropriada para CBCs com margens comprometidas quando somente uma margem lateral é comprometida, de tipo histológico não agressivo, não recidivado e envolvendo locais anatômicos de baixo risco11. Optamos pelo acompanhamento clínico dos CBCs com comprometimento de margem em 90% dos casos, obtendo-se um bom prognóstico. Nas lesões em que se optou por ampliar as margens, 35% se apresentaram livres da neoplasia, ou seja, não seria necessária a reintervenção cirúrgica, o que nos remete a uma minoria dos casos.

Outro estudo realizado que preconiza margens maiores a depender do local e tamanho da lesão, apresentou resultados de 5% de casos com margens comprometidas em 1669 excisões realizadas, entretanto, não especifica quantos desses foram reabordados cirurgicamente. O que podemos absorver desse estudo é que, mesmo com margens mais amplas, a presença de margens comprometidas ainda existe e a retirada ou não segue o protocolo de cada serviço13.

CONCLUSÃO

Diante dos dados apresentados e debatidos, observamos uma concordância epidemiológica entre nosso estudo e os números apresentados pelo INCA1, no entanto, há um contraste na incidência do câncer de pele não melanoma, maior entre os homens em nossa amostragem. Isso nos faz levantar hipóteses sobre possíveis fatores predisponentes a essa condição, principalmente relacionados à exposição solar e ao estilo de vida da população do estado de Rondônia.

Já em relação à terapêutica frente ao CBC, nossos resultados corroboram para uma abordagem menos invasiva, mostrando bons resultados para o acompanhamento clínico das lesões. Mesmo em lesões ampliadas cirurgicamente, o benefício da intervenção não é claro, sendo realizado, por vezes, sem necessidade, como ocorreu em nosso âmbito de pesquisa, com 94% de reabordagens dispensáveis.

Faz-se necessário frisar que o acompanhamento dos pacientes é fundamental para identificar a recidiva de lesões, sendo esse o fator preponderante no diagnóstico precoce.

REFERÊNCIAS

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1. Universidade Federal de Rondônia, Medicina, Porto Velho, Rondônia, Brasil

Autor correspondente: Rodolfo Luís Korte Departamento de Medicina da Universidade Federal de Rondônia. Rodovia BR 364, Km 9,5, Campus Universitário José Ribeiro Filho, Bloco 3A, 2º Andar, Sala 301, Porto Velho, RO, Brasil. CEP: 76859-001 E-mail: rlkorte@uol.com.br

Artigo submetido: 21/11/2021.
Artigo aceito: 13/09/2022.

Conflitos de interesse: não há.

 

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