ISSN Online: 2177-1235 | ISSN Print: 1983-5175

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Articles - Year2001 - Volume16 - Issue 1

RESUMO

O autor apresenta uma modificação da técnica do retalho lombossacro no tratamento das úlceras sacras evitando o uso de enxertia cutânea na área doadora do retalho. Utilizado em trinta e seis pacientes paraplégicos, teve apenas três casos com complicações, duas ocorrências de epidermálise e uma necrose do terço distal do retalho, demonstrando sua viabilidade cirúrgica como mais uma opção no tratamento desta patologia complexa.

Palavras-chave: Unitermos: Úlcera de decúbito; sacra; retalhos

ABSTRACT

The author presents a modification of the lumbosacral flap for treatment of sacral pressure sores that avoids the use of skin grafts at the donor area. The modified technique was performed on thirty-six paraplegic patients, whereas only three of them had complications: two cases of epidermolysis and one with necrosis of the distal third of the flap. These results show the surgical viability of the modified technique as an additional option in the treatment of this complex pathology.

Keywords: Pressure sores; sacrum; flaps


INTRODUÇÃO

A úlcera sacra é a segunda úlcera mais comum em pacientes paraplégicos por lesão raquimedular. A úlcera se forma pela perda da sensibilidade protetora: uma pressão num segmento de pele superior à pressão sangüínea tecidual por um tempo ptolongado resulta em necrose tecidual. A principal dificuldade no tratamento dessa úlcera reside no fato de ela ser uma das conseqüências da lesão raquimedulal; e o tratamento, para ser completo, deveria restaurar a lesão neurológica. O grande número de retalhos descritos reflete a alta incidência de recidiva da escara durante a vida desses pacientes, na grande maioria adultos jovens.

No tratamento das úlceras de pressão, alguns princípios devem ser observados: evitar linhas de sutura na área de pressão, tentando colocá-las ao largo; realizar retalhos que não interfiram em retalhos futuros, permitindo uma seqüência de técnicas cirúrgicas com maior número de retalhos possível para cada região propensa à formação de escara; fechar uma úlcera de cada vez; excisar todo o tecido acometido; e preparar o paciente para as limitações de decúbito necessárias para a cicatrização da ferida operatória.

As úlceras sacras eram tratadas por retalhos cutâneos randomizados com vários tipos de desenhos. Ger(2,3)(1971) utilizou retalhos musculares do grande glúteo para fechameno da úlcera sacra. Após essa publicação, vários autores descreveram variações dessa técnica cirúrgica revolucionária. A longo praso, observou-se que o retalhos musculares se tornavam atróficos, diminuindo sua capacidade como coxim. Nola e Vistnes(7)(1980) pesquisaram a diferença de resposta da pele e do músculo quando submetidos a pressão, descrevendo, além disso, estudos no plano histológico. Minato et al. (6) (1986) demonstraram a superioridade da pele ao músculo, quando submetidos a pressão, reforçando a utilização de retalhos fasciocutâneos como primeira opção cirúrgica para o fechamento das úlcera (8) . Em 1982, Daniel e Faibisoff(l) demonstraram que as proeminências ósseas não são cobertas por músculo quando em posição de pressão.

Em 1978, Hill(4) descreveu o retalho transverso lombo sacro (RTL), e Lion e Rebello(5) (1993) utilizam o retalho como primeira opção cirúrgica no tratamento da úlceras sacras.

Objetivamos neste trabalho a descrição da modificação do retalho lombossacro para que o fechamento da área doadora não necessite de enxertia cutânea e não interfira em outros retalhos.


ANATOMIA

O aporte sangüíneo da pele e subcutâneo da região lombossacral é predominantemente segmentar. Sua principal vascularização vem de perfurantes da artéria lombar, através do triângulo lombar, e de perfurantes da artéria intercostal, através do grande dorsal. O aporte sangüíneo apresenta ainda contribuições de perfurante miocutâneos da artéria glútea superior e perfurante dos músculos sacroespinhais. O plexo subdérmico estende-se ininterruptamente, passando pela linha média, com cerca de 1/3 da extremidade proximal apresentando um padrão axial e os 2/3 distais, um padrão randomizado.


MATERIAL E MÉTODOS

Foi realizado, de agosto de 1997 a novembro de 1999, no Hospital Prof. Carvalho Luz, o tratamento de úlceras sacras em 36 pacientes, 16,6% tetraplégicos e 83,4% paraplégicos. A idade dos pacientes variou de 12 a 45 anos, com média de 25,8 anos, sendo 91,6% do sexo masculino e 8,4 % do sexo feminino. Como causas da lesão raquimedular, descreveu-se arma branca em 13,9% dos casos, mergulho em águas rasas em 25%, projétil de arma de fogo em 47,2% e viroses em 13,9%. O diâmetro das escaras variou de 4 a 12 cm.

Inicia-se o tratamento da úlcera com a retirada de tecido desvitalizado e o aguardo da organização da ferida. Nesse período o paciente é atendido por uma equipe multidisciplinar, composta por psicólogo, nutricionista, fisioterapeuta, neurologista, urologista e cirurgião plástico. O que se busca é um melhor estado calórico-protéico, ensinar procedimentos de prevenção, treinar o paciente ao decúbito necessário no pós-operatório e melhorar seu perfil psicológico, já que a grande maioria encontra-se revoltada ou em depressão. Realiza-se ainda acompanhamento neurológico, controle de infecções urinárias e programação cirúrgica para o fechamento da escara.

Na cirurgia, o paciente é sondado e submetido à anestesia peridural ou geral. Em decúbito ventral, inicia-se a marcação, delimitando a coluna e pedículos vasculares. A linha inferior do retalho é feita respeitando a marcação do retalho grande glúteo podendo chegar à crista ilíaca posterior. A base do retalho é estreitada, não devendo passar de 5 cm no eixo vertical. A linha superior é encurvada até encontrar a linha inferior, comparando-se a largura do retalho com a da úlcera (Fig. 2). Após a retirada da bursa, inicia-se o descolamento do retalho pelo pólo superior, identificando a fáscia no tecido subcutâneo e seguindo o descolamento sob ela. O descolamento não deve ultrapassar 2 a 3 cm da linha média, com risco de lesar os pedículos vasculares. Cessa-se o descolamento assim que se torna possível a rotação do retalho. Descola-se do leito o retalho inferior, de 2 a 3 cm da linha média do ponto de rotação, avançando superiormente após a transposição com o retalho transverso lombossacro. Pontos de ancoragem são colocados na borda da lesão para aliviar a tensão da sutura (Figs. 3 e 4). No pós-operatório, mantém-se o dreno de sucção por 48 horas, antibioticoterapia profilática por 24 horas e o paciente é orientado a evitar o decúbito dorsal por 60 dias (Casos 1, 2, 3 e 4).


Fig. 1 - Caso 1. Pré-operatório, paciente de 20 anos com úlcera sacra.



Fig. 2 - Caso 1. Marcação do retalho.



Fig. 3 - Caso 1. Elevação dos retalhos.



Fig. 4 - Caso 1. Transposição dos retalhos com pontos de ancoragem.



Fig. 5 - Caso 1. Pós-operatório imediato.



Fig. 6 - Caso 1. Noventa dias de pós-operatório.



Fig. 7 - Caso 2. Pré-operatório; paciente de 25 anos partador de úlcera sacra.



Fig. 8 - Caso 2. Pós-operatório imediato.



Fig. 9 - Caso 2. Sessenta dias de pós-operatório.



Fig. 10 - Caso 3. Pré-operatório de paciente com 35 anos.



Fig. 11 - Caso 3. Pós-operatório de 60 dias.



Fig. 12 - Caso 4. Pré-operatório, paciente de 28 anos, com úlcera de 8 cm.



Fig. 13 - Caso 4. Pós-operatório de 60 dias.



RESULTADOS

Dos 36 pacientes operados, 3 tiveram complicações. Em 2 pacientes foi observada epidermólise na ponta do retalho inferior que avança na base do retalho lombossacro, sem prejuízo para o resultado final. Em um caso houve necrose na porção final do retalho, que cicatrizou por segunda intenção.


DISCUSSÃO

O retalho transverso lombar apresenta uma excelente vascularização axial no seu plexo subdérmico, o que possibilita o estreitamento de sua base e o descolamento na altura da fáscia do tecido subcutâneo sem sofrimento do retalho. A modificação do desenho para uma forma em Z permitiu o fechamento primário da área doadora sem as complicações inerentes à enxertia, além de oferecer um bom resultado estético. Sendo um retalho resistente à pressão e apresentando a vantagem de não ter cicatriz em área de pressão, um paciente disciplinado pode passar um grande período de tempo sem escara. O coxim oferecido pelo retalho é adequado, visto que a úlcera sacra não apresenta uma profundidade acentuada. O descolamento do retalho ao largo da incisão cirúrgica, a colocação dos pontos de ancoragem e a orientação para se evitar o decúbito dorsal por 60 dias no pós-operatório, contribuíram para evitar deiscência e alargamento das cicatrizes. A perda da porção final do retalho em um paciente foi atribuída à dificuldade de colocar pontos de ancoragem para reduzir a tensão do retalho e o tamanho da úlcera, com o subseqüente aumento da tensão no eixo horizontal no terço distal do retalho, ele evoluiu para necrose. A escolha do retalho transverso lombossacro como primeira opção cirúrgica se deve à mínima morbidade existente na área doadora, além do fato de preservar a vascularização dos retalhos musculares ou miocutâneo do glúteo, caso haja necessidade numa recorrência da úlcera.

Uma das limitações desta técnica é quando o eixo horizontal da úlcera ultrapassa o limite de fechamento primário ou a pele se apresenta atrófica com pouca elasticidade, levando à necessidade de enxertia cutânea na área doadora do retalho. Porém, foram tratada lesões de até 12 cm de eixo horizontal sem complicações.


CONCLUSÃO

O tratamento cirúrgico das úlceras sacras é parte de um tratamento multidisciplinar de uma patologia complexa. Acreditamos que a modificação do retalho lombossacro venha a contribuir no tratamento da úlceras pela facilidade cirúrgica, fechamento primário da área doadora, diminuição do tempo operatório ausência de cicatriz na área de pressão. Observe-se que os resultados obtidos são favoráveis à sua utilização pelo baixo índice de complicações, pela não interferência em retalhos futuros e pelo bom aspecto estético.


BIBLIOGRAFIA

1. DANIEL RK, FAIBISOFF B. Muscle coverage of pressure points - the role of myocutaneous fiaps.Ann. Plast. Surg. 1982; 8:446-52.

2. GER R, LEVINE SA. The management of decubitus ulcers by muscle transposition: an 8-year review. Plast. Reconstr. Surg. 1976; 58:419-28.

3. GER R. The surgical management of decubitus ulcers by muscle transposition. Surg. 1971; 69:106-10.

4.HILL HL, BROWN RG, JURKIEWICZ MJ. The transverse lumbosacral back flap. Plast.Reconstr. Surg. 1978; 62(2):177-84.

5. LION PM, REBELLO C. Tratamento cirúrgica das úlceras de pressão. Rev. Col. Bras. Cirurgiões.1993; 20:332-6.

6. MINATO Y, NARA T, KASHIWA K et al. Long follow-up after coverage of ischial decubitus ulcers with myocutaneous flaps.J. Plast. Reconstr. Surg. 1986; 29:409-18.

7. NOLA GT, VISTNES LM. Differential response of skin and muscle in the experimental production of pressure sores. Plast. Reconstr. Surg. 1980; 66:728-35.

8. YAMAMOTO Y, OHURA T, SHINTOMI Y, SUGIHARA T, NOHIRA K. Superiority of the fasciocutaneous fiap in reconstruction of sacral pressure sores. Ann. Plast. Surg. 1993; 30 (2):116-21.







I - Membro Titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica.

Endereço para correspondência:
Géza Lászlo Ürményi
R. João Garcez Fróes, 136 apto. 309
Salvador - BA 40155-700
Fone: (71) 235-3552

 

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