ISSN Online: 2177-1235 | ISSN Print: 1983-5175

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Articles - Year2000 - Volume15 - Issue 2

RESUMO

A criação de uma substância que possibilite a síntese de tecidos de forma prática e rápida, sem causar efeitos nocivos ao organismo, tem sido o objetivo de várias pesquisas. Trabalhos anteriores com o cianoacrilato demonstraram bom resultado estético final, baixa toxicidade, fácil aplicabilidade e uso pediátrico com sucesso. Este trabalho objetivou avaliar experimentalmente, em camundongos, a eficácia do polímero 2-octilcianoacrilato na síntese de tecidos, comparando-o com a sutura tradicional com fio (ponto simples) e estudando as reações locais nas fases iniciais da cicatrização através de exames histopatológicos. A conclusão obtida demonstrou que a síntese tecidual com o uso do 2-octil-cianoacrilato, quando comparada com a sutura com pontos simples, ocasiona menor reação inflamatória, tecido colágeno mais bem organizado e, conseqüentemente, menor reação fibrosa.

Palavras-chave: Cicatrização; experimental; síntese tecidual; cianoacrilato; reação inflamatória

ABSTRACT

Several researches have been aimed at the creation of a substance that allows the practical and fast suture of tissues without causing side effects. Previous works using cyanoacrylate have shown good final aesthetic results, low toxicity, easy application and successful pediatric use. The purpose of this paper is to experimentally evaluate the effectiveness of the 2-octyl-cyanoacrylate polymer in tissue closure in mice, comparing it to the conventional thread suture (separate stitch) and to study the local reactions during the initial phases of healing by means of histopathological examinations. We concluded that the tissue closure using 2-octyl-cyanoacrylate, when compared to the separate stitch suture, reduces inflammatory reactions, offers better arrangement of collagen tissue and, as a result, reduced fibrous reaction.

Keywords: Healing; experimental; tissue suture; cyanoacrylate; inflammatory reaction


INTRODUÇÃO

A perda da continuidade tecidual no organismo vivo implica a necessidade de aproximação das bordas dos tecidos seccionados ou ressecados, para que seja restaurada a integridade, facilitando a cicatrização.

Tradicionalmente, têm sido usados fios de sutura gue causam reação tecidual, variando de uma reação granulomatosa tipo corpo estranho, até uma resposta de hipersensibilidade, alterando o processo de cicatrização, propiciando infecção e deiscência de sutura.

A sutura com fios cirúrgicos leva a uma tatuagem na pele no local do nó, que pode ser maior ou menor, dependendo de reações locais inerentes a cada indivíduo e podendo até causar uma cicatriz cirúrgica inestética.

O adesivo biológico natural dos animais superiores é a fibrina formada a partir do fibrinogênio sangüíneo, entretanto, o uso de fibrina homóloga ou heteróloga apresenta desvantagens, como o risco de transmissão de doenças, desnaturação em contato com anti-sépticos de uso local como álcool ou iodo, além de dificuldades técnicas com relação ao uso, pois, uma vez preparado, deve ser aplicado no máximo em quatro horas. Outros substitutos foram então procurados, entre os guais os cianoacrilatos, para atuar como adesivos cirúrgicos.

O cianoacrilato, sintetizado em 1949 por Ardis(1) e em 1959 descrito por Coover et al. (2),vem sendo largamente estudado desde 1960. Com o tempo, foram desenvolvidas alterações em sua estrutura, até obter-se o 2-octil-cianoacrilato, que oferece excelente efeito adesivo e baixa toxicidade, em função de sua lenta degradação(1,2).

Embora na literatura existam vários trabalhos demonstrando melhor resultado estético final e redução de custo guando usado o adesivo cirúrgico em comparação com a sutura com fio, há carência de estudos comparativos entre a síntese tecidual com fios de sutura e o 2-octil-cianoacrilato, no que diz respeito às reações observadas nas diferentes fases da cicatrização. Esta lacuna constitui a motivação deste trabalho.


MÉTODO

Foram utilizados 17 camundongos machos adultos, da linhagem CBA, submetidos a anestesia geral inalatória contendo éter etílico a 70%, seguida de tricotomia, assepsia e anti-sepsia na região ventral.

Duas incisões paralelas de 2,5 cm, distando 1,5 cm uma da outra, foram realizadas até a membrana peritoneal, sendo a síntese da ferida da esquerda (A) realizada com a substância 2-octil-cianoacrilato e, a da direita (B), com sete pontos simples com náilon 5-0 (Figs. 1 e 2). A aplicação da cola foi feita após perfeita aposição dos bordos da ferida, em sua superfície, sem penetrar na área cruenta.


Fig. 1 - Síntese da incisão A com 2-octil-cianoacrilato.


Fig. 2 - Síntese da incisão B com pontos simples de náilon 5-0.



As incisões A e B foram divididas em 3 regiões, superior (5), média (M) e inferior (I), medindo 0,83 cm cada. As biópsias foram realizadas sob os mesmos critérios de anestesia, assepsia e anti-sepsia, no 1°, 3° e 70 dias após as incisões, nas regiões superior, média e inferior, respectivamente, utilizando um "punch-biópsia" nº 4, sempre pelo mesmo cirurgião.

O material foi acondicionado separadamente em formol e os animais foram sacrificados após a realização da 3ª biópsia no 7º dia de pós-operatório.

Quatro camundongos faleceram, 1 nas primeiras 24 horas após as incisões, 2 após a realização da 1ª biópsia, e outro 24 horas após a realização da 2ª biópsia.

Os segmentos de pele biopsiados foram fixados em formol a 10% e posteriormente processados com embebição e emblocamento em parafina histológica. As secções com 5mm, obtidas em micrótomo e colocadas em lâminas de vidro, foram coradas com Hematoxilina e Eosina (H&E).


RESULTADOS

As peças cirúrgicas foram reunidas em grupos de acordo com o tipo de síntese - com 2-octil-cianoacrilato (A) ou fios de sutura (B) - e período da biópsia - lº (5), 3° (M) ou 7° (I) dias após as incisões. O estudo histopatológico demonstrou:


Grupo SA (cola 24 horas) (Fig. 3)

A maioria dos animais não apresenta crosta. O epitélio praticamente já se mostra regenerado, exibindo peguenos capilares sangüíneos. Na derme, o processo inflamatório é discreto, mas nota-se grande mobilização de fibroblastos e também de células endoteliais. A lesão cicatricial já se mostra bem conformada e de pouca espessura. Em dois animais, notam-se peguenas bolhas subcórneas e intradérmicas, mesmo em áreas laterais ao local da incisão.


Fig. 3 - Lâmina do grupo SA (24 horas - cola) 400x.



Grupo SB (sutura 24 horas) (Fig. 4)

Nesse grupo, uma crosta, muitas vezes exuberante, está sempre presente. O processo inflamatório do tipo agudo, com predomínio de polimorfonucleares neutrófilos, mas também com macrófagos, é constante. Mesmo nos animais em que as bordas estão mais próximas e o processo de regeneração mais adiantado, o processo inflamatório e o tecido fibroso é pronunciado.


Fig. 4 - Lâmina do grupo SB (24 horas - sutura) 400x.



Grupo MA (cola 72 horas) (Fig. 5)

Observa-se o processo de cicatrização em estado bem avançado, sem células inflamatórias, com tecido colagênico jovem, células endoteliais e os fibroblastos intumescidos. A visão geral da área cicatricial mostra o colágeno jovem mais claro e o epitélio pavimentoso estratificado queratinizado mais espesso.


Fig. 5 - Lâmina do grupo MA (72 horas - cola) l00x.



Grupo MB (sutura 72 horas) (Fig. 6)

Nota-se completa regeneração do epitélio, porém ainda há grande atividade fibroblástica e processo inflamatório de tipo mononuclear, com macrófagos e, em menor quantidade, linfócitos.


Fig. 6 - Lâmina do grupo MB (72 horas - sutura) l00x.



Grupo IA (cola 7 dias) (Fig. 7)

Processo de cicatrização completo, com os tecidos epitelial e fibroso completamente estabilizados, observando-se apenas o colágeno um pouco mais claro na zona cicatricial.


Fig. 7 - Lâmina do grupo lA (7 dias - cola) l00x.



Grupo IB (sutura 7 dias) (Fig. 8)

Cicatriz bem visível, com o colágeno mais espesso, notando-se mais profundamente a reação granulomatosa, com células gigantes fagocitando material estranho, no caso, fio de sutura.


Fig. 8 - Lâmina do grupo IB (7 dias - sutura) l00x.



DISCUSSÃO

O uso do cianoacrilato na síntese dos tecidos já fora estudado em diversos aspectos. Welker e Neupert(5), em 1974, demonstraram sua baixa absorção e biocompatibilidade. Lehman et al. (6) em 1967, Matsumoto(7) em 1967, Heiss(8) em 1970 e Williams(9) em 1976 demonstraram que a substância não era carcinogênica. Seu poder adesivo foi melhorado com modificações em sua estrutura química, até chegar ao 2-octil-cianoacrilato, que tem anéis de cadeia longa, possuindo boa flexibilidade e resistência (2).

Sua vantagem no aspecto estético, em relação à sutura com fio, já foi demonstrada por Keng et al. (10), 1987 e Toriumi et al. (11), 1998.

A utilização do 2-octil-cianoacrilato na síntese das feridas nos parece de fácil manuseio, sendo gasto menos tempo, em comparação com a sutura com fio.

As lâminas demonstraram menor inflamação na fase inicial e a deposição de um colágeno mais bem organizado, com menor reação fibrosa nas feridas em que utilizamos a cola, sendo que, nas suturas com fio, encontramos maior inflamação e granuloma de corpo estranho, inclusive com células gigantes.

Esses resultados são comparáveis aos obtidos por Been et al.(12), em 1999, que avaliou também a utilização do metilacrilato com 2-octil-cianoacrilato e a sutura com fios de náilon, mas teve uma amostra diminuta, com apenas 1 controle para cada fase cicatricial.

Este trabalho, por possuir 17 amostras de cada tipo de sutura, em 3 períodos diferentes, faz com que as conclusões possuam maior significância.


BIBLIOGRAFIA

1. DeBONO R. A simple, inexpensive method for precise application of cyanoacrylate tissue adhesive. Plast. Reconstr. Surg. 1997; 100(2): 447-50.

2. MAW JL, QUINN IV, WELLS GA, DUCIC Y, ODELL PF, LAMOTHE A, BROWNRIGG PI, SUTCLIFFE T. A prospective cornparison of octylcyanoacrylate tissue adhesive and surure for the closure of head and neck incisions. J.Otolaryngol. 1997; 26(1):26-30.

3. WELKER D, NEUPERT G. Comparative biological test of polyacrylate and phosphate cement in monolayer cultures. Stomatol. DDR. 1974; 24(9):602-10.

4. LEHMAN RA, HAYES GJ. The toxiciry of alkyl 2-cyanoacrylate tissue adhesives: brain and blood vessels. Surgery. 1967; 61(6):915-22.

5. MATSUMOTO T. Carcinogenesis and cyanoacrylate adhesives. JAMA. 1967; 202(11): 1057.

6. HEISS WH. The use of synthetic polymeric materiais as suture substitutes and their place in pediatric surgery. Prog. Pediatr. Surg. 1970;1:99- 150. Review.

7. WILLIAMS DF. Biomaterials and biocompatibility.Med. Prog. Technol. 1976; 20:4(1-2):31-42.

8. KENG TM, BUCKNALL TE. A clinical trial of tissue adhesive (hystoacryl) in skin closure of groin wounds. Med. J. Malaysia. 1989; 44(2): 122-8.

9. TORIUMI DM, O'GRADY K, DESAI D, BAGAL A. Use of ocryl-2-cyanoacrylate for skin closure in facial plastic surgery. Plast. Reconstr. Surg. 1998; 102(6):2209-19.

10. BEEN RJ, PUCC FA, KAIOGLIAN DF. Estudo experimental anatomopatológico do cianoacrilato na cicatrização em ratos. PUC São Paulo, 1999.







I - Mestre em Cirurgia pela UFBA. Médico Assistente do Serviço de Cirurgia Plástica do Hospital São Rafael. Membro Especialista da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica.
II - Pós-Graduando em Cirurgia Plástica no Hospital São Rafael.
III - Regente do Serviço de Cirurgia Plástica do Hospital São Rafael. Membro Titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica. Membro Ativo da International Society of Aesthetic Plastic Surgery. Membro da Sociedade Brasileira de Cirurgia Craniofacial.

Endereço para correspondência:
Jiuseppe Benitivoglio Greco Jr.
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Fone: (71) 399-6511 - Fax: (71) 245-7212
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