ISSN Online: 2177-1235 | ISSN Print: 1983-5175

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Articles - Year2001 - Volume16 - Issue 2

RESUMO

Com o crescente aumento do uso de implantes mamarios de silicone para fins estéticos e reparadores, muito se tem discutido a respeito das possíveis complicações resultantes da sua presença no organismo, sendo que alguns desses problemas encontram-se relacionados à capsula fibrosa (contratura capsular) e/ou à resposta imunológica do paciente. Os autores propiõem o emprego de uma abordagem de fácil execução técnica nas situações de troca ou retirada de próteses mamárias, removendo cápsula e implante em monobloco, a chamada "capsulectomia sem capsulotomia". 0 objetivo do estudo é detalhar o procedimento, evidenciar suas vantagens e riscos e correlacionar os dados com a literatura pertinente.

Palavras-chave: Implantes mamários; capsulectomia; mamoplastia de aumento; contratura capsular.

ABSTRACT

The increase in the utilization of silicone breast implants for reconstruction and cosmetic purposes, has led to a great deal of discussion as to the possible complications resulting from their presence in the body. Some ofthe problems are related to the fibrous capsule (capsule contracture) and/or to the patient's immunologic response. The authors propose the utilization of an easily approachable technique for changing or removing breast implants, by removing-the capsule and implant in one piece, the so-called "capsulectomy without capsulotomy." The objective of the study is to describe the procedure in detail, showing its advantages and risks and correlate data with the pertinent literature.

Keywords: Breast implants; capsulectomy; augmentation mammaplasty; capsule contractures


INTRODUÇÃO

Devido à popularização do uso de implantes mamários ocorrida na última década, cada vez mais a inclusão de próteses, tanto com finalidades estéticas como nas reconstruções, tem se tornado wn procedimento rotineiro. No Brasil, durante o ano de 1999, estima-se que tenham sido realizadas 25.000 cirurgias com essa finalidade, sendo o silicone o material empregado na maioria delas. Essa tendência motivou uma discussão mais intensa sobre os riscos e complicações advindos do uso de implantes com gel de silicone. Inúmeros estudos vem sendo divulgados na literatura internacional enfocando os diversos aspectos da relação entre o organismo e o silicone, com uma parte significativa deles dirigida aos aspectos relacionados a cápsula fibrosa: sua formação, comportamento biológico e, principalmente, seu manejo cirurgico nas situações em que ela se torna patológica. Uma outra parte dos estudos volta-se para os efeitos decorrentes da presença do silicone no organismo e as possíveis respostas imunológicas a ele(l).

O objetivo deste trabalho é o de agrupar esses dois conceitos (patologia capsular e riscos da presença do silicone) mediante a revisão dos aspectos conhecidos da literatura, propondo o emprego de uma abordagem rática que vem sendo utilizada com bons resultados no Instituto de Cirurgia Plástica Santa Cruz: a retirada da cápsula em monobloco juntamente com a prótese ("capsulectomia sem capsulotomia"), como uma alternativa viável para situações em que se faz necessária a remoção ou troca do implante, com vantagens e desvantagens sobre as abordagens convencionais.


TÉCNICA CIRÚRGICA E CASOS CLÍNICOS

Em centro cirúrgico, sob anestesia geral, após preparo pré-operatório habitual, as pacientes portadoras de implantes mamários com gel de silicone que, por motivos diversos, necessitaram ser operadas para a troca ou remoção definitiva desses implantes, foram submetidas a esta técnica. Inicia-se a abordagem cirúrgica por meio de incisão sobre a cicatriz prévia, porém com maior extensão; é realizada a diérese dos planos até ser atingida a cápsula fibrosa. A partir desse ponto prossegue-se com a dissecção romba da cápsula, utilizando tesoura e evitando o seu rompimento. Após a retirada em monobloco do conjunto cápsula-implante, e efetuada hemostasia rigorosa do leito cruento com eletrocautério e colocação ou não de nova prótese de silicone. São utilizadas aspirativa drenagem rotineira e rafia por planos da ferida.

Nos últimos anos, esta tem sido a abordagem usual para a remoção ou troca de próteses mamárias em nosso Serviço, tanto com fins estéticos como reparadores. São apresentados a seguir dois casos ilustrativos:

Caso 1: M.L.H., 43 anos, branca, portadora de próteses com gel de silicone de textura lisa, inseridas em plano ântero-muscular havia treze anos. Apresentava contratura capsular Grau III de Baker. Ao interrogatório sintomático, apresentava queixas surgidas após a colocação das próteses: dor em membros superiores (principalmente nas axilas) e mialgias. Foi submetida à remoção dos implantes e cápsulas pela técnica descrita, sem colocação de novas próteses. Apresentou evolução pós-operatória sem intercorrências e refere diminuição dos sintomas descritos após três semanas de cirurgia.

Caso 2: D.S., 46 anos, branca, portadora de prótese de silicone com superfície texturizada, implantada havia quatro anos, quando foi submetida a uma reconstrução mamária imediata à direita com retalho miocutâneo de grande dorsal, por carcinoma ductal. Três anos após, apresentou contratura capsular Grau IV de Baker (Fig. 1), sendo então submetida à troca da prótese gel a técnica descrita, com boa evolução (Figs. 2 a 5). Referia como sintomas pré-operatórios mialgia e queda de cabelos, que, após a retirada da cápsula em monobloco, apresentaram melhora.


Fig. 1 - Study performed at the Instituto de Cirurgia Plástica Santa Cruz [Santa Cruz Institute of Plastic Surgery]


Fig. 2 - Capsulectomia sem capsulotomia (intra-operatório).


Fig. 3 - Capsula fibrosa integra com prótese de silicone.


Fig. 4 - Capsula fibrosa incisada mostrando a prótese em seu interior.


Fig. 5 -Pós-operatório tardio (14 meses).



DISCUSSÃO

Nos últimos anos, o uso de implantes mamários aumentou considerávelmente, seja por indicações estéticas ou reparadoras. Até o momento, o material mais comumente empregado em tais inclusões é a prótese texturizada com gel de silicone. Neste trabalho não foi realizado o uso de próteses de poliuretano e não sabemos qual o seu efeito na formação da cápsula e na sua retirada, por não ser um procedimento de uso padronizado em nosso serviço. No entanto, por se tratar de material aloplástico inserido no organismo, os implantes têm a possibilidade de acarretar muitas complicações relacionadas, quer à sua própria inserção, quer à resposta orgânica desencadeada pela sua presença.

As complicações já foram descritas como decorrentes do uso dos implantes de silicone, sendo que algumas delas ainda permanecem objeto de controvérsia (Tabela I).




A cápsula fibrosa em tomo da prótese forma-se por uma reação imunológica do tipo corpo estranho, na tentativa de isolá-la do tecido adjacente. No entanto, o silicone pode atingir a cápsula e até mesmo ultrapassá-la, caminhando para o tecido mamário, em cerca de 10% a 20% dos casos(2). Vários estudos foram desenvolvidos sobre a histologia da cápsula, mas a maioria deles aponta para características comuns: presença de cicatriz fibrosa, resposta histiocitária, células gigantes, metaplasia e calcificações heterotópicas(3) .

A contratura dessa cápsula e considerada pela maioria dos autores como a complicação mais freqüente, chegando a 45% em uma das séries relatadas(2). Alguns fatores podem estar relacionados ao desenvolvimento da contratura, entre eles as infecções subclínicas, hematomas, extravasamento de silicone, tipo e textura da prótese e posicionamento do implante(4). 0 mecanismo de ocorrência da contratura, no entanto, ainda não foi totalmente estabelecido. Sabe-se que a intensidade da contratura capsular está relacionada com a espessura da cápsula fibrosa. A abordagem terapêutica das contraturas capsulares conta com as seguintes opções: capsulotomia fechada ou aberta, capsulectomia, além da condura expectanre. As vantagens e desvantagens de cada uma dessas técnicas estão resurnidas na Tabela II.




Em 1981, Hakme descreve urn índice muito elevado de complicações da capsulotomia fechada nos pacientes portadores de implantes de silicone(5).

Já existe um certo consenso quanro ao extravasamento de silicone para os tecidos adjacenres. No entanto, os mecanismos pelos quais ocorre essa migração permanecem obscuros e não são dependentes da ruptura da prótese. Foram encontradas evidências de silicone no interior do parênquima mamário, dos ductos galactóforos, em linfonodos da cadeia axiliar e, principalmente, na cápsula fibrosa(6). Esse extravasamento pode, segundo alguns autores, estar relacionado ao aparecimenro de manifestações de auto-imunidade, tanto clínicas como laboratoriais.

As manifestações auro-imunes foram extensivamente estudas em diversos trabalhos, que relacionaram a presença de implantes a alterações, como dores e rigidez articular, parestesias em extremidades, fadiga, mialgia, queda de cabelos, febre, sudorese excessiva, edema de membros inferiores, déficit de memória, problemas gastrintestinais e outros(7), além de alguns quadros compatíveis com o diagnóstico de fibromialgia. Achados laboratoriais incluíram a presença de anticorpos antinuclear, anticolageno(8) e antimacrófago CD68, além de aurmento na velocidade de hemossedimenrac;:ao. Nao obsranre esses dados clinicos e laboratoriais (em sua maio ria inespedficos), uma posrulada "doenc;:a do silicone" nunca foi comprovada. Em uma parte das pacientes essas manifestações podem ser totalmente ou parcialmenre aliviadas pela simples remoção do implante(9), mostrando uma possível relação de causa e efeito entre eles.

Considerando esses achados de melhora clínica após remoção dos implantes, assim como a presença comprovada de silicone na cápsula, a opção mais sensata nessas situações, levando em consideração as diferentes técnicas, parece-nos ser a remoção da cápsula em monobloco com o implante (capsulectomia sem capsulotomia). Em 1976, Carvalho e Baroudi(lO) já advogavam a ressecção completa da cápsula quando da presença de contratura capsular.

Em 1998, Young(7) estabeleceu diretrizes para a realização da capsulectomia, bem como suas contra-indicações (Tabela III). No entanto, em nossa opinião, tais indicações poderiam ser ampliadas, considerando que, em termos técnicos, esta abordagem não apresenta grandes dificuldades (quando em mãos experientes), pois o próprio implante serve como base e referência para a dissecção do plano entre a cápsula e o tecido mamário. Por outro lado, uma reintervenção para capsulectomia isoladamente apresenta dificuldades e riscos muito maiores. Além disso, a remoção da cápsula, por retirar uma quantidade expressiva de silicone, cujo papel e ainda indeterminado, pode contribuir para melhora ou desaparecimenro das manifestações de auto-imunidade. Prova disto são os trabalhos de Rockwel(9) et al. 1998, em que os pacientes com sintomas sistêmicos persistentes mesmo após a remoção isolada dos implantes apresentaram melhora quando extirpada à cápsula.




Vale ressaltar que, ao expor às pacientes os riscos e benefícios deste procedimento, comparados a remoção isolada da prótese, a quase totalidade delas optou pela retirada em conjunto da cápsula, dado que é corroborado pelos achados de literatura, sendo que alguns autores sugerem que pacientes submetidas à capsulectomia e troca do implante voltam a apresentar índices de contratura semelhantes a de pacientes com cirurgia primária(ll, 12).

Portanto, com base em nossas experiências, optamos por estender as indicações de capsulectomia, empregando a abordagem tática em monobloco para praticamente todos os casos de troca ou remoção definitiva de implantes em que não haja contra-indicação absoluta para o procedimento. Não temos observado aumento na morbidade com este procedimento, mas somente um aumento discreto do tamanho da incisão que a técnica requer; e, quando realizado por equipe cirurgica treinada, não apresenta grandes dificuldades técnicas, o que nos tem levado a considerã-lo como a primeira escolha no manejo das cápsulas fibrosas periprotéticas em nosso serviço.


CONCLUSÕES

Apoiados na experiência adquirida em diversos casos seguidos pela equipe, e comparando-os com dados de literatura internacional nos últimos anos, os autores concluem que:

1. A inclusão de implantes de silicone para fins estéticos e/ou reparadores, apesar de largamente difundida, não é um procedimento isento de riscos ou complicações, algumas delas estando ainda envoltas em controvérsias.

2. Nos casos de manifestações relacionadas a auto-imunidade, que ocorrem ocasionalmente em portadores de próteses, não pode ser descartada a importância da presença de silicone na cápsula fibrosa.

3. Comparando-se as diferentes opções de tratamento da cápsula, observa-se que todas elas apresentam riscos equivalentes. No entanto, a capsulectomia é a única que possibilita uma remoção aparentemente mais completa do conteúdo de silicone.

4. Na suspeita ou confirmação de extravasamento de silicone, a retirada em monobloco da cápsula e do implante (capsulectomia sem capsulotomia) parece ser o procedimento mais seguro, evitando-se maior disseminação de partículas de silicone pelos tecidos adjacentes. No entanto, é fato comprovado que a disseminação de silicone ocorre mesmo sem a ruptura macroscópica do envoltório da prótese.

5. A capsulectomia sem capsulotomia, em mãos treinadas, apresentou-se como uma boa opção cirúrgica nos casos de troca ou remoção definitiva de implantes mamários, com baixa morbidade e sem oferecer dificuldades técnicas a sua realização, exigindo, porém, uma incisão maior que a convencional.

6. Essas razões, ao nosso ver, contribuem para uma indicação mais abrangente da capsulectomia em monobloco no manejo das cápsulas fibrosas de implantes mamários.


BIBLIOGRAFIA

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5. HAKME F. Contratura capsular. Complicações da capsulotomia fechada pós-implante de silicone nas hipomastias. F. Méd. (BR), 82 (5): 537-546, 1981.

6. SEMPLES J, et al. Breast milk contamination and silicone implant: preliminary results using silicon as a proxy measurement for silicone. Plast. Reconstry. Surg. 1998; 102:528-31.

7. YOUNG VL. Guidelines and indications for breast implant capsulectomy. Plast. Reconstr. Surg. 1998; 102:884-90.

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9. ROCKWELL WB et et al. Breast capsule persistence after breast implant removal. Plast. Reconstr. Surg. 1998; 101:1085.

10. CARVALHO CG, BAROUDI R. Contratura esférica em torno das próteses mamárias. Anais do XIII Congr. Bras. Cir. Plást. e I Congr. Bras. Cir. Estét., Porto Alegre, RS, Brasil, 1976.

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12. COLLIS N, SHARPE DT. Recurrence of Subglandular breast implant capsular contracture: anterior versus total capsulectomy. Plast. Reconstr. Surg. 2000; 106: 792-97.







1. Membra Titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica e Diretor do Instituto de Cirurgia Plástica Santa Cruz.
2. Especialista pela Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica e Médico Assistente do Instituto de Cirurgia Plástica Santa Cruz.
3. Membras Aspirantes da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica e Residentes do Instituto de Cirurgia Plástica Santa Cruz.

Endereço para correspondência
José Marcos Mélega
R. Santa Cruz, 398 - Vila Mariana
São Paulo - SP 04122-000
Fone: (11) 5575-9863
e-mail: ispsc@uninet.com.br

Trabalho realizado no Instituto de Cirurgia Plástica Santa Cruz

 

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