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Original Article - Year2008 - Volume23 - Issue 3

RESUMO

Introdução: A infecção de pele é a complicação mais comum no paciente queimado. O padrão-ouro para o seu diagnóstico é a biópsia de pele, porém o método mais utilizado nos centros de queimados é o "swab". Objetivo: Comparar os resultados obtidos pela cultura entre a biópsia e o "swab" da escara, para o diagnóstico de infecção de pele nos pacientes internados na Unidade de Tratamento de Queimados do HPS de Porto Alegre; além disso, determinou-se a taxa de infecção das escaras e identificaram-se os tipos de germes encontrados nas culturas. Método: Realizou-se um estudo clínico prospectivo entre junho e outubro de 2007, em que foi realizada a coleta de "swab" e biópsia de pele em 25 pacientes, entre a primeira e a terceira semanas de internação. Resultados: Foram coletados 74 exames (37 "swabs" e 37 biópsias). A sensibilidade do "swab" foi de 100% e sua especificidade de 77,4%. Vinte por cento dos pacientes apresentaram infecção de pele, sendo o germe mais encontrado nas culturas (26,6%) o S. aureus. Conclusão: O "swab", quando for negativo, é um excelente exame para excluir a hipótese de infecção de pele.

Palavras-chave: Queimaduras. Testes de sensibilidade microbiana. Biópsia. Infecção dos ferimentos/microbiologia. Cirurgia plástica.

ABSTRACT

Introduction: Burn wound infection is the most common type of complication in burn patients. The gold standard for its diagnosis is a biopsy, but the most utilized method in the burn centers is the swab. Objective: The main goal of this study is to compare the results obtained through biopsy and swab when diagnosing burn wound infection amongst patients admitted in the Burn Unit of HPS - Porto Alegre. Also, it is an objective to determine the rate of burn wound infection and to identify the different types of germs found in these cultures. Method: A prospective clinical study was performed from June to October 2007. Throughout that period, swabs and biopsies were taken in 25 patients during the first, and/or second, and/or third week of admission in the facility. Results: A total of 74 exams were performed (37 swabs and 37 biopsies). The sensibility of the swab was 100%, and its specificity was 77.4%. 20% of the patients presented burn wound infection and the most common germ found in the cultures (26.6%) was S. aureus. Conclusion: When the swab presents a negative result, we have an excellent exam to exclude the possibility of burn wound infection.

Keywords: Burns. Microbial sensitivity tests. Biopsy. Wound infection/microbiology. Plastic surgery.


INTRODUÇÃO

Embora não existam estudos nacionais que apontem o número real de vítimas, as queimaduras constituem uma importante causa de morbidade e mortalidade no Brasil. Nos EUA, estima-se que 2,5 milhões de pessoas por ano sofram queimaduras e destas mais de 100 mil são hospitalizadas e 12 mil morrem em decorrência da queimadura. A média de internação hospitalar por queimaduras, de 2002 a 2004, no Hospital de Pronto-Socorro de Porto Alegre (HPS) foi de 268 internações por ano, com uma média anual de 32 óbitos1.

As bactérias que colonizam a pele do paciente podem se proliferar e invadir os tecidos sadios adjacentes, causando uma disseminação sistêmica2. Logo, é necessário o monitoramento contínuo da flora da escara do queimado por meio de exames diagnósticos acurados que possibilitem um tratamento mais precoce da infecção. Alguns métodos já foram descritos para quantificar as bactérias na escara, como o "gauze-capillarity method"3, porém os métodos ainda em uso são o "swab" com algodão e a biópsia.

O padrão-ouro para o diagnóstico de infecção de pele do queimado é a biópsia com cultura e análise histológica da pele. Muitos experimentos e estudos clínicos têm demonstrado que um valor maior ou igual que 105 unidades formadoras de colônias por grama de tecido (UFC/g) diagnosticam infecção4.

Este estudo compara os resultados obtidos na cultura realizada pela biópsia e pelo "swab" da escara no diagnóstico de infecção de pele nos pacientes queimados internados na Unidade de Tratamento de Queimados do Hospital de Pronto-Socorro de Porto Alegre (UTQ-HPS). Além disso, foi determinada a taxa de infecção das queimaduras e identificados os tipos de germes encontrados nas culturas.


MÉTODO

Foi realizado um estudo clínico prospectivo em 25 pacientes internados na UTQ-HPS e que foram encaminhados ao bloco cirúrgico para desbridamento cirúrgico das escaras, no período de junho a outubro de 2007. Os pacientes receberam os cuidados básicos disponíveis para o tratamento de queimados. Na admissão foi administrado fluido aos pacientes que foram ressuscitados de acordo com a fórmula de Parkland. Foi realizado curativo aberto com limpeza das escaras e aplicação de sulfadiazina de prata tópica a 1%, três vezes ao dia.

Foram excluídos os pacientes que receberam tratamento com antibioticoterapia endovenosa, exceto aqueles que fizeram o uso profilático antes do desbridamento cirúrgico. Também foram excluídos os que não foram internados no dia em que ocorreu a queimadura.

A coleta dos dados foi iniciada após a sua aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Secretaria Municipal de Saúde da Prefeitura Municipal de Porto Alegre.

Os procedimentos foram realizados no bloco cirúrgico, antes da troca de curativo, sem alterar a rotina da UTQ-HPS. Foi administrado antibiótico profilático antes da realização do procedimento em todos pacientes. A biópsia e o "swab" foram realizados no mesmo local anatômico durante a primeira, e/ou segunda e/ou terceira semana de internação, conforme o paciente submeteu-se ao procedimento. O material foi coletado nos locais em que a escara tinha aspecto, coloração e cheiro compatíveis com processo infeccioso e/ou crescimento bacteriano, conforme a experiência do cirurgião que realizou o procedimento. É importante destacar que foi sempre o mesmo cirurgião que realizou os procedimentos. Primeiramente, após a retirada das ataduras e a realização da anestesia, foi feita a coleta do material com "swab" de algodão. Após foi realizada limpeza da escara com clorexedine e a coleta da biópsia. A coleta do fragmento de biópsia foi realizada com "punch" 4 mm, sendo retirado fragmento da epiderme, derme e pequena porção do tecido celular subcutâneo. O material coletado foi enviado imediatamente ao laboratório para análise microbiológica (quantitativa e qualitativa). A amostra foi considerada como infectada se houve crescimento de mais de 105 UFC/g de tecido.

Para a análise dos germes que mais colonizaram a pele dos queimados foi utilizado o resultado da cultura do "swab" de pele, já para a análise da taxa de infecção de pele foi utilizado o resultado da cultura da biópsia (padrão-ouro).

A análise estatística foi realizada por meio do cálculo da freqüência porcentual das características dos pacientes. Além disso, foi calculada a sensibilidade e a especificidade do "swab", assim como o valor preditivo positivo e negativo.


RESULTADOS

Setenta e quatro exames foram coletados, sendo 37 swabs e 37 biópsias, em 25 pacientes, no período de quatro meses. A maioria dos pacientes era homem (68%), a idade média foi de 32 anos e o tempo médio de internação foi de 33 dias, com uma taxa de mortalidade de 12%. O tipo de queimadura mais freqüente foi por chama aberta, e o local de ocorrência do acidente mais comum foi na própria residência do indivíduo. A superfície corporal queimada total média foi de 20% (Tabela 1). Houve complicações decorrentes da queimadura em 36% dos pacientes, ocorrendo sepse em 24% e infecção do trato urinário, pneumonia e infecção de pele em 20% dos pacientes (Tabela 2).






Comparação "Swab" x Biópsia

Dos 37 "swabs", 24 foram negativos e 13 foram positivos; já dentre as 37 biópsias, 31 foram negativas e 6 foram positivas (Tabela 3). Comparando os resultados de ambos os exames, verifica-se que estes foram simultaneamente negativos em aproximadamente 65% das vezes e positivos em 16% das vezes; entretanto, houve discordância em 19%. Nota-se que em todas as vezes que houve diferença entre os resultados do "swab" e da biópsia foi devido a um "swab" positivo com uma biópsia negativa.




A sensibilidade do "swab" comparado ao padrão-ouro (biópsia) foi de 100% e sua especificidade de 77,4%, obtendo-se um valor preditivo positivo de 46,2% e um valor preditivo negativo de 100% (Tabela 4).




Freqüência dos Germes

O germe mais freqüentemente encontrado, considerando-se os 13 swabs positivos, foi o Staphylococcus aureus (26,6%), seguido de Pseudomonas aeruginosa (20%), Staphylococcus aureus (MRSA) (13,3%) e Escherichia colli (13,3%) (Tabela 5).




Durante a primeira semana de internação houve predomínio do Staphylococcus aureus, já durante a terceira semana de Pseudomonas aeruginosa.

Taxa de Infecção

Houve infecção de pele em cinco (20%) pacientes. Das 37 biópsias realizadas houve positividade em seis, ocorrendo duas biópsias positivas em um mesmo paciente. Os germes que mais causaram infecção foram Pseudomonas aeruginosa (2) e Staphylococcus aureus (2), correspondendo a 33,3% cada um, seguidos de Proteus mirabilis (1) e Proteus vulgaris (1), correspondendo a 16,7% cada um (Tabela 6). Dos seis "swabs" correspondentes às seis biópsias com infecção, houve concordância de germes em quatro (66,6%) exames e discordância em dois (33,4%).




DISCUSSÃO

A infecção é a principal complicação no paciente queimado, sendo a infecção de pele a mais freqüente causa de morbidade e de mortalidade desses pacientes5-8. A quebra da integridade da barreira da pele e a imunodeficiência são fatores que contribuem para a infecção, além do ótimo meio de cultura que é a escara para a proliferação e invasão de bactérias que colonizam a pele do paciente8,9.

Neste estudo, a infecção de pele determinada por meio da análise quantitativa das culturas das biópsias foi encontrada em 20% dos pacientes, acompanhada da infecção do trato urinário e da pneumonia. Assim, percebe-se que, mesmo com o uso de antibioticoterapia tópica como rotina no cuidado dos queimados nas últimas décadas, a infecção da pele ainda é uma complicação comum nestes centros.

Apesar das técnicas de cultura com biópsia serem estudadas há muito tempo e de ser comprovada a sua eficácia, são muito pouco utilizadas, ou talvez nem o sejam, em unidades de queimados no Brasil10. Logo, o método mais utilizado é o "swab" da escara, embora a informação fornecida pela sua cultura ainda não se encontre bem definida. Papini et al.11, em estudo sobre o manejo da queimadura em 39 centros de queimados no Reino Unido, concluíram que o método utilizado regularmente para identificar os germes na escara dos pacientes era o "swab", e que em apenas dois se realizava biópsia; além disso, é citado que nos Estados Unidos 40% dos centros de queimados utilizam apenas "swab", 29% apenas biópsia e 18% os dois.

A biópsia, apesar de ser um método invasivo, determina a presença de bactérias nos tecidos mais profundos, ao contrário do "swab" que, embora seja um método não-invasivo, simples e barato, detecta a presença de bactérias apenas na superfície da pele4,7,12. Uma limitação de ambos os métodos é o fato de que eles não refletem a queimadura como um todo, mas sim uma pequena porção dela13.

A sensibilidade do "swab" foi de 100%, mostrando que sempre que um paciente estiver com infecção de pele o teste será positivo. Este dado é muito útil quando o resultado do "swab" for negativo, pois nesta situação se pode excluir a presença da infecção. Por outro lado, a especificidade do "swab" foi de 77,4%, mostrando que em 22,6% das vezes quando a biópsia for negativa o "swab" pode ser positivo, apresentando este um resultado falso-positivo.

O valor preditivo positivo foi de 46,2%, sendo esta a probabilidade de infecção em um paciente com resultado de "swab" positivo. Por outro lado, o valor preditivo negativo foi de 100%, sendo esta a probabilidade do paciente não ter infecção na presença de um "swab" negativo. A acurácia, ou seja, a proporção de todos "swab" que tiveram resultado igual aos da biópsia, foi de 81,1%. Não foram encontrados na literatura dados a respeito da sensibilidade e da especificidade, assim como do valor preditivo negativo ou positivo do "swab" em relação à biópsia para o diagnóstico de infecção de pele em queimados. Entretanto, Bill et al.14, em estudo com 38 pacientes com "ferida crônica" de diferentes etiologias, avaliaram a correlação entre cultura quantitativa do "swab" e biópsia, obtendo sensibilidade de 79% e especificidade de 60%.

Dos seis "swabs" correspondentes às seis biópsias com infecção, houve concordância de germes em quatro (66,6%) exames e discordância em dois (33,4%). Danilla et al.4 obtiveram concordância de 52%, Steer et al.13 verificaram concordância semelhante, de 54% entre os germes presentes no resultado de ambos os métodos; já Uppal et al.15 identificaram concordância de 95%.

O germe mais freqüentemente encontrado foi o Staphylococcus aureus (26,6%), dado também evidenciado em outros estudos4,6,13. É muito importante o conhecimento dos germes que mais freqüentemente colonizam a escara destes pacientes, uma vez que devemos iniciar uma antibioticoterapia empírica enquanto aguardamos o resultado da cultura.

Em nosso trabalho buscamos comparar o resultado do "swab", o exame mais utilizado em nosso meio, com a biópsia, o padrão-ouro para o diagnóstico de infecção de pele em pacientes queimados. Os resultados demonstraram a confiabilidade do "swab" apenas quando este é negativo, pois nesta situação ele exclui infecção. Já quando este foi positivo, a biópsia mostrou resultados tanto positivos quanto negativos, sendo a maioria de negativos, mostrando que o "swab" pode "superestimar" uma colonização de pele.


CONCLUSÃO

Em decorrência da alta sensibilidade e do alto valor preditivo negativo do "swab", sempre que o seu resultado for negativo pode-se descartar a hipótese de infecção de pele nos pacientes queimados. Por outro lado, devido à baixa especificidade e ao baixo valor preditivo positivo, sempre que o "swab" for positivo deve-se realizar uma biópsia para confirmar se há colonização ou infecção com comprometimento das camadas mais profundas da pele. Neste estudo, o "swab" mostrou-se um exame que permitiu excluir a hipótese de infecção de pele nos pacientes queimados.


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I. Graduando em Medicina pela Universidade Luterana do Brasil (ULBRA-RS).
II. Membro Titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, Cirurgião Plástico da Unidade de Queimados do Hospital de Pronto-Socorro de Porto Alegre.
III. Médico Intensivista da Unidade de Queimados do Hospital de Pronto-Socorro de Porto Alegre.
IV. Membro Titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica. Doutor em Medicina-PUCRS. Prof. Adjunto de Cirurgia Plástica do Curso de Medicina-ULBRA-RS.

Correspondência para:
Francisco Felipe Laitano
Rua Farnese, 199/501 - Bela Vista
Porto Alegre - RS - CEP 90450-180
Telefone: (51) 3388-3965/ 9653-6485
E-mail: fflpoa@hotmail.com

Trabalho realizado no Hospital de Pronto-Socorro Municipal de Porto Alegre, Porto Alegre, RS.

Artigo recebido: 23/07/2008 Artigo aceito: 22/09/2008

 

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