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Original Article - Year2017 - Volume32 - Issue 2

http://www.dx.doi.org/10.5935/2177-1235.2017RBCP0029

RESUMO

INTRODUÇÃO: A reconstrução dos defeitos no assoalho orbital após fraturas constitui um desafio ao cirurgião plástico, pois além da expectativa estética e reconstrutora do paciente, cabe o tratamento de possíveis complicações funcionais, como diplopia e parestesias faciais. O objetivo é demonstrar uma série de casos utilizando cartilagem auricular conchal para reposição volumétrica orbital e estrutural do assoalho.
MÉTODOS: Foram avaliados 24 pacientes, operados pelo autor deste trabalho no período de 2013 a 2016, por motivo de fraturas de assoalho orbital pura (blow-out) ou impura (conjugadas a lesões de margem orbital, como zigoma e maxila). A técnica de estruturação do assoalho utilizou enxerto cartilaginoso autólogo conchal em todos os casos. Os pacientes foram catalogados quanto à presença de queixas pré-operatórias, como parestesia e diplopia, e sintomas, como enoftalmia, assim como resultados pós-operatórios.
RESULTADOS: A presença de lesões concomitantes como fratura de complexo zigomático e fratura maxilar pode influenciar no sucesso da reconstrução, assim como as fraturas com maior área de descontinuidade no assoalho orbital. Poucos pacientes apresentaram queixas pós-operatórias e somente dois casos (9,2%) necessitaram de nova abordagem cirúrgica.
CONCLUSÃO: A cartilagem conchal auricular autóloga é um material adequado à reconstrução de defeitos no assoalho orbital pós-fratura, apresentando como vantagens a fácil obtenção, baixa morbidade, cicatriz inconspícua, excelente adaptação ao formato do assoalho da órbita e consequente reposição volumétrica.

Palavras-chave: Órbita; Fraturas orbitárias; Implantes orbitários.

ABSTRACT

INTRODUCTION: The reconstruction of defects in the orbital floor after fractures poses a challenge to the plastic surgeon because besides the patient's aesthetic and reconstructive expectations, possible functional complications such as diplopia and facial paresthesia must be treated. This study aimed at reporting a series of cases in which conchal auricular cartilage was used for volumetric orbital and structural replacement of the floor.
METHODS: Twenty-four patients, with surgery performed by the author, between 2013 and 2016, for pure (blow-out) or impure (conjugated to orbital margin injuries, such as zygoma and maxilla) orbital floor fractures, were evaluated. The repair technique involved autologous conchal cartilage graft in all cases. Patients were classified for the presence of preoperative complaints, including paresthesia and diplopia, and symptoms such as enophthalmia, as well as postoperative outcomes.
RESULTS: The existence of concomitant lesions, such as zygomatic complex and maxillary fracture, as well as fractures with greater discontinuity in the orbital floor, may influence the success of reconstruction. Few patients exhibited postoperative complaints and only two (9.2%) required a new surgical approach.
CONCLUSION: Autologous conchal auricular cartilage is a suitable material for reconstruction of defects in the post-fracture orbital floor, possessing various advantages, including ease of attainment, low morbidity, inconspicuous scar, and excellent adaptation to the shape of the orbital floor and consequent volumetric replacement.

Keywords: Orbit; Orbital fractures; Orbital implants.


INTRODUÇÃO

As fraturas de assoalho orbital são frequentes após o trauma de face, cursando comumente com diplopia, hipo e enoftalmia, como citado por Beigi et al.1. O reconhecimento e diagnóstico precoces são importantes no tratamento desta condição2.

A alteração da relação conteúdo/continente, ou seja, a relação entre globo ocular, musculatura e gordura orbital e o volume da órbita, é considerada como mecanismo principal na produção de enoftalmia e diplopia. A atrofia de conteúdo orbital também é citada como etiologia destas alterações, apresentando-se, porém, como uma causa menor das mesmas3-6.

O reparo cirúrgico tem como objetivo a restituição desta relação conteúdo/continente por meio de sustentabilidade anatômica e funcional, evitando a recidiva da herniação de conteúdo orbital, conseguindo restaurar o movimento ocular e o volume orbital, além da devolução da aparência estética da face.

Como relatado por Gart & Gosain6, as fraturas da região orbital devem ser corretamente tratadas com redução do tecido herniário, liberação de possíveis aprisionamentos de gordura orbital ou musculatura extraocular, reposicionamento de fragmentos ósseos e reconstrução do assoalho da órbita.

Caso não seja aplicado o tratamento adequado, complicações podem advir, como restrição de movimento ocular por aprisionamento de gordura intraorbital ou músculos extraoculares em fragmentos de fratura ou material de reconstrução, diplopia, distopia orbitária, aparência inestética e enoftalmia, como bem demonstrado por Gart & Gosain6.

A reconstrução do assoalho orbital pode ser realizada com utilização de diversos tipos de materiais, dentre eles os autólogos, como cartilagens septais utilizadas por Kraus et al.7,8, ou conchal, utilizada por Ozyazgan et al.9 e Castellani et al.10, homólogos e aloplásticos, como a tela de Silastic utilizada no trabalho de Aboh et al.11. Não há consenso definitivo sobre qual deve ser o material utilizado para a reconstrução dessas fraturas.

A via de acesso cirúrgica adotada é diversificada entre os cirurgiões, sendo as opções habitualmente mais utilizadas as vias subpalpebral, subciliar e transconjuntival12,13.

O autor deste trabalho utiliza a técnica de cartilagem auricular conchal para reposição volumétrica orbital e estrutural do assoalho, como preconizado por Castellani et al.10.

O trabalho apresenta uma análise de 24 pacientes submetidos à correção de fratura de assoalho orbital associada ou não a outras lesões, tratados com enxerto cartilaginoso autólogo conchal.


OBJETIVO

Demonstrar uma série de casos utilizando cartilagem auricular conchal para reposição volumétrica orbital e reestruturação do assoalho da órbita no tratamento de fratura da mesma.


MÉTODOS

Foram avaliados 24 pacientes no período de março de 2013 a abril de 2016 submetidos à correção de fratura de assoalho orbital, associada ou não a outras lesões, no Hospital Felício Rocho, Belo Horizonte, MG.

Foram avaliadas queixas pré-operatórias de parestesia do território infraorbital ipsilateral, diplopia e impossibilidade de movimentação ocular por encarceramento muscular. Os sinais pré-operatórios avaliados foram de blefaro-hematoma, eno ou hipoftalmia, perda de projeção da eminência zigomática e disoclusão.

Foram avaliados as causas e os tipos das fraturas.

Como fonte dos dados, foram utilizados os prontuários médicos, objetivando determinar gênero, idade, tempo entre a fratura e a correção cirúrgica e via de acesso dessa abordagem cirúrgica. Foram respeitados os princípios de Helsinque.

Nas consultas pré-operatórias os pacientes foram submetidos à anamnese e exame físico, além de serem informados sobre a técnica cirúrgica, local, tamanho e evolução da cicatriz, complicações e intercorrências mais comuns e também da importância e necessidade dos cuidados pós-operatórios. Todos foram orientados e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

O registro fotográfico foi realizado antes e após o procedimento cirúrgico. Antissepsia, profilaxia antibiótica, hemostasia, assepsia e manipulação mínima do enxerto foram rigidamente observados e atendidos.

Nos casos de pacientes com lesão apenas em assoalho orbital, a incisão palpebral (subpalpebral ou subciliar) foi a única realizada e, nos casos que apresentavam fraturas concomitantes à do assoalho orbital, a mesma foi a última a ser abordada.

Em pacientes com lesões concomitantes como fratura naso-órbito-etmoidal foram realizadas incisões concomitantes, como craniano coronal e oral vestibular superior de Caldwell Luc, e para tratamento de fraturas em arco zigomático foram efetuadas incisões temporais de Gilles ou acesso direto por exposição da incisão coronal. Como tais fraturas não compõem o objetivo deste estudo, não se considerou necessário abordá-las extensamente.

Os primeiros retornos ocorreram em 7 e 14 dias e, posteriormente, em 1, 3 e 6 meses após o procedimento. Todos os pacientes do estudo tiveram acompanhamento mínimo de 6 meses e, nesse período, foram reavaliados e realizado registro fotográfico do pós-operatório.

Depois de posicionar o paciente na mesa cirúrgica e realizadas as técnicas de assepsia e antissepsia, é feita a marcação levando em consideração o tamanho do enxerto a ser utilizado e a área onde será inserido. Todos os pacientes receberam anestesia geral com intubação orotraqueal.

A demarcação foi realizada com azul de metileno nos limites da concha auricular e, posteriormente, a incisão, seguida do descolamento subpericondral posterior e anterior da concha (Figura 1). Foi realizado descolamento subpericondral e ressecção desta cartilagem preservando todas as unidades auriculares anatômicas de hélice, escafa e anti-hélice.


Figura 1. Demarcação de limites da concha auricular, a ser abordada posteriormente.



Após realização de antissepsia e colocação de campos, os pacientes foram submetidos às respectivas incisões para tratamento de suas fraturas.

Quando realizado o acesso anterior, a incisão foi feita 1 mm abaixo da transição entre a concha e a anti-hélice auricular ipsilateral (Figura 2).


Figura 2. Concha ressecada com preservação de pericôndrio.



A retirada do enxerto foi cuidadosa para preservar a integridade da concha.

A cartilagem para o enxerto foi sempre colhida na orelha do mesmo lado do defeito orbital.

O enxerto de cartilagem conchal da orelha foi utilizado em todos os pacientes e a sua obtenção foi realizada por meio de incisão anterior ou posterior da mesma.

Posteriormente, foi feita a incisão cutânea palpebral. No caso da incisão subciliar, cerca de 4 mm de músculo orbicular correspondente à porção tarsal foi preservado, sendo o músculo incisado logo abaixo (Figura 3). No caso da incisão subpalpebral, que se localiza imediatamente acima da margem inferior da órbita, na transição da pele palpebral à pele malar, o músculo orbicular foi seccionado em sua porção orbital.


Figura 3. Órbita acessada por incisão subciliar. Preservando-se a porção tarsal do músculo orbicular e realizando-se a incisão da porção septal deste músculo.



Em ambos os casos, as lamelas média e posterior orbitais foram preservadas, sendo incisada somente a lamela anterior (pele e músculo orbicular).

A lamela anterior, depois de incisada, foi sucedida pelo septo orbital que foi preservado. Foi então realizada incisão periosteal na margem orbital inferior e o descolamento subperiosteal da órbita com exposição completa dos focos da fratura de seu assoalho.

O conteúdo orbital eventualmente herniado ao seio maxilar foi recuperado e rebatido cefalicamente pelos afastadores. O descolamento orbital foi amplo para o posterior posicionamento de cartilagem conchal.

O passo seguinte foi a enxertia de cartilagem conchal ao assoalho orbital, como demonstrado na figura 4, sendo que todos os focos de fraturas concomitantes, caso existentes, estivessem anatomicamente reduzidos. Foi realizada a redução de todo conteúdo orbital eventualmente herniado, como gordura orbital, musculatura extraocular e ossos papiráceos do assoalho. O foco de fratura do assoalho orbital é obliterado pela concha auricular após esta se adaptar de modo adequado à curvatura da órbita. Após a enxertia, foi realizado o fechamento por planos do acesso a órbita, com cuidado do fechamento do periósteo para evitar extrusão da concha.


Figura 4. Preenchimento de assoalho orbital com cartilagem conchal auricular.



RESULTADOS

Vinte e quatro pacientes foram submetidos à correção de fratura de assoalho orbital, associada ou não a outras lesões, sendo seis do sexo feminino e 18 do masculino, apresentando idades entre 6 e 87 anos, com média de 40,05 anos.

Dois pacientes apresentaram fraturas em blow-out puro sem lesão às margens orbitais. Nos outros 22 pacientes uma miríade de fraturas foi identificada, variando entre fraturas naso-órbito-etmoidais (NOE) simples, naso-órbito-etmoidais complexas, fraturas Le Fort II ou ainda fraturas de complexo orbitozigomático (Quadro 1).





As queixas pré-operatórias de parestesia do território infraorbital ipsilateral (67%) e diplopia (21%) apresentam-se como as mais comuns. A impossibilidade de movimentação ocular por encarceramento muscular ocorreu em apenas um paciente desta casuística.

Os sinais pré-operatórios mais comuns foram de blefaro-hematoma (79%), eno ou hipoftalmia (55%), perda de projeção da eminência zigomática (38%) e disoclusão (16%), os dois últimos em pacientes com fraturas concomitantes no complexo orbitozigomático ou nos pilares faciais.

As principais causas de fratura nessa casuística resultaram de 16 casos de acidente automobilístico, cinco casos de agressão física dolosa ou por contato esportivo e três casos de quedas de própria altura.

As fraturas identificadas nos pacientes foram dois casos de blow-out puro de assoalho orbital, 11 casos de assoalho conjugadas à fratura de parede lateral da órbita e os outros 11 casos de assoalho e parede medial orbital.

O tempo entre o trauma e a abordagem cirúrgica da fratura variou de 4 a 18 dias.

O acesso, para retirada de enxerto cartilaginoso, foi o retroauricular em 19 pacientes e anterior em cinco pacientes.

O acesso ao foco de fratura foi, em todos os casos, transcutâneo e a incisão de predileção neste estudo, realizada em 20 pacientes, foi subciliar efetuada 1-2 mm abaixo da margem ciliar palpebral inferior preservando o músculo orbicular em sua porção tarsal. Em outros quatro pacientes foi realizada incisão subpalpebral localizada na transição da pele palpebral à pele malar, diretamente acima da margem orbital, e em nenhum caso foi utilizada incisão transconjuntival.

Foram observadas intercorrências pós-operatórias comuns: 11 pacientes com blefaro-hematoma; nove pacientes com parestesia residual de território infraorbital, com resolução completa em seis meses em todos os casos, e um paciente com diplopia residual, com necessidade de nova abordagem cirúrgica e enxertia de cartilagem conchal contralateral para reposição de relação conteúdo/continente orbital.

No pós-operatório imediato, um paciente apresentou hematoma retro-orbital com síndrome de compartimento orbital detectada antes do despertar anestésico, sendo prontamente tratado com evacuação do hematoma, hemostasia e descompressão orbital, sem necessidade de cantotomia.

Não ocorreram outras complicações nos pós-operatórios nem intercorrências transoperatórias.

O prazo de internação foi entre 1 e 18 dias.

Dois pacientes apresentaram enxerto palpável em margem orbital, sendo necessário realizar nova abordagem para melhor aposição do enxerto na órbita e fechamento do periósteo da margem, evitando assim nova extrusão. Posteriormente, evoluíram sem intercorrências.

Não houve queixa significativa nas áreas doadoras de enxerto conchal e nenhum caso de infecção de sítio cirúrgico.

Os pacientes demonstraram altos níveis de satisfação no pós-operatório, com retorno às atividades normais em um período em média de 21 dias.

Os resultados estéticos do tratamento das fraturas de assoalho orbitário com cartilagem auricular conchal foram muito bem recebidos pelos pacientes, sem queixas específicas quanto a cicatrizes faciais, auriculares (pré ou retroauriculares) ou estética facial (hipo/enoftalmia e telecanto) (Figuras 5 a 10).


Figura 5. Paciente 23 anos portador de fratura naso-orbito-etmoidal com telecanto traumático e fratura de assoalho orbital bilateral após acidente automobilístico.


Figura 6. Paciente anterior, radiografia com reconstrução de pilares faciais e estruturas orbitárias simétricas e com volumes semelhantes em pós-operatório inicial e pós-tardio.


Figura 7. Paciente 53 anos portadora de fratura NOE complexa de face associada a Le Fort II, com destruição de assoalho orbital e palato flutuante, submetida a abordagem oral por degloving a fim de tratamento dos pilares faciais seguida de incisões subciliares bilaterais para tratamento de margens orbitais e assoalhos.


Figura 8. Paciente em pós-operatório tardio, demonstrando excelente reposição volumétrica facial, com normoposição bilateral das órbitas, ausência de telecanto, ausência de queixas visuais e sem quaisquer queixas quanto às cicatrizes subciliares bilaterais; radiografia panorâmica, reconstrução anatômica de face, com posições simétricas e normais das órbitas e oclusão em classe I na linha média, denotando correta reconstrução dos pilares faciais.


Figura 9. Paciente 27 anos, portadora de fratura naso-orbito-etmoidal e de complexo orbitozigomático direito após acidente automobilístico, submetida à incisão subciliar e retirada de concha auricular e após tratamento de fratura de margem orbital, submetida à enxertia de cartilagem conchal em assoalho orbital.


Figura 10. Paciente anterior, pós-operatório imediato, tardio e apresentando cicatrizes inconspícuas, bom alinhamento ocular, distância intercantal normal e ausência de queixas ou sintomas como parestesias e diplopia.



Pré e Pós-Operatórios (Figuras 5 a 10)

Os primeiros retornos ocorreram em 7 e 14 dias e, posteriormente, em 1, 3 e 6 meses após o procedimento. Todos os pacientes do estudo tiveram acompanhamento mínimo de 6 meses e, nesse período, foram reavaliados e realizado registro fotográfico do pós-operatório.


DISCUSSÃO

O tratamento das fraturas de assoalho orbital é um campo em evolução14. Sabe-se que, independentemente do material adotado, a reconstrução deve ser anatômica, não permitindo extrema rigidez do assoalho orbital, como alcançada nas reconstruções com telas metálicas ou osso espesso. Isto é bem documentado em casos de recorrência de lesões no mesmo olho, nas quais o aumento da pressão decorrente do trauma, devido à rigidez do assoalho orbital reconstruído, ocasionou lesão ocular e amaurose, conforme descrito por Costa, um dos pioneiros da cirurgia craniomaxilofacial brasileira, em livro texto de Melega et al.15.

Materiais autólogos como osso, cartilagem, fáscia e periósteo apresentam como vantagens o índice reduzido de infecção e o baixo custo e como desvantagens o aumento do tempo cirúrgico e a morbidade por complicação na área doadora6,14. Dentre os materiais autólogos, os mais comumente utilizados em assoalho orbital são as cartilagens e os ossos.

Materiais homólogos apresentam vantagens semelhantes aos autólogos, mas apesar de terem obtenção fácil, sem morbidade em área doadora, evidenciam maiores taxas de infecção, absorção e perda6,14.

Os aloplásticos reduzem o tempo cirúrgico, contudo, aumentam as chances de infecção, rejeição, fístulas, cistos, além dos custos do tratamento. A maioria dos estudos tem demonstrado menor número de complicações nos enxertos autólogos em relação aos sintéticos6,14.

A escolha pelo material utilizado na reconstrução do assoalho da órbita foi em função do mesmo apresentar baixa morbidade na área doadora e ser biocompatível. Devido à maior morbidade, tempo cirúrgico, potencial redução não anatômica por excesso de rigidez de assoalho orbital e taxas de absorção em enxertia óssea, optou-se sempre, neste trabalho, pela reconstrução com enxerto cartilaginoso.

As fontes de cartilagem autóloga são diversas, sendo utilizados o septo nasal, conchas auriculares e arcos costais. As cartilagens, por não necessitarem de contato direto para obter nutrição, em comparação com os ossos, apresentam maior viabilidade. As cartilagens septais e conchais apresentam índices de absorção semelhantes11,16.

A cartilagem septal é menos utilizada, apesar de ter em diversos estudos comprovada a sua viabilidade e eficiência. A maior morbidade da área doadora, possibilidade de complicações como perfuração septal e abordagem de via aérea contaminada desencorajaram a utilização nesta casuística, em relação à cartilagem conchal.

Segundo Talesh et al.17 e Özyazgan et al.9, a cartilagem auricular é bastante recomendada para reconstruções de defeitos no assoalho orbital, por possuir forma equivalente ao assoalho, flexibilidade ideal, satisfatória resistência para sustentar o conteúdo orbital, descomplicação e agilidade com que pode ser retirada, pequena morbidade na região doadora e inexistência de deformidade estética da área doadora.

A retirada do enxerto deve ser cuidadosa para preservar a integridade da concha, pois esta deve ser utilizada por completo, em monobloco, para melhor oclusão do defeito do assoalho.

O enxerto de cartilagem conchal da orelha foi utilizado em todos os pacientes e a sua obtenção foi realizada por meio de incisão anterior ou posterior da mesma, sendo a anterior utilizada somente em cinco pacientes, uma vez que tem sido abandonada devido ao pior efeito estético já que, mesmo inconspícua, é mais visível que a incisão posterior.

Os resultados obtidos neste trabalho com enxerto de cartilagem conchal demonstraram confiabilidade do método, baixo índice de complicações em área doadora e boa restauração da relação conteúdo/continente orbital.

A ausência de casos de enoftalmia residual demonstrou também a confiabilidade do enxerto conchal em manter o conteúdo da órbita livre de herniações ao seio maxilar ipsilateral. O formato côncavo das cartilagens conchais apresenta melhor adaptabilidade à órbita em relação às septais e auxilia a reconstrução anatômica da cavidade orbital, que apresenta formato cônico com ápice póstero-superior10,18,19.

A proximidade dos sítios cirúrgicos, entre zona doadora e receptora, possibilita acesso simultâneo por duas equipes cirúrgicas, diminuindo o tempo cirúrgico e a morbidade operatória.

A incisão subpalpebral, por encontrar-se diretamente sobre a margem orbital, tem como vantagem o acesso rápido e direto ao foco de fratura, porém apresenta pior resultado estético. A incisão subciliar é uma opção de acesso transcutâneo tecnicamente mais complicada que a subpalpebral, contudo, com resultado estético melhor que a última.

A via transconjuntival possui a vantagem da desnecessidade de incisão cutânea, entretanto, é tecnicamente mais complexa que as duas anteriores e, muitas vezes, principalmente em fraturas de complexo orbitozigomático e parede inferolateral orbital, necessita de cantotomia lateral adjuvante para melhor acesso e exposição, como popularizado por Tessier12, anteriormente divulgada por Bourguet13.

O acesso transcutâneo, subciliar ou subpalpebral20,21, apresenta bons resultados estéticos e parece ser um dos motivos da não constituição de queixa pós-operatória importante em nenhum dos casos.

Para a enxertia de cartilagem conchal no assoalho orbital, é fundamental que todos os focos de fraturas concomitantes, caso existentes, estejam anatomicamente reduzidos. Igualmente importante é a redução de todo conteúdo orbital eventualmente herniado, como gordura orbital, musculatura extraocular e ossos papiráceos do assoalho.

O foco de fratura do assoalho orbital deve ser obliterado pela concha auricular, que se adapta, devido à sua curvatura natural, de modo adequado à curvatura da órbita, prevenindo a recidiva da herniação do conteúdo ao seio maxilar.

Como em qualquer procedimento cirúrgico, a técnica apresentada precisa de apropriado conhecimento anatômico, o que é fundamental para diminuir intercorrências pós-operatórias e alcançar resultados efetivos, além de proporcionar melhor recuperação.

Este trabalho procurou demonstrar os resultados da técnica de reconstrução do assoalho da órbita, com o objetivo de alcançar um resultado mais adequado na utilização da cartilagem auricular conchal para reposição volumétrica orbital e estrutural do assoalho.

Foram obtidas, com a técnica utilizada, mínimas complicações em área doadora, boa restauração da relação conteúdo/continente orbital e excelente correção da reconstrução do assoalho da órbita.


CONCLUSÕES

As cartilagens conchais são uma excelente opção na reconstrução do assoalho da órbita, apresentando mínima morbidade em sítio doador e reconstrução anatômica da relação conteúdo/continente orbital, com excelente adaptação do enxerto de concha à parede orbital, o que permite uma redução anatômica.

Este procedimento, com uso de incisões cutâneas palpebrais e reconstrução com enxerto de concha auricular, é um tratamento adequado para os pacientes12,13,24.

O método mostra-se com boa reprodutibilidade, sem grande dificuldade técnica de obtenção de enxertia e pouca ou nenhuma morbidade da área doadora.

Este método é seguro, reprodutível, com baixos índices de complicação e altos índices de satisfação, sendo assim uma boa opção para a reconstrução de assoalho orbital pós-fratura22.


COLABORAÇÕES

WCNBP
Análise e interpretação dos dados; análise estatística; aprovação final do manuscrito; concepção e desenho do estudo; realização das operações; redação do manuscrito e revisão crítica de seu conteúdo.

ICO Análise e interpretação dos dados; análise estatística; realização das operações; redação do manuscrito e revisão crítica de seu conteúdo.

DSOA Análise e interpretação dos dados; realização das operações.

MTRPF Análise e interpretação dos dados; realização das operações.

MHLR Análise e interpretação dos dados; realização das operações.

GMCS Realização das operações; redação do manuscrito e revisão crítica de seu conteúdo.

SMC Aprovação final do manuscrito; concepção e desenho do estudo; realização das operações; revisão crítica do conteúdo do manuscrito.

KRO Análise e interpretação dos dados; realização das operações.


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1. Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, São Paulo, SP, Brasil
2. Associação Brasileira de Cirurgia Crânio-Maxilo-Facial, São Paulo, SP, Brasil
3. Hospital Felício Rocho, Belo Horizonte, MG, Brasil

Instituição: Hospital Felício Rocho, Belo Horizonte, MG, Brasil.

Autor correspondente:
Waldemar Chaves Nascimento Brandao Penna
Av. do Contorno, 9530 - Santa Efigênia
Belo Horizonte, MG, Brasil CEP 30110-017
E-mail: waldemarpenna@gmail.com

Artigo submetido: 13/9/2016.
Artigo aceito: 10/10/2016.
Conflitos de interesse: não há.

 

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